terça-feira, 23 de maio de 2017

A CGD



A minha capacidade financeira, mais concretamente os montantes de moeda corrente que tive à minha disposição sempre foram mais do nível do pescador de costa, com cana e carreto, saltando de um pesqueiro para outro, imaginando que ali não mordiam, mas que uns metros mais à direita ou à esquerda havia uns robalos e uns sargos com dentes de fumador, ansiosos de engolir o dueto isco e anzol. Dito de outra forma, nada me impelia a tentar a pesca de alto bordo, fosse para as costas do Canadá ou da Mauritânia usando uma simbologia geográfica para fugir de nomear entidades bancárias concretas.

Apesar desta situação pessoal, a experiência vivida, primeiro como estudante e depois como profissional, elucidaram-me sobre o como agiam os bancos, e como só os muito poderosos ou, o que é quase equivalente, os trafulhas de primeira linha, é que tinham entrada pela porta reservada e conseguir fazer suculentos negócios. Paralelamente fiquei a saber como se conseguia capital nos gabinetes da CGD.

Entre as novidades que a Abrllada nos ofereceu foi dar a possibilidade, mais teórica do que efectiva, de que qualquer cidadão que dispusesse de um excedente de capital pudesse entrar no jogo das aplicações de risco, sem se capacitar de que, por desconhecer o que se manobrava por trás dos reposteiros, ele, o incauto aforrador, seria, sempre o que pagaria as favas.

Outra novidade que nos deram, também envenenada, foi a de nos dar notícia de alguns dos negócios escuros, foram financiados, sem um estudo aprofundado da sua viabilidade ou garantias que os cobrissem, em conluio por banqueiros que deviam ser pessoas respeitáveis, mas que só o eram de facto para os seus pares. Curiosamente, ou não, muitos destes financiamentos entraram nas pastas dos incumprimentos, que, eufemisticamente se denominam como crédito mal parado, ou mais correctamente, dados como incobráveis.

Uma lista que além de incluir muito crédito concedido para adquirir um habitáculo, e que a evolução catastrófica (apara alguns) da economia impediu o devedor de cumprir os pagamentos, podemos estar desconfiados -como deveríamos ser- que ainda devem existir mais dívidas de porte, das de milhares de milhões, nesta lista e por isso não se pode considerar como completa. Estes esquecimentos, a existir, pode ser que se reservam cautelosamente para não alarmar, ainda mais, a população que confiou na banca.

O alarme sou quando nos anunciaram que, dado o estado de carência nas tesourarias de alguns bancos privados, era inevitável que o Estado lhes desse uma ajuda, entregando dinheiro dos contribuintes ou, o que é equivalente, contraindo dívida no exterior com juros e amortização a cargo do sempre cidadão indefeso. Curiosamente esta situação foi debatida em jornais, televisões e profissionais reputados, sem que a população se mostrasse alarmada, como deveria.

Agora, repetindo o filme por enésima vez, calhou ser a Caixa Geral de Depósitos, acompanhada do seu eterno parceiro Montepio, que se destapam com os cofres vazios, ou quase. O pagode, que pelos vistos acreditava que a CGD é NOSSA, tal como se clamava a respeito de Angola numas palavras de ordem da época da outra senhora, mostra que não sabiam ou não avaliavam como sempre funcionou esta entidade bancária tão especial. Com uns estatutos que lhe auferiam um poder absoluto sobre a economia nacional.

Qualquer cidadão adulto, e mais se for empregado do Estado, sabe que a CGD tinha a exclusividade de todas as receitas e pagamentos que se deviam entregar a qualquer entidade estatal. Que os ordenados eram tramitados, geridos e distribuídos pela CGD. Assim geria um imenso volume -à nossa escala- de numerário certo e inquestionável. E o que fazia com este dinheiro “fresco”?

Simplesmente era ali, na CGD, onde os empresários e promotores bem vistos pelo regime se abasteciam sem problemas, e com juros muito acessíveis, dando garantias de imobiliário, civil ou industrial, ainda só em estado de projecto, ou instalações já amortizadas que deviam ser ampliadas ou substituídas. Assim se cresceu, moderadamente, mas cresceu, durante a regência de Salazar e do tio Caetano. O já referido Montepio, que na sua génese era uma casa de penhoras, funcionava do mesmo modo: financiando sem problemas de maior. Os problemas, subjacentes, só agora apareceram à luz do dia.

Tanto a CGD como o Montepio tinham a vantagem adicional de não serem efectivamente controladas pelas entidades que o deviam fazer, principalmente o Banco de Portugal, pelo simples facto de que os lugares de topo nestas três entidades sempre foram atribuídos a membros de um reduzido grupo de eleitos, certamente seleccionados pela sua capacidade, responsabilidade e honradez.


A grande diferença entre ser vítima de um banco privado, e já fechado se for o caso, reside a que neste só entrou quem quis, e na CGD pode sentir-se abusado por ter que contribuir, sem ser voluntariamente, a cobrir os mal-parados, pois para muitos era condição sine qua non manter conta aberta nesta entidade “pública”.

Sem comentários:

Enviar um comentário