Ontem
decidi mudar de ramo. Entenda-se de ramo pseudo artístico. Opção
que tomo periodicamente quando me farto de fazer inutilidades num
capítulo das manualidades e passo para outro. Desta feita retomei à
talha em madeira, que não
se deve confundir com ir talar árvores para o reino do Alberto João.
Sempre
tenho alguns troncos na reserva para estes momentos de crise
existencial, em que necessito descarregar problemas sérios que não
posso escrever para editar. Bastantes dores cranianas tenho sem me
atirar para o teclado. A principal, nesta altura, é conhecida por
muitos e não carece de ser referida. Sentir-se enganado e jamais ser
recompensado é duro de roer.
A
brincadeira vai avançada, com um espalhafato de aparas e serradura
que enerva à “minha senhora”, com há quem denomine a
companheira que, sendo a dona da casa é, por indução e por direito
social inerente, dona disto tudo.
Reconhecendo
que quando me oriento para representar a figura humana não consigo
dominar a minha tendência para retratar monstruosidades, optei para
tentar vogar para as praias do não figurativo. Veremos. Caso alguém
tiver a oportunidade e o interesse em ver o que sairá quando decidir
que chegou ao ponto de não retorno.
Enquanto
lutava com formões, goivas e maceta lembrei uma anedota que referia
um sujeito, desempregado mas ansioso para conseguir trabalho
remunerado, que ao passar pelo portão de um barracão de onde
emanava um aroma de madeira recêm cortada e o barulho de
ferramentas, pediu para entrar e tentar que o contratassem. O dono,
cuja especialidade era a de ser santeiro (como o famoso Roque)
perguntou-lhe:
-
ajeita-se bem com as ferramentas de carpintaria?
-
óptimamente, como se formassem parte das minhas mãos.
-
e tem algum problema com a figura de santos?
-
é a minha especialidade!
-
aceita fazer um trabalho a prova?
-
com certeza. É só vestir uma roupa de trabalho e cá estou para o
que vier.
-
Então tome este bocado de madeira e tire-me daí um Santo António.
Tem aí um banco e ferramenta para trabalhar.
Passadas
duas horas o ínclito artista tinha à sua volta um monte de aparas e
serradura. Do tronco só restava um pedaço com menos de um palmo.
-
Então, e o Santo António?
-
O senhor disse-me que o tirasse daí, mas ele está escondido. Mas
garanto que não se safa, tanto farei até que o encontre! Tem que
sair!
Outra
história de cariz semelhante é a que aconteceu a um canteiro
quando estava iniciando um trabalho de imaginaria. O desbaste estava
na fase inicial, e um curioso perguntou: mestre, o que vai sair
deste bloco, depois de aplicar a sua arte?
Pois
a verdade é que ainda não estou decidido. Se vier com barbas será
Santo Antão, e se não, a Puríssima Conceição.
Eu
não direi que estou na mesma do santeiro escultor, mas a falta de
melhor orientação aplicarei a sentença de que até o lavar dos
cestos é vindima e assim
dou-me uma margem de manobra para ir alterando a orientação do
trabalho consoante a madeira reagir e as ferramentas obedecerem à
mente pretensamente criativa. O que posso garantir é que, seja o que
for, não terá um acabamento a folha de ouro, nem sequer de
purpurina pretensiosa.
Sem comentários:
Enviar um comentário