domingo, 21 de maio de 2017

INCOMPATIBILIDADE SELECTIVA



Quem me tenha seguido com atenção, coisa difícil e pouco provável, é capaz de encontrar uma animosidade visceral contra as igrejas e credos que “consolam” a humanidade. O culpado desta noção, que certamente existe, só posso ser eu, apesar de que manifestei, por mais de uma vez, que admito, como facto incontestável, que o homem, desde os seus primórdios de erecto e sapiens, e em consequência de que a sua sapiência não era suficiente para o esclarecer sobre muitíssimas coisas e factos que o deixavam perplexo, procurou explicações esotéricas, fabulosas, numa evolução cada vez mais complexa e alambicada, que ao ser estruturadas por cabeças astutas deram origem às múltiplas religiões. Conceito que abrange desde o animismo mais primário, com os seus bruxos, até as estruturas mais complexas.

Considerando que a mente humana, neste aspecto de como enfrentar, mentalmente, o desconhecido, pouco evoluiu desde que os cavernícolas pintalgavam renas e auroques, mãos, caçadores, e outras figuras simbólicas, com o propósito de assim conseguir uma colaboração fantasiosa para a sua sobrevivência, nos pode deixar bastante perplexos. Não vale a pena imaginar impossíveis, somos lá no fundo, estrutura e mentalmente pouco diferentes dos cromagnhon e neandertais, entre outros. Hoje, um grande, enorme, sector da sociedade civil mantêm esta propensão a acreditar em explicações, favores, sucessos e consolos que só existem nas suas mentes. É assim e não há volta a dar.

Então cabe perguntar: Se reconheço esta necessidade ou o quase inevitável arrastamento por hábitos ancestrais, porque repudiar algo que admito ser quase que instintivo? A resposta está precisamente no “quase”, pois temos que admitir a existência de estruturas, bem montadas e melhor oleadas, com diferentes nomes “comerciais”, que se encarregam de manter agarrados os espíritos mais débeis, mesmo que carreguem, orgulhosamente, com títulos académicos e presumam de intelectualidade. Os convertem em adictos fieis dos protocolos. Neste sector temos que incluir aqueles que, no fundo, se mostram como fieis mas estão movidos por interesses mais terrenos do que celestiais. E são muitos!

Pessoalmente, tenho consideração e respeito pelos membros do chamado baixo clero, (1) apesar de saber que são os peões de brega (termo do léxico tauromáquico) da estrutura da Igreja. Sempre, ou quase sempre, me dei bem com estas pessoas que valorizo como equiparáveis a profissionais de outros sectores necessários para o funcionamento da sociedade. Sem dúvida, são eles que convivem e consolam, dentro das suas possibilidades e capacidades, a quem os procura. São eles os que cumprem a principal função social neste campo das carências mentais. Por esta razão não só mantive longos diálogos com alguns membros do baixo clero como, inclusive, os sentei na nossa mesa para partilhar, irmãmente, refeições descomprometidas.

O mesmo não posso dizer para os elementos que estão integrados na pirâmide estrutural do médio e alto clero. Pois que é neste sector que se promove o fanatismo, o obscurantismo, e se incita a transferência de bens terrenos para seu proveito. Claro que aqui, tal como as rémoras que acompanham os tubarões, desejosos de partilhar os restos do festim; alguns dos que iniciaram o seu percurso no tal de baixo clero, até conseguem subir degraus na hierarquia, o que mostra o afastados que, de facto, se colocaram daquele povo que deveriam servir.


(1) O baixo clero era constituído por sacerdotes e diáconos, que muitas vezes eram oriundos de famílias pobres. (definição retirada da bibliografia)

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