Os
humanos necessitam o medo mais do que de pão
O
ambiente “tecnológico” e em acelerada inovação está
eliminando muitos credos e crendices que, queiramos ou não, eram a
base da estabilidade social. Que não da igualdade, muito pelo
contrário.
Para
as mentes mais conservadoras certamente que estamos num estagio de
positivismo como nunca se instalou na humanidade. Como por estarmos espantados e satisfeitos por nos encontrar nesta gema do ovo que, para nós, tem
sido o Mundo Ocidental, “farol indiscutível” da humanidade
(branca!) todo este derrubar da estabilidade social, baseada em
existirem poucos ricos e poderosos e muitíssimos pobres desgraçados,
teve o seu início da corrida quando se divulgou o enciclopedismo
após a Revolução Francesa inicialmente entre os educados, mas que foi ultrapassando barreiras até chegar "às massas" de pobres-desgraçados. Foi o fermento para
que levedasse o sentimento de revolta entre o povo “sereno”.
Os
“sans culottes”(1) foram rapidamente esclarecidos, por beneméritos e desinteressados (?) acerca de como
a Igreja, com a sua doutrina de submissão e resignação colaborava
na manipulação do povo. Mais adiante, anarquistas e comunistas tentaram induzir, mesmo que à força, que a religião era o ópio do povo. Uma noção que não
conseguiu catequizar toda a população, mas que não caiu em saco roto e daí ficasse abandonada, nomeadamente por aqueles que se sentem atraídos pela tal
“esquerdalha”.
Inesperadamente
foi o avanço, súbito e imparável, da informática e das novas
tecnologias que, entre outras consequências, alteraram o equilíbrio
mental e social no mundo. É um facto, não comprovado
pelos métodos científicos, mas sentido por observação directa,
que cada dia são menos as pessoas que seguem os preceitos de uma
religião com convicção. Ou pior, que os que continuam fieis o
fazem por hábito ou por indução familiar. A situação actual torna-se evidente quando se conhece a reduzida vocação dos nossos
parceiros para o sacerdócio, assim como para a entrada em conventos.
Se
tentarmos encontrar uma explicação para esta rejeição da
espiritualidade não nos podemos satisfazer com a simplicidade de
que é a expansão do saber, do conhecimento e das novas dimensões
que a informática nos proporciona, sejam a causa indiscutível da
adesão à incredulidade, à descrença militante. Tem que existir
uma relação de causa-efeito muito mais profunda do que o simples
ateísmo.
A
explicação mais imediata tem que estar no nosso comportamento
instintivo, correspondente aos primórdios da humanidade. E devemos
sentir, como evidente e indiscutível, que o medo ao desconhecido,
aos fenómenos naturais, e a consequente tentativa de lhes encontrar
uma explicação, plausível com os conhecimentos que se foram
acumulando em cada estágio da humanidade, abriram a porta a toda a
série de profetas, adivinhos, bruxos, feiticeiros, videntes,
curandeiros, xamãs e sacerdotes.
Toda
esta plêiade de indivíduos que surgiram por “necessidade”
mental de quem os rodeava, sempre foram personagens influentes, de
poder e respeito. Instalaram-se e se mantiveram numa situação preferencial e
exigente, graças ao medo que impunham, referindo os seus falsos "poderes ocultos". Sem me alongar demasiado, o respeito e temor que
transmitiam era preparado com cerimónias, vestimentas estranhas,
gesticulação e linguagem hermética, incompreensível para os não iniciados. Toda uma panóplia teatral com a qual compunham cerimonias complexas, e com isso,
fundamentalmente, impunham medo.
Quando
a evolução da estratégia para captação e manutenção de fieis
chegava a um nível mais condescendente com a realidade, além do
medo se estabelecia uma possibilidade de prémio ou recompensa para aqueles
que seguiam, fielmente, os preceitos que lhes eram indicados. Ou
seja, passou a oferecer uma compensação ao medo, base de
todas as religiões. O medo é que guarda a vinha.
Daí
os Céus e os Infernos. Uma dualidade que não podia permanecer se
mancasse num dos seus pilares. Foi o que aconteceu, e se incrementa
constantemente, quando o pretenso destino depois da inevitável
morte, através da nunca confirmada existência de uma alma
espiritual, ficasse restrita ao prémio para os bem comportados e a
vagar pela escuridão dos tempos para os pecadores, sem fogo eterno nem panelões mais torturas medievais Poucos devem ser
os que, hoje (e menos serão amanhã, como na medalha do amor)
aceitem
partilhar o primeiro prémio com tantos corredores.
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o Inferno foi um erro de estratégia!
(1)literalmente
“sem ceroulas”, ou seja, os quase nus, os pobres de baixo. No
século XX, os peronistas da Argentina modernizaram o conceito
apelidando os seus apoiantes como sendo los descamisados,
como não tendo camisa por ser roupa de ricos.
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