sexta-feira, 20 de abril de 2018

CRÓNICAS DO VALE – cap. 37



TUDO OK – salvo o novo caso

Decidimos parar para respirar e confiar em que as decisões tomadas nos levariam a bom porto. Continuar a bater ferro,estando já frio, seria contraproducente. E além de mais ESTAVAMOS FARTOS, e convencidos de que os seguidores ainda mais ENFASTIADOS do que nós. Daí que passamos para a frente e farei eu, Isabel, o relato dos acontecimentos.

Chegou o dia e compareceram oitenta e tal pessoas. Uns convidados e outros penetras. Mas nestas coisas não se pode ter um porteiro como era a do Frágil. Surpreendentemente vieram os dois filhos do José e da falecida Constança, ambos acompanhados, tanto a parceira do Bruno como o acompanhante da Luísa, além de bem parecidos e educados, mostraram-se amáveis e afectuosos para mim, e simpáticos para os desconhecidos, que eram a imensa maioria.

Os dois amigos advogados de Coimbra, também aceitaram o convite, e com duas brasas de tirar os soluços aos mais impressionáveis. Não ficava atrás a companhia do Inspector Dr. Sílvio CARDOSO, que ao chegar pediu ao José que tentasse evitar ser apresentado como Inspector da PJ, pois veio a título pessoal. O José fez sinal ao Presidente Aníbal MEDEIROS, que trazia atrelada a sua esposa Noémia, para lhe transferir o pedido. Beijinhos da praxe.

Também veio o meu irmão Óscar, mais uma companheira que se identificou como Ruth, que trazia pendurado, ou melhor dizendo, pela mão um menino que, após lhe perguntar, me disse ter quatro anos e se chamar Carlos Manuel (outro Camané na forja!). A azáfama não deu para saber se este Carlitos era filho do Óscar ou vinha de uma fornada anterior. Teremos tempo, depois de tantos anos sem sabermos uns dos outros.

As minhas convidadas dos salões, radiantes, cabelos de revista e fatiotas de virar os olhos. Foram mais simpáticas do que eu mesma imaginava, mas tinha-as treinado no trabalho para isso. Por isso não podiam deixar de sorrir e dar beijinhos a torto e a direito. A Ivone não me largava. O que notei, sem esforço, é que os homens da terra, que nenhum se atreveu a comparecer sem trazer a sua guarda-costas, não tinham olhos a medir. Esta reunião “social” vai ser, sem dúvida, recordada durante bastante tempo.

Tal como previsto, quando chegavam os convidados eram atendidos pelas empregadas e empregados que trouxe a Dona Gertrudes, carregando bandejas com canapés, bolinhos de bacalhau, croquetes e rissóis, tudo em tamanho mini, outros com copos de verde fresco, cerveja para os clássicos e sumos para as senhoras tímidas. Como quem não quer deixei cair que tudo aquilo e mais os salgados que viessem no bufete, eram decisões da Dona Gertrudes, dona da restaurante A CALECHE, a quem depositei a minha inteira confiança e que me prestou uma inestimável ajuda.

Entretanto e como é habitual, foram-se cruando pequenos grupos de pessoas afins, uns conhecidos de antes e outros curiosos, desejosos de beber as palavras daqueles desconhecidos, alguns foram marcando os lugares que desejavam, com casacos, malas, echarpes, o que tivessem à mão. E chegou o aviso de que as travessas estavam no balcão e não convinha deixar arrefecer. Foi uma corrida à Carlos Lopes e à Rosa Mota . Os empurrões e cotoveladas poderiam ter sido mais, não fosse a previsão da Grande Chefe do Caleche que mandou situar de três a quatro travessas do mesmo petisco, distribuídas pelo balcão. Ao todo, então contei, eram de seis a oito pratos diferentes. Algumas das travessas tiveram que ser reabastecidas mais do que uma vez.

Fui à cozinha para comentar com a Dona Gertrudes se tinha precavido, ao que me respondeu que estava habituada a casamentos e saber como eram glutões se houvesse coisas de que gostavam e que nas suas casas raramente, ou nunca, apareciam na mesa. Ali dei com que uma das minhas empregadas, precisamente a recepcionista Sofia, tinha vestido um avental e estava lavando pratos, copos e talheres. Disse-lhe ao ouvido que ela, ali, era uma convidada, com a mesma categoria das outras que por aí se vangloriavam. Que tirasse o avental e se apresentasse na mesa para almoçar. Mesmo assim eu, pessoalmente, agradecia a sua boa vontade, e que também tinha visto que as outras suas colegas deram uma mão quando as coisas estavam com pressão.

Só terminaram de “enfardar” quando as travessas vazias já não regressavam com reforços e se anunciou a chegada de fruta, doces e café. Então, levantei-me da mesa donde estavam o Presidente, os advogados e o inspector, pedindo silêncio a fim de poder manifestar a minha satisfação e dever de amizade á Dona Gertrudes. Surgiu uma espontânea salva de palmas, em pé e com gritos de obrigado, parabéns, vivas. A Gertrudes veio agradecer e demos um abraço com mutuo sentimento. O José também quis um abraço (invejoso!), por não poder abraçar, em público, algumas das belezas que nos rodeavam. Bem gostaria ele, e não se ficaria pelo abraço. Se eu não o conhecesse.

Após bolos, que não sei como os conseguiram engolir, de tão cheios que todos deviam estar, e mais o café, o José e eu fomos convidando os casais maisbrepresentativos para entrarem na mansão do falecido Comendador. Naquele momento eu senti-me uma usurpadora, uma intrusa. Quem devia estar a fazer as honras da casa era a filha do Comendador, a Dona Constança. Mas o mundo dá voltas sem parar e tive que ocupar eu o lugar da falecida.

Levamos as visitas aos salões, reservando um canto para os fumadores, pois que dentro da casa as leis não se aplicavam com excessivo rigor. Para os deixar à vontade havia mesas de apoio entre os sofás e cinzeiros de grande capacidade, além de uma caixa de charutos cubanos, que o José referiu, com ar de gozo, "sirvam-se sem se cohibirem, pois são mesmo Cohibas.

Mesmo assim deixei a porta da varanda aberta. Acompanhei as senhoras para as casas de banho e mandei servir café, para quem desejasse, cognacs franceses, aguardentes nacionais, licores e tudo aquilo que o José se encarrega de manter na sua garrafeira particular.

E nesta estávamos quando

REBENTOU A BOMBA. TEMOS TROVOADA!

Ouvimos bater, desalmadamente, à porta e a Idalina, em passo de corrida, foi ver quem era. Regressou muito séria, assustada mesmo, fazendo sinal ao José para que se chegasse sem companhia indiscreta.

-Ai, menino José, diz aqui o rapaz que nos seus terrenos, mesmo ao lado da cova onde encontraram aquele morto, está um homem enforcado num carvalho. Mandaram-no montar na sua BTT para avisar os patrões e de seguida telefonarem à Guarda para que compareçam a dar conta da ocorrência.




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