terça-feira, 24 de março de 2020

VIVÊNCIAS – Nunca passamos por isto




O VÍRUS QUE NOS RECLUI

Não tenho referências, próprias nem através de testemunhas e relatos, de que uma ordem de recolher nas suas residências, por um período indeterminado, e em tempo de paz, fosse seguido com tanta aceitação e obediência pela maior parte da população, ou quase a totalidade. Causa admiração ou mesmo pasmo, tanta obediência.

Confesso que, como possivelmente acontece com muitas outras pessoas, estava convencido de que a fama de que os latinos, e até os tais lusitanos incapazes de se governar ou ser governados, eram pouco obedientes, desrespeitadores e rebeldes se as circunstâncias lhes fossem favoráveis, conduziriam a que uma parte notável da população não obedecesse as regras. Pelo menos enquanto não lhes fossem aplicadas penalidades. Aceito, porém, que estes desvios devem-se tão só por birra, por vontade de faltar, de provocar, sem que desejem derrubar o estatuto ou não julguem, serem válidas e correctas as normas apresentadas.

A situação de perigo que conduziu às normas inusuais justificam-se plenamente pelo facto de se estar perante um inimigo invisível e inaudível. Muito diferente seria o comportamento da população caso tivéssemos que enfrentar uma guerra com bombardeamentos, tiros, prisioneiros sem garantia de regresso, fuzilamentos, casas destruídas, vias de comunicação e transporte inoperacionais. O sermos afectados por vírus é algo normal, usual e perigoso. O que torna anormal este surto foi a rapidez e extensão global com que se instalou em pouco tempo. Isso é o que nunca tinha sucedido até hoje. 

Além disso, se pretendermos encontrar uma similitude a uma guerra mundial nos deparamos com uma diferença inusitada. É um ataque biológico extensivo!. Desta vez somos obrigados a recear os efeitos catastróficos restritos às pessoas e não a bens, com a agravante de se prever que venha a ter como consequência acrescentada uma crise económica e social de magnitude temível.

É imperioso que se respeite, tema e se ponham todos os meios científicos e sanitários para controlar e eliminar este inimigo invisível, mas muito perigoso. E durante uns tempos que se prevêem poder ser difíceis.

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Por razões de logística tive que sair “a campo descoberto”, ou seja para a rua, em duas ocasiões. Sempre com destino certo e com percursos definidos. Practicamente cruzei-me com poucas pessoas, uma de cada vez, máximo duas ou uma com cão (1). E nenhuma autoridade apareceu para nos inquirir acerca do motivo, ou desculpa por assim dizer, que nos levou a desobedecer o “recolher obrigatório” que nos foi imposto, ou requerido. Foi com satisfação e até muita estranheza, pelo raro, que poucas viaturas passaram por as vias normalmente concorridas.

A memória individual sabemos que é curta no tempo e também falsa no distorcer da realidade. Por isso o conhecimento que temos sobre as grandes epidemias, mesmo as mais recentes como foram a gripe espanhola, a tuberculose, as sezões, o tifo, a poliomelite ou a AIDS, sem referir outras mais anteriores como foram a peste bubônica, a peste negra, a febre amarela, o cólera e outras, que dizimaram populações. Mas de muitas só restam as memórias escritas.

Falta ver o que acontecerá no futuro imediato. Não se prevê um fim súbito desta ameaça. Antes pelo contrário. Admite-se que teremos, pelo menos, mais umas longas semanas de risco e recolhimento. Os alimentos necessários e as possibilidades de pagamento estarão disponíveis para toda a população?

(1) como pilheria li que alguém ansioso de sair para ar livre, e temeroso de ser punido pediu o cão do vizinho emprestado para o levar a passear, mais propriamente fazer as suas necessidades biológicas. Terá apanhado os cócós?

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