sexta-feira, 6 de abril de 2018

CRÓNICAS DO VALE - Cap. 27


Já perto da Lusa Atenas 

- Passado Pombal chegar a Coimbra é o salto de uma cobra. Vamos recopilar o que tínhamos combinado, ou mesmo sem estar totalmente definido. Da minha parte tenho que entrar em contacto com os meus advogados de estimação, com os quais quero, entre outras coisas pendentes, lhes expor uma ideia que me buliu nestes dias últimos. Coisa simples.

- Pensei que em vez de ter um escritório na Vila, quase perpétuamente fechado e com contacto pelo gravador e com aquela placa junto à entrada com osdizeres de José Mragato CONSULTOR, que não sendo uma actividade reconhecida oficialmente lhe aufere um ar algo ocultista, que confesso me agrada muito, se calhar era interessante transferir a "sede" para Coimbra. Não está decidido, mas já germinou. 

- Também lhes quero perguntar se aceitam ser convidados, e, data não marcada por enquanto, para atal almoçarada que prometí oferecer no Vale do Pito. E, se não lhes parecer um atrevimento descabido, convidarem em nosso nome, o inspector da Judiciária que tem sido, pelo menos até agora, simpático e atento. Claro que o convite seria a título pessoal, como pessoa civil merecedora de respeito e não seria apresentado ao povo como inspector. Embora alguns o devem ter visto no local e passarão a notícia aos restantes.

- Irei ligando para ti a fim de acertar as agulhas, e quando estiver pronto a partir veremos o que fazemos. Mas se puder ainda convinha que me encontrasse com o Presidente da Junta.

-  Pois eu tenho pressa para passar pelo salão de Aveiro e depois com o do Vale. Também eu meditei neste intervalo nas Lisboas. Pode ser uma ideia maluca, mas que opinas de que amplie o local de Aveiro e passe a ser um salão unisexo? De preferência, para não alarmar as clientes mais conservadoras e retrógradas, com uma separação subtil entre as cadeiras de homens e senhoras. Mais complexa seria o fornecer tratamentos de pele e massagens, que, normalmente, são feitos com as damas em trajos menores, ou mesmo sem roupa se forem depilações à brasileira.

- Parece-me uma ideia actualizada, e que até pode chegar um pouco tarde. Mas o meu conselho é que deves avançar. Isto implica um local com bastantes metros quadrados, uma decoração cativante, moderna, séria, mas luminosa, e um mobiliário que devemos procurar em boas casas que conheçam e forneçam o material necessário.

- E apliquei o plural não por descuido, mas porque esta iniciativa, que suponho ainda não tentaste orçamentar, deve carecer de um bom fundo, ou de um empréstimo bancário. Esta segunda hipótese vamos descarta-la de imediato, mas, para resguardar de problemas, teremos que tratar de pagamentos faseados no tempo, dando a ideia de que se pensa pagar tudo com o pelo do mesmo cão.

Agora ficamos em que cada um vai para o seu lado. Tens o carro guardado longe da estação, ou está perto? 

- Aqui mesmo ao virar da esquina. Vou direita a Aveiro e alí almoçarei, acompanhada pelas empregadas que estejam livre, tal como me tens mostrado que se deve fazer para as manter agradadas, ou um bocado,pois quem recebe ordenado, mais gorjetas, o habitual é que o patrão/patroa seja visto como um inimigo. Felizmente há excepções, mas poucas e andam nas nuvens. Falaremos. Beijoca!

.......

- Bom dia. Algum dos doutores está no seu gabinete?

- Tem sorte, Senhor Doutor, estão ambos e sem estarem acompanhados.

- Então agradeço que os avise,dizendo que os venho buscar para irmos a almoçar. Isso se não tiverem algum compromisso que lhes impedir de aceitar a minha companhia.

- Claro que aceitamos, caro amigo Zé. Dá cá um abraço. Dois, que eu também o quero cumprimentar.

- Querem um local académico, para este saudoso, ou um restaurante chiquérrimo, com nova cozinha?Vens provocador! Eu, que sou teu convidado, em companhia do 3F, vamos conduzir-te a um velho local, que esteve mal afamado durante uns tempos, mas que renasceu das cinzas como um Fénix da restauração. Cuidado, que até pode ser que o dono seja, de facto,monárquico e por isso sonhe, acordado, com a possibilidade de entronizar a Dom Duarte Nuno, mais a sua Hereida que, por sorte ou por criação jamais se disse que tenha cometido as gaffes da nova rainha das Espanhas. 

- Chegamos. Zé, recordas-te deste poiso de quando eras republicano? Esteve fechado, quase numa ruína, durante uns dois longos anos até que este lançado e benemérito cidadão, merecedor de garfos e colheres outorgados pela empresa “Michelinho” dos pneus. Verás que aqui se podem degustar os pratos típicos de Coimbra e arredores, mas com absoluta confiança, pois o dono vai todos os dias ao mercado seleccionar o que entende estar fresco e com possibilidades de ser tratado na cozinha com todos os requisitos. 

- Estes requisitos justificam plenamente, para os entendidos, a não existência de uma ementa impressa, daquelas que nunca mudam ao longo dos meses. 
O dono, preparado com o avental, impoluto, de cozinheiro da pousada do século XIX, tem por hábito chegar-se aos que pedem mesa e, depois de os acomodar, dizer de viva voz os pratos que eleborou. Se os clientes se mostram surdos ou respeitadores das normas actuais, ele mostra uma ementa escrita manualmente e fica à disposição para poder descrever os diferentes pratos.

- Pode ser que hoje tenha lampreia à bordalesa, prato que os apreciadores lhe tem dado, sempre, a nota máxima, de excelência A acreditar nos comentários ouvidos por nós mesmos. Ou seja que não emprenhamos de ouvido. 

- Eu é que não posso opinar, pois ver aquele molho de sangue impede-me de o submeter à prova do paladar. Aliás todos os pratos com sangue no molho, rejeito-os de imediato. Deve ser uma embirração gerada quando criança, pois recordo que o meu pai tinha a mesma mania. Entre outras. Isto herda-se.

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