O
VÍRUS QUE NOS RECLUI
Não
tenho referências, próprias nem através de testemunhas e relatos,
de que uma ordem de recolher nas suas residências, por um período
indeterminado, e em tempo de paz, fosse seguido com tanta aceitação
e obediência pela maior parte da população, ou quase a totalidade.
Causa admiração ou mesmo pasmo, tanta obediência.
Confesso
que, como possivelmente acontece com muitas outras pessoas, estava
convencido de que a fama de que os latinos, e até os tais lusitanos
incapazes de se governar ou ser governados, eram pouco obedientes,
desrespeitadores e rebeldes se as circunstâncias lhes fossem
favoráveis, conduziriam a que uma parte notável da população não
obedecesse as regras. Pelo menos enquanto não lhes fossem aplicadas
penalidades. Aceito, porém, que estes desvios devem-se tão só por
birra, por vontade de faltar, de provocar, sem que desejem derrubar o
estatuto ou não julguem, serem válidas e correctas as normas
apresentadas.
A
situação de perigo que conduziu às normas inusuais justificam-se
plenamente pelo facto de se estar perante um inimigo invisível e
inaudível. Muito diferente seria o comportamento da população caso
tivéssemos que enfrentar uma guerra com bombardeamentos, tiros,
prisioneiros sem garantia de regresso, fuzilamentos, casas
destruídas, vias de comunicação e transporte inoperacionais. O sermos afectados por vírus é algo normal, usual e perigoso. O que torna anormal este surto foi a rapidez e extensão global com que se instalou em pouco tempo. Isso é o que nunca tinha sucedido até hoje.
Além disso, se pretendermos encontrar uma similitude a uma guerra mundial nos deparamos com uma diferença inusitada. É um ataque biológico extensivo!. Desta
vez somos obrigados a recear os efeitos catastróficos restritos às
pessoas e não a bens, com a agravante de se prever que venha a ter como consequência acrescentada uma crise económica e social de
magnitude temível.
É imperioso que se respeite, tema e se ponham todos os meios científicos e sanitários para controlar e eliminar este inimigo invisível, mas muito perigoso. E
durante uns tempos que se prevêem poder ser difíceis.
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Por
razões de logística tive que sair “a campo descoberto”, ou seja
para a rua, em duas ocasiões. Sempre com destino certo e com
percursos definidos. Practicamente cruzei-me com poucas pessoas, uma
de cada vez, máximo duas ou uma com cão (1). E nenhuma autoridade
apareceu para nos inquirir acerca do motivo, ou desculpa por assim
dizer, que nos levou a desobedecer o “recolher obrigatório” que
nos foi imposto, ou requerido. Foi com satisfação e até muita
estranheza, pelo raro, que poucas viaturas passaram por as vias
normalmente concorridas.
A
memória individual sabemos que é curta no tempo e também falsa no
distorcer da realidade. Por isso o conhecimento que temos sobre as
grandes epidemias, mesmo as mais recentes como foram a gripe
espanhola, a tuberculose, as sezões, o tifo, a poliomelite ou a
AIDS, sem referir outras mais anteriores como foram a peste bubônica,
a peste negra, a febre amarela, o cólera e outras, que dizimaram
populações. Mas de muitas só restam as memórias escritas.
Falta
ver o que acontecerá no futuro imediato. Não se prevê um fim
súbito desta ameaça. Antes pelo contrário. Admite-se que teremos,
pelo menos, mais umas longas semanas de risco e recolhimento. Os
alimentos necessários e as possibilidades de pagamento estarão
disponíveis para toda a população?
(1) como pilheria li que alguém ansioso de sair para ar livre, e temeroso de ser punido pediu o cão do vizinho emprestado para o levar a passear, mais propriamente fazer as suas necessidades biológicas. Terá apanhado os cócós?
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