terça-feira, 30 de maio de 2017

TEIMOSO MESMO DORMINDO


Quando sonhamos, e uso o plural com a convicção de não ser um caso único, é frequente acordar repentinamente recordando as últimas cenas do sonho que estava em curso. E não são raras as ocasiões em que os factos que “vejo” nitidamente enquanto a mente devaneia não se encaixam no histórico que, quando em vigília, constam do meu arquivo. Apesar de usufruir destas liberdades fantasistas o mais habitual é que no sonho apareçam misturadas personagens, em geral familiares, e situações que não tiveram aquele desenvolvimento que a mente se encarrega de encenar.

Hoje, porém, quando despertei, com algum sobressalto, mantinha fresca a situação que o vídeo imaginário desenvolvera. E mentalmente o repeti, não uma mas duas vezes, para tentar evitar o seu desvanecimento irrecuperável, como acontece quase sempre.

A história era complexa e a memória foi pescar factos não acontecidos e os misturou com preconceitos que trago enraizados profundamente. Estava o casal Virella num passeio por Portugal na companhia de um outro casal, com quem partilhávamos uma intensa amizade, apesar de serem uns anos mais velhos e não frequentarmos os mesmos ambientes, a não ser quando nos juntávamos. Hoje, faleceram ambos e ficamos mais órfãos do que antes.

Os quilómetros de estrada nos levaram até Penafiel -onde jamais estive- Surgiu a proposta de visitarmos uma mansão rural, certamente das que construíram saudosos emigrantes no Brasil, desejosos de deixar uma marca na sua terra de origem. O cartaz na portada da área ajardinada, que separava a estrada do edifício, anunciava que estava preparado para Turismo Rural, ou coisa no género. Tenho uma relutância grave para visitar casas habitadas ou dispostas a ser utilizadas esporadicamente, quando o único motivo se resume a dar uma olhadela. Daí que, como noutras ocasiões, optei por ficar à porta, sem que o trio estranhasse dado que estavam habituados ás minhas manias.

A cena mudou, como num filme, para a decisão de procurar um local idóneo onde poder tomar uma refeição agradável. Uma vez dentro sei que o cozinheiro em activo, muito provavelmente habilitado por um curso actualizado de culinária, estava preparando, à frente de um outro cliente, totalmente desconhecido para mim, uma iguaria com a qual, supostamente, o cliente deveria ficar extasiado. Olhando com o ar mais dissimulado que fui capaz, vi que o cheff colocou no centro do prato uma forma, do tamanho de uma caixa de creme, mas com pouca altura, que encheu, a rasar, com um picado que foi procurar na cozinha. Retirou a forma e ficou uma porção, ridiculamente pequena, de alimento. A seguir colocou uma minúscula batata cozida; um pequeno rabanete, cortado em pétalas de rosa; do outro lado um também minúsculo ramo de salsa francesa, da de folhas engelhadas; a seguir uns fios de haste de alho recém nascido; uma folha de hortelã e mais um par de adereços. Completou a manufactura com aqueles riscos com que supõem os clientes ficam em êxtase. E deu o trabalho por terminado.

Dirigiu-se à nossa mesa a fim de tomar nota do que teriam escolhido. Mas eu, que sou embirrante e gosto pouco de ser gozado (como sucede com todos os gozões), neguei-me a comer aquelas obras de arte. Enquanto me documentava tinha dado uma olhadela a outra sala, situada ao fundo as sala nobre, por assim dizer, e ali vi como estavam abancados clientes, instalados em mesas de madeira e toalhas aos quadrados, que se debatiam com ar satisfeito com travessas de comidas tradicionais. É ali que vou almoçar! Desta feita os outros elementos da expedição seguiram o meu conselho e eu acordei.

Suponho, conhecendo o grupo com anos de convívio, que ficaram agradecidos e satisfeitos por lhes dar a dica para fugir daquela esnovice que se instalou no nosso País. Onde temos tantas coisas boas para comer na cozinha tradicional.


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