domingo, 7 de maio de 2017

SOMOS SEMELHANTES



Antes que se façam as contagens, e escrevo quando já estão activas as assembleias de voto francesas, aproveitei o período de vigília pré-matutino para tentar colocar em ordem as impressões que, ao longo de semanas, e especialmente depois da primeira volta, fui ouvindo e lendo. Arquivei mentalmente, sem tomar notas escritas, e tentei fazer extrapolações com a nossa sociedade.

É evidente que existem facetas próprias nas que diferimos com maior ou menor distância. Isso não impede que se sinta uma notável distância social entre os citadinos e os residentes nos meios rurais. O distanciamento social entre estes dois grandes grupos sociais não fica restrito às capitais nacionais, mas também se foi instalando nas cidades de província, onde na maioria delas se verificou um crescimento demográfico inusitado. Consequência da sedução das urbes, por nelas existirem possibilidades de trabalho ou negócio, principalmente no sector terciário, que deixaram de ser interessantes nos pequenos núcleos urbanos.

São elucidativos e merecedores de reflexão, os mapas onde se apresentam a distribuição dos votos, não só pelos partidos que escolhem mas, também e com uma importância a não descurar, os quadros que mostram estas escolhas agrupando os votantes em faixas etárias, nível de estudos alcançado ou, com a ligação evidente, com as remunerações conseguidas.

São todos estes elementos estatísticos, complementares às estatísticas gerais sobre a população, que fornecem dados muito importantes para entender as razões que separam as crenças, preferências e comportamento entre citadinos e provincianos. Dois sectores francamente em posições diametralmente opostas. Parece que não andam no mesmo mundo.

Lá, como cá, o comportamento das pessoas ligadas ao campo, é notoriamente menos actualizado para a época em que nos encontramos. Numa visão simplista podemos considerar que é menos racional. Afirmação errada, ou defeituosa por não sentir as justificações próprias que os comandam.

Numa tentativa de simplificar pode-se abordar esta disparidade social com a distância que existe entre proprietários e assalariados, ou a velha classificação de uns estarem no sector primário e os outros no terciário. Cada um destes sectores abrange estatutos diferentes, mas o que os une é que uns consomem, na mesa de refeição, produtos que vieram do outro sector, incluídos aqueles que sofreram processos industrias antes de chegar ao consumidor final.

A luta histórica entre os latifundiários e os mini-proprietários foi-se esbatendo quando por um lado se iniciou o êxodo dos familiares que excediam a capacidade de subsistir “condignamente” nas pequenas parcelas de terreno de que dispunham, pressionados pelo nível de ilustração que as novas gerações foram conseguindo. E também porque algumas grandes propriedades foram sendo retalhadas por motivações diversas. Mas existem pontos, importantes, em que grandes e pequenos estão sintonizados.

A xenofobia que é explorada pelos representantes da direita mais extrema tem como base fundamental, nunca referenciada, a atávica noção de que só querem ter accesso a uma bolsa de mão de obra quando seja estritamente imprescindível. No seu foro íntimo continuam a ver estas pessoas como ganhões, servos sem ligação certa e sempre afastados do seu núcleo familiar.

Podem aceitar forasteiros, residentes, quando estes se encarregam de tarefas manuais que deixaram de ser interessantes para os naturais. Estes, enquanto cumprirem o seu trabalho de modo satisfatório para quem lhes paga, podem ir ganhando o estatuto de assimilados. Mas, os da velha guarda, os proprietários “de toda a vida” continuam a ser muito ciosos da sua importância. Daí que sempre votam para os conservadores, e, como sucederá hoje e se verificou na primeira volta, desejarão colocar no topo da hierarquia aquele que lhes prometa, ou insinue, que não acolherá forasteiros “ás nossas custas”, e que expulsará os faltosos, sem delongas.

Os citadinos, habituados a conviver, nem que seja só visualmente e nas ruas, com gentes originárias de todo o globo, ou quase, aceitam a presença de estranhos. A sua luta diária está restrita ás capacidades e possibilidades de progredir economicamente e socialmente no meio em que se movem. As suas opções partidárias são mais dispersas, pelo menos quando se lhe apresenta um amplo leque onde poder escolher. Mesmo aqueles que, não sendo anímicamente uns obcecados pelas doutrinas extremistas, concretamente da direita xenófoba e agressiva, podem estar descontentes pela presença de estrangeiros incómodos ou mesmo potencialmente perigosos.

Resumindo: nas zonas eminentemente rurais as doutrinas socialistas tem pouca receptabilidade, excepto quando ali se instalou um núcleo industrial que dé trabalho a um número considerável de cidadãos.


Outro factor de peso que contribui ao conservadorismo provinciano, e no qual propositadamente não vou entrar, é o da religiosidade convicta, ou de hábito, versus a tendência ao ateísmo ou a uma menor dependência das normas da Igreja. Situação que se notou estar em aumento entre a população das cidades. A invasão de muçulmanos pode ocasionar uma modificação desta evolução “libertária”.

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