OS DIABOS
Desconheço quando foi
que se começou a representar os diabos como trazendo um par de
cornos na testa. Mas deve ter sido logo no início da comunicação
extensiva entre grupos de humanos, e já depois do culto aos
fenómenos da natureza,ao receio da morte e todo o cenário de
receios que se foram acumulando na mente das pessoas. Do não
entender o que acontecia a imaginar que tudo era devido à acção de
espíritos malignos, ou benignos, os mitos que se geraram foram a
base da gestão de muitas religiões, credose crendices.
O que me causa não
extranheza nem admiração, mas pelo menos um certo desconforto, é o
facto de verificar que mesmo pessoas cultas, e inclusive que se
consideram ateus ou impermeáveis a mitos de índole religioso, caem,
seja conscientemente ou não, em reacções de inibição que se
podem qualificar, pelo menos, como do campo do esoterismo. Dito de
outra forma,o instinto reage, em quase todos os humanos, obedecendo a
preceitos inculcados, herdados de muitas gerações anteriores, mesmo
aqueles se tentão mostrar-se isentos, descomprometidos, que escapam
das pressões históricas, e até afirmem que sentem, convictamente
que, de facto, não existem razões plausíveis para seguir presos a
preceitos fora do racionalismo, estes dando tantas voltas como um
gato que procura ajeitar a sua cama para dormir uma soneca, não
conseguem alterar, racionalmente, os seus medos atávicos.
Este arrazoado surge a
propósito de que eu, incluído no meu relativamente extenso campo de
actividades pseudo-artisticas, fiz algumas talhas de madeira
representando, imaginativamente, diabos com cornos. Também moldei
caraças “decorativas” seguindo a mesma tónica. Nada original se
recordarmos que nos caretos de Trás-os-montes estes diabos chifrudos
são a tónica habitual, e que alguns dos artesãos que as talham
vendem-nas aos visitantes. Nem sequer conseguem servir a todos os
interessados.
O que fazem, este
clientes entusiasmados no momento, depois, quando chegam aos seus
lares, com as ditas caraças cornúpetas? Será que as colocam
expostas numa parede ou as mantêm escondidas, resguardadas dos
olhares timoratos? Receosos de que alguém os qualifique de serem
adeptos de cultos satânicos?
Da minha parte, e com a
colaboração dos meus filhos, que as trazem das suas viagens a
países “eróticos” (leiam, exóticos), tenho uma basta colecção
destas máscaras, de origens diversas. E algumas arvoram uns chifres
bem evidentes, sem que nunca alguém que ao ve-las me tenha
manifestado o seu desagrado, uma tenebrosa adversão, com esta
presença parietal. As minhas netas, ainda de colo e mal falando,
foram treinadas, por mim, com a visão das figuras “repulsivas”.
Se tentarmos ligar esta
animosidade “instintiva” aos ensinamentos das religiões,
sentimos que será conveniente admitir que para existirem anjos é
necessário existir o oposto, ou seja, os diabos. E que tanto uns
como outros não passam de figuras de retórica, de pensamentos tão
mastigados e repetidos que já não nos devem emocionar. O procurar
que só exista o bem é impossível. O bem só se pode avaliar por
comparação com o mal. Isto é uma verdade digna do La Palisse, por
ser indiscutível. A luminosidade é o posto da oscuridão. E assim
sucede com muitos outros conceitos.
Resumindo e concluíndo:
Não me parece normal, ou quiçá melhor racional, que adultos já
educados se sintam fortemente adversos a terem, em suas casas, peças
“artísticas” que tentem representar as imagens latentes, não
confrontadas com a realidade, de pretensas entidades que se insinua
correspondem ao mal. Sei que reagem assim, mas não me parece digno
de quem for ilustrado.
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