domingo, 9 de setembro de 2018

MEDITAÇÕES satânicas


OS DIABOS

Desconheço quando foi que se começou a representar os diabos como trazendo um par de cornos na testa. Mas deve ter sido logo no início da comunicação extensiva entre grupos de humanos, e já depois do culto aos fenómenos da natureza,ao receio da morte e todo o cenário de receios que se foram acumulando na mente das pessoas. Do não entender o que acontecia a imaginar que tudo era devido à acção de espíritos malignos, ou benignos, os mitos que se geraram foram a base da gestão de muitas religiões, credose crendices.

O que me causa não extranheza nem admiração, mas pelo menos um certo desconforto, é o facto de verificar que mesmo pessoas cultas, e inclusive que se consideram ateus ou impermeáveis a mitos de índole religioso, caem, seja conscientemente ou não, em reacções de inibição que se podem qualificar, pelo menos, como do campo do esoterismo. Dito de outra forma,o instinto reage, em quase todos os humanos, obedecendo a preceitos inculcados, herdados de muitas gerações anteriores, mesmo aqueles se tentão mostrar-se isentos, descomprometidos, que escapam das pressões históricas, e até afirmem que sentem, convictamente que, de facto, não existem razões plausíveis para seguir presos a preceitos fora do racionalismo, estes dando tantas voltas como um gato que procura ajeitar a sua cama para dormir uma soneca, não conseguem alterar, racionalmente, os seus medos atávicos.

Este arrazoado surge a propósito de que eu, incluído no meu relativamente extenso campo de actividades pseudo-artisticas, fiz algumas talhas de madeira representando, imaginativamente, diabos com cornos. Também moldei caraças “decorativas” seguindo a mesma tónica. Nada original se recordarmos que nos caretos de Trás-os-montes estes diabos chifrudos são a tónica habitual, e que alguns dos artesãos que as talham vendem-nas aos visitantes. Nem sequer conseguem servir a todos os interessados.

O que fazem, este clientes entusiasmados no momento, depois, quando chegam aos seus lares, com as ditas caraças cornúpetas? Será que as colocam expostas numa parede ou as mantêm escondidas, resguardadas dos olhares timoratos? Receosos de que alguém os qualifique de serem adeptos de cultos satânicos?

Da minha parte, e com a colaboração dos meus filhos, que as trazem das suas viagens a países “eróticos” (leiam, exóticos), tenho uma basta colecção destas máscaras, de origens diversas. E algumas arvoram uns chifres bem evidentes, sem que nunca alguém que ao ve-las me tenha manifestado o seu desagrado, uma tenebrosa adversão, com esta presença parietal. As minhas netas, ainda de colo e mal falando, foram treinadas, por mim, com a visão das figuras “repulsivas”.

Se tentarmos ligar esta animosidade “instintiva” aos ensinamentos das religiões, sentimos que será conveniente admitir que para existirem anjos é necessário existir o oposto, ou seja, os diabos. E que tanto uns como outros não passam de figuras de retórica, de pensamentos tão mastigados e repetidos que já não nos devem emocionar. O procurar que só exista o bem é impossível. O bem só se pode avaliar por comparação com o mal. Isto é uma verdade digna do La Palisse, por ser indiscutível. A luminosidade é o posto da oscuridão. E assim sucede com muitos outros conceitos.

Resumindo e concluíndo: Não me parece normal, ou quiçá melhor racional, que adultos já educados se sintam fortemente adversos a terem, em suas casas, peças “artísticas” que tentem representar as imagens latentes, não confrontadas com a realidade, de pretensas entidades que se insinua correspondem ao mal. Sei que reagem assim, mas não me parece digno de quem for ilustrado.

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