sexta-feira, 27 de abril de 2018

CRÓNICAS DO VALE – Cap 42


Finalmente consegui meter-me a caminho para Coimbra. Mas a agenda que trazia em mente já foi alterada com a visita do inspector da P.J. Não me posso fiar demasiado nas doces palavras deste homem, pois antes de tudo é um polícia e desta feita deve estar debaixo de olho dos seus superiores. Esta bronca que armaram, uns desconhecidos que é imperioso identificar, vai ser vista com cuidado e procurarão um bode expiatório, escolhido num sorteio onde, pelo que pressinto, eu tenho alguns números.

Tenho que me por em campo e procurar saber mais do que simples deduções. E deduzo que por aí é capaz de ter entrado em jogo, sujo como é evidente, alguma das máfias dos países do leste europeu, que negoceiam e traficam, também em Portugal, como cão por vinha vindimada. Pelas notícias que transpiram até parece que as nossas autoridades não os apertam tanto quanto merecem. Consta que são diversos grupos, todos com origem entre a Ucrânia e a Hungria, passando pelos territórios conturbados dos Balcãs. Em primeiro passo necessita-se seleccionar quais são os grupos de traficantes de droga e mulheres que actuam na zona centro, concretamente em Coimbra e arredores.

A pessoa que me pode dar alguma dica, se estiver por aí virado, é o chefe dos de “etnia cigana” desta área. E digo isso porque sei o zelo com que sempre olham e defendem as suas áreas de actuação. E estes do Leste vieram alterar o equilíbrio. Daí que imagino que os ciganos da casa não devem ter muita amizade com os de fora, até porque não só lhes invadem o território mas porque alteram, para pior, o já instável equilíbrio com que sempre convivem com a autoridade, especialmente com a dupla GNR-PJ, sem contar com o grupo de Estrangeiros e Fronteira. Devo ter o telefone de Rafael ORTEGA, que creio é ou era o chefe dos calés desta zona. Este espaço livre é bom para parar e telefonar.

Senhor Ortega? Sim? Bom dia sou o José Maragato, passou bem? Gostaria de poder trocar umas palavras com o senhor. Pode ser? E donde está nesta altura? Em Aveiro, perto da feira, óptimo! Podemos ficar num café sossegado? Na Gaivota? Sei onde fica. Em dez minutos estarei consigo. Até já, e obrigado pela sua atenção e disponibilidade. Vou a caminho.

Temos que saber lidar com todo tipo de pessoas, e estes de etnia cigana são muito importantes. Circulam por aí sem travões e sabem imensas coisas que o cidadão comum ignora. A polícia, que desde sempre os tem tentado cercar, sabe que são imprescindíveis para troca de informações. E por isso é que conseguem ultrapassar as “rusgas”, mais a fingir e para inglês ver, tanto da PSP, da Municipal e até da ASAE. Só quando na droga ultrapassam os limites tacitamente aceites, em casos de cenas com tiros e até mortes, é que as acções de repressão são mais fortes.

Bom dia, mais uma vez, Amigo e Senhor Ortega. Vejo que está com um óptimo aspecto e, à vista desarmada, transpira saúde. Parabéns. Esta menina que o acompanha é sua filha ou neta?

É filha mesmo, e está no secundário aqui em Aveiro, com boas notas! Quando pode faz-me de secretária, pois já me acontece falhar a memória quanto a nomes e datas, e ela é uma agenda sempre actualizada. E então Amigo Maragato, o que o traz por cá?

-Desta vez não sou intermediário de ninguém, nem lhe quero apresentar uma personagem com interesses comuns. Sou eu que gostava de comentar um assunto preocupante e tentar que me orientasse. O tema é um pouco, bastante, muito até, rebuscado e atingiu-me sem saber porque, pois não tive arte nem parte activa nele.

É possível que já lhe tenha chegado a notícia do morto que despejaram num terreno da minha propriedade, que aliás era do pai da minha falecida mulher dona Constança, que Deus a tenha ao seu lado.

- Um morto ou são já dois?

- Isso é o que mais me traz ralado. Não sei porque cargas de água escolheram aquele local para se desembaraçar dos cadáveres. Cheira-me a coisas esquisitas. E mais porque, pelas minhas fontes, tenho quase a certeza de que o crime primeiro, e possivelmente o segundo está ligado ao primeiro, teve origem numa festança que uns desconhecidos (por enquanto não sei quem foram, mas desconfio..) deram numa grande casa isolada, na zona do Buçaco.

Espiolhando aqui e ali, e magicando por minha conta e risco, deduzo que por aí é capaz de ter entrado em jogo, sujo como é evidente, alguma das máfias dos países do Leste europeu, que negoceiam e traficam, também em Portugal, como cão por vinha vindimada. Pelas notícias que transpiram até parece que as nossas autoridades não os apertam tanto o cerco quanto merecem. Consta que são diversos grupos, todos com origem entre a Ucrânia e a Hungria, passando pelos territórios conturbados dos Balcãs. Para já, eu desconheço quase tudo sobre esta gente. Não sei quais são os que traficam drogas e mulheres que actuam na zona centro, concretamente em Coimbra e arredores. Mas naquela festa que refiro houve das duas coisas com fartura, e também travestis e paneleiros de produção nacional.

Sem tentar ser indiscreto, mas tampouco um anjo, deduzo que estes malandros que vieram de fora se estão intrometendo nas vossas áreas de comércio, e que apesar de alguns se identificarem como romis, se calhar não são aceites como parceiros e menos como competidores pelos da sua etnia, já estabelecidos na península. Mas que não estão isolados pelas fronteiras, pois que, pelo que de vez em quando aparece em reportagens de festas, existe, desde sempre, uma trasfega de pessoas entre as famílias de Espanha e Portugal.

Avançando: Chego a pensar que da vossa parte devem ter algumas incompatibilidades com estes invasores, que ainda por cima fazem alarde de contrabandear armas e outros artigos, como são as raparigas para eles, em grande escala. Estão levantando lodo que devia ser mantido parado. Se eu estiver certo, pensa o Senhor Ortega que podemos dar uma mão uns aos outros e ver se entre “os da casa” e as polícias, que nem sempre agem a tempo e horas, se pode conseguir dar-lhes na cabeça? Da minha parte estou pessoalmente interessado em me ver livre destas graças, sem graça nenhuma, e também estaria disposto a servir de elo de ligação entre as suas famílias, através do Ortega, e a Judiciária, que, como sabe é melhor os termos como “amigos” do que como cães de fila. O amigo Maragato está carregado de razão, tanto no que o molesta como no que aos meus companheiros e familiares afecta. Ficaria muito contente se esta malta do Leste fosse chatear para outro lado.

- Conte comigo. Mas neste momento só lhe posso dar isso: a certeza de que o ajudarei e entre os dois lavaremos as mãos. Deixe-me o seu contacto reservado e não tardarei em o procurar. É tudo por hoje? É que já viu que vieram procurar-me, com certeza que para dar sentença para alguma desavença.

CRÓNICAS DO VALE - cap XLIII

Um jantar a dois em casa. Que agradável é poder usufruiir deste sosego familiar. Faz-me recordar tempos de duas décadas atrás. Mas faltam as crianças a que dar a provar paladares novos, ensinar a comer nésperas e otras frutas de caroço. proporcionar que descubram como era bom mordiscar, com calma, uma fatia de pao caseiro, com umas pingas de tinto, sem ensopar ou mesmo ensopado, e polvilhado com açúcar. Esta iguaria, que o era, hoje está totalmente banida dos costumes, por considerar que induz as crianças a se tornarem alcoólicos, sem ponderar que não passaráo cinco lustros sem que lhes ponham na mão os tais shotts, que naqueles copinhos carregam mais destilado do que um litro de vinho. Temos muitas mentiras enquistadas, mesmo que se baseiem em exageros sem sentido.

- Mas tomar a parte pelo todo,ou ao contrário, pode levar a resulatdos nefastos. Digo isso porque não podemos esquecer o costume, em certas zonas e camadas da população, de considerar as tais sopas de cavalo cansado, que eram,nem mais nem menos, ou mais mais do que menos, uma tigela de pão troceado ensopado com tinto carrascão, que não era sequer de colheita de viticultor como agoara de tornou "bem". Não consideras isto como um costume prejudicial?

-Luísa, sabes perfeitamente que o nível de pobreza existenet no campo ainda era  muito mais elevado na nossa meninice do que hoje. Ou pensas que aqueles desgraçados, que vestiam farrapos herdados ou, quando muito, roupas usadas até o fio pelo anterior possuidor, tinham dinheiro para comprar farinha láctea? Ao mesmo tempo o nível de cultura estava abaixo de cão. Muitas famílias não tinham um elemento que soubesse ler e entender o que estava num papel. A decisão e iniciativas sociais, nomeadamente por parte dos governos ou de privados, que se tinham tido um início com Grandella e alguns outros maçõns de cariz filantrópico e humanista, não foram suficientes para conseguir uma evolução notável da população rural. Já com o operariado fabril, entre sindicalistas, anarquistas e revolucionários de outras capelas, se esforçaram e conseguiram iniciar a culturização dos mais pobres. Sempre com voluntariado e resistindo às embestidas, quantas vezes violentas e sangrentas, dos conservadores. 

- José. Sem dar por isso já nos metemos na política caseira, que só nos pode causar problemas. Sabemos que este jogo, quando se pratica honestamente e por "amor à arte" não é rentável, e aceito que nem se pretendia que dese frutos pessoais; antes deseja-se que os resultados positivos, se aparecerem, se reflitam em desconhecidos. Mas esta atitude é própria dos lunáticos, dos utópicos, dos que teimam em não avaliar as tácticas e modos de agir dos cínicos que se aproveitam por trás dopano e bem apoiados enter si. E que, sem dúvida, nos dão asco.

-Luísa

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