O
PECADO ORIGINAL
Fiz
a primária num colégio anexo a um convento de freira de São
Vicente de Paul -que eu
confundia com o Perrault dos contos para infantes- e as
aulas eram dadas por freiras fardadas “à maneira”, com aquelas
toucas com asas que mais pareciam gaivotas a voar. E dada a época em
que isto decorria, mal terminada a guerra civil, e com a pressão da
dupla fascismo-catolicismo, as opções de que as pessoas não
adictas ao regime e com vocação para conseguir ser deixadas
sossegadas eram poucas. Como
eles dizem: a la fuerza ahorcan.
Daí
que, neste colégio, que era de uma ordem menos rígida do que outras
que se dedicavam ao mesmo mister, rezava-se -ou
papagueava-se- antes de começar a aula. Cada um em pé ao
lado da sua carteira-banco. Aos sábados só nos aturavam até a hora
do almoço. Ao longo deste tempo nos elucidavam acerca do catecismo e
uma versão seleccionada do Antigo Testamento -ler
a Bíblia completa, incluído o Antigo Testamento, continuava
interdito, excepto as histórias da arca de Noé; do sacrifício de
Abraão, outras pelo estilo- Mesmo
esta norma de comportamento sabatino tinha uma escapatória “legal”.
O
catecismo era dado, sentados em cadeirinhas, no vestuário, sito na
antecâmara da sala de aula. Ali havia um armário onde se guardavam
os utensílios da fuga! Recordo que havia um balde de folha, um saco
com serradura, vassouras, um rodo e o
melhor e mais procurado umas
bolas de cera, feitas com as lágrimas das velas e círios da
capela, -com as
quais se deviam encerar os tampos das carteiras-
e uns bocados de baeta que serviam para dar lustre ao tais tampos.
Estes equipamentos só davam para quatro ou cinco avessos contumazes
aos ensinamentos do catecismo, e por isso nas manhãs de sábado se
verificavam umas correrias para conseguir uma vaga na equipa das
limpezas! Tudo menos ouvir a catequese!
A
sessão iniciava-se enchendo o balde com serradura, quase até o
topo, e depois ir à torneira para a molhar. Depois de bem amassada
entrava-se na aula e espalhava-se a serradura num dos topos da sala
de aula, justamente aquele onde estava a porta para o vestiário. As
forças dividiam-se em duas tarefas: uns arredavam os blocos de
carteira-banco, e espalhavam serradura molhada naquela área livre, e
os outros varriam esta mixórdia para a frente. Tornar a situar a
mobília onde já estava varrido e recomeçar. Até chegar ao topo
oposto, onde havia uma porta de cada lado. Uma delas dava para a sala
das meninas e a outra para outra sala de rapazes. Esta era a meta
desejada! O jogo incluía enviar a serradura já preta por debaixo da
porta dos outros, e vice-versa. Uma espécie de ténis rasteiro e sem
bola, mas com pancadas na porta e gritaria desportiva. Só parava
quando a freira vinha impor ordem.
Nesta
altura passava-se à fase de encerar as carteira. Uns tinham as bolas
de cera, com as quais riscavam o tampo, fazendo bonecos e escrevendo
asneiras. Os outros vinham a seguir, armados com os panos de baeta e
esfregando davam lustre. Um par de horas bem passadas.
Mas
ainda tínhamos tempo de arrumar as “ferramentas “ no armário e
rezar o terço, no qual nunca consegui coordenar as ladainhas, que
sendo repetitivas mudam de repente. Fui sempre apanhado em falso!
Como é que os outros sabiam da mudança na cantilena? Mistério!
No
próxima capítulo especificarei o que anunciava no cabeçalho, e que
versará sobre
o terrível pecado original!
FICA
PROMETIDO! Palavra de escuteiro-mirim. Ou na linguagem de Castela nas
crianças: Palabrita del Niño Jesús.
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