Antes
que se façam as contagens, e escrevo quando já estão activas as
assembleias de voto francesas, aproveitei o período de vigília
pré-matutino para tentar colocar em ordem as impressões que, ao
longo de semanas, e especialmente depois da primeira volta, fui
ouvindo e lendo. Arquivei mentalmente, sem tomar notas escritas, e
tentei fazer extrapolações com a nossa sociedade.
É
evidente que existem facetas próprias nas que diferimos com maior ou
menor distância. Isso não impede que se sinta uma notável
distância social entre os citadinos e os residentes nos meios
rurais. O distanciamento social entre estes dois grandes grupos
sociais não fica restrito às capitais nacionais, mas também se foi
instalando nas cidades de província, onde na maioria delas se
verificou um crescimento demográfico inusitado. Consequência da
sedução das urbes, por nelas existirem possibilidades de trabalho
ou negócio, principalmente no sector terciário, que deixaram de ser
interessantes nos pequenos núcleos urbanos.
São
elucidativos e merecedores de reflexão, os mapas onde se apresentam
a distribuição dos votos, não só pelos partidos que escolhem mas,
também e com uma importância a não descurar, os quadros que
mostram estas escolhas agrupando os votantes em faixas etárias,
nível de estudos alcançado ou, com a ligação evidente, com as
remunerações conseguidas.
São
todos estes elementos estatísticos, complementares às estatísticas
gerais sobre a população, que fornecem dados muito importantes para
entender as razões que separam as crenças, preferências e
comportamento entre citadinos e provincianos. Dois sectores
francamente em posições diametralmente opostas. Parece que não
andam no mesmo mundo.
Lá,
como cá, o comportamento das pessoas ligadas ao campo, é
notoriamente menos actualizado para a época em que nos encontramos.
Numa visão simplista podemos considerar que é menos racional.
Afirmação errada, ou defeituosa por não sentir as justificações
próprias que os comandam.
Numa
tentativa de simplificar pode-se abordar esta disparidade social com
a distância que existe entre proprietários e assalariados,
ou a velha classificação de uns
estarem no sector primário e os outros no terciário. Cada um
destes sectores abrange estatutos diferentes, mas o que os une é que
uns consomem, na mesa de refeição, produtos que vieram do outro
sector, incluídos aqueles que sofreram processos industrias antes de
chegar ao consumidor final.
A
luta histórica entre os latifundiários e os mini-proprietários
foi-se esbatendo quando por um lado se iniciou o êxodo dos
familiares que excediam a capacidade de subsistir “condignamente”
nas pequenas parcelas de terreno de que dispunham, pressionados pelo
nível de ilustração que as novas gerações foram conseguindo. E
também porque algumas grandes propriedades foram sendo retalhadas
por motivações diversas. Mas existem pontos, importantes, em que
grandes e pequenos estão sintonizados.
A
xenofobia que é explorada pelos representantes da direita
mais extrema tem como base fundamental, nunca referenciada, a atávica
noção de que só querem ter accesso a uma bolsa de mão de obra
quando seja estritamente imprescindível. No seu foro íntimo
continuam a ver estas pessoas como ganhões,
servos sem ligação certa e sempre afastados do seu núcleo
familiar.
Podem
aceitar forasteiros, residentes, quando estes se encarregam de
tarefas manuais que deixaram de ser interessantes para os naturais.
Estes, enquanto cumprirem o seu trabalho de modo satisfatório para
quem lhes paga, podem ir ganhando o estatuto de assimilados. Mas, os
da velha guarda, os proprietários “de toda a vida” continuam a
ser muito ciosos da sua
importância. Daí que sempre votam para os conservadores, e,
como sucederá hoje e se verificou na primeira volta, desejarão
colocar no topo da hierarquia aquele que lhes prometa, ou insinue,
que não acolherá forasteiros “ás nossas custas”, e que
expulsará os faltosos, sem delongas.
Os
citadinos, habituados a conviver, nem que seja só visualmente e nas
ruas, com gentes originárias de todo o globo, ou quase, aceitam a
presença de estranhos. A sua luta diária está restrita ás
capacidades e possibilidades de progredir economicamente e
socialmente no meio em que se movem. As suas opções partidárias
são mais dispersas, pelo menos quando se lhe apresenta um amplo
leque onde poder escolher. Mesmo aqueles que, não sendo anímicamente
uns obcecados pelas doutrinas extremistas, concretamente da direita
xenófoba e agressiva, podem estar descontentes pela presença de
estrangeiros incómodos ou mesmo potencialmente perigosos.
Resumindo:
nas zonas eminentemente rurais as doutrinas socialistas tem pouca
receptabilidade, excepto quando ali se instalou um núcleo
industrial que dé trabalho a um número considerável de cidadãos.
Outro
factor de peso que contribui ao conservadorismo provinciano, e no
qual propositadamente não vou entrar, é o da religiosidade
convicta, ou de hábito, versus a tendência ao ateísmo ou a uma
menor dependência das normas da Igreja. Situação que se notou
estar em aumento entre a população das cidades. A invasão de
muçulmanos pode ocasionar uma modificação desta evolução
“libertária”.
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