Quando
sonhamos, e uso o plural com a convicção de não ser um caso único,
é frequente acordar repentinamente recordando as últimas cenas do
sonho que estava em curso. E não são raras as ocasiões em que os
factos que “vejo” nitidamente enquanto a mente devaneia não se
encaixam no histórico que, quando em vigília, constam do meu
arquivo. Apesar de usufruir destas liberdades fantasistas o mais
habitual é que no sonho apareçam misturadas personagens, em geral
familiares, e situações que não tiveram aquele desenvolvimento que
a mente se encarrega de encenar.
Hoje,
porém, quando despertei, com algum sobressalto, mantinha fresca a
situação que o vídeo imaginário desenvolvera. E mentalmente o
repeti, não uma mas duas vezes, para tentar evitar o seu
desvanecimento irrecuperável, como acontece quase sempre.
A
história era complexa e a memória foi pescar factos não
acontecidos e os misturou com preconceitos que trago enraizados
profundamente. Estava o casal Virella num passeio por Portugal na
companhia de um outro casal, com quem partilhávamos uma intensa
amizade, apesar de serem uns anos mais velhos e não frequentarmos os
mesmos ambientes, a não ser quando nos juntávamos. Hoje, faleceram
ambos e ficamos mais órfãos do que antes.
Os
quilómetros de estrada nos levaram até Penafiel -onde jamais
estive- Surgiu a proposta de visitarmos uma mansão rural, certamente
das que construíram saudosos emigrantes no Brasil, desejosos de
deixar uma marca na sua terra de origem. O cartaz na portada da área
ajardinada, que separava a estrada do edifício, anunciava que estava
preparado para Turismo Rural, ou coisa no género. Tenho uma
relutância grave para visitar casas habitadas ou dispostas a ser
utilizadas esporadicamente, quando o único motivo se resume a dar
uma olhadela. Daí que, como
noutras ocasiões, optei por ficar à porta, sem que o trio
estranhasse dado que estavam habituados ás minhas manias.
A
cena mudou, como num filme, para a decisão de procurar um local
idóneo onde poder tomar uma refeição agradável. Uma vez dentro
sei que o cozinheiro em activo, muito provavelmente habilitado por um
curso actualizado de culinária, estava preparando, à frente de um
outro cliente, totalmente desconhecido para mim, uma iguaria com a
qual, supostamente, o cliente deveria ficar extasiado. Olhando com o
ar mais dissimulado que fui capaz, vi que o cheff colocou
no centro do prato uma forma, do tamanho de uma caixa de creme, mas
com pouca altura, que encheu, a rasar, com um picado que foi procurar
na cozinha. Retirou a forma e ficou uma porção, ridiculamente
pequena, de alimento. A seguir colocou uma minúscula batata cozida;
um pequeno rabanete, cortado em pétalas de rosa; do outro lado um
também minúsculo ramo de salsa francesa, da de folhas engelhadas; a
seguir uns fios de haste de alho recém nascido; uma folha de hortelã
e mais um par de adereços. Completou a manufactura com aqueles
riscos com que supõem os clientes ficam em êxtase. E deu o trabalho
por terminado.
Dirigiu-se
à nossa mesa a fim de tomar nota do que teriam escolhido. Mas eu,
que sou embirrante e gosto pouco de ser gozado (como sucede com todos
os gozões), neguei-me a comer aquelas obras de arte. Enquanto me
documentava tinha dado uma olhadela a outra sala, situada ao fundo as
sala nobre, por assim dizer, e ali vi como estavam abancados
clientes, instalados em mesas de madeira e toalhas aos quadrados, que
se debatiam com ar satisfeito com travessas de comidas tradicionais.
É ali que vou almoçar!
Desta
feita os outros elementos da expedição seguiram o meu conselho e eu
acordei.
Suponho,
conhecendo o grupo com anos de convívio, que ficaram agradecidos e
satisfeitos por lhes dar a dica para fugir daquela esnovice
que se instalou no nosso País. Onde temos tantas coisas boas para
comer na cozinha tradicional.
Sem comentários:
Enviar um comentário