terça-feira, 25 de setembro de 2018

MEDITAÇÕES .- 18


Caí da cama
MAS NÃO PERDI O FIO DO SONHO

Estava imerso num sonho que misturava recordações com a colheta do dia e, repentinamente, lembro que devido a uma brusquidão no eléctrico em que viajava, dei de caras no chão. O chão era, precisamente, o espaço que exsite entre “o meu lado no tálamo conjugal” e a parede (não aquela Parede que linda com o empreendimento urbanístico de Carcavelos e que “servirá de apoio” residencial aos docentes e discentes, e até pode ser que de alguns membros da equipa técnica, que estiverem igados à Universidade da Linha, em estado muito adiantado de instalação).

Ao que íamos: Estava eu viajando no eléctrico da Carris e comigo se encontrava, o já defunto estimado colega E.Q. Também recordo outro passajeiro que nos interpelou apontando um letreiro que recomendava que não deixassem o lugar sentado e fossem para a coxia antes do veículo estar parado. Devem ter copiado este aviso das lenga-lengas habituais dos tripulantes dos aviões comerciais. Este cidadão, exemplar, era um rapazinho, bastante encorpado, digamos redondinho, que aparecia em diversas cenas deste sonho, mas que não sei qual era o seu papel nem quem o tinha contratado.

Aquilo que me incitou (segundo creio) a que recordasse diferentes “quadros” deste sonho deve ter sido o lembrar, com saudade, (o que nem sempre acontece) o convívio com E.Q., enquanto e depois do periodo académico. A sua imagem, que permaneceu até hoje, era muito diferente da que a restante equipa de colegas deixava. Uma equipa em mutação periódica, na que entravam novas caras e desapareciam outras.

E.Q. Tinha em si características incomuns naquele grupo. Para já era mais velho, muito mais experiente na vida real, no mundo do trabalho remunerado, uma altura que destacava e a capacidade de esconder um espírito alegre e jocoso atrás de uma cara-de-pau. Não sei explicar as razões que me levaram a pender para ser seu amigo, e até sentir alguma reciprocidade. Ou, sendo mais correcto, não quero deixar aqui alguns detalhes que podem justificar esta aproximação. Deixarei como factor importante que era a sua personalidade, fora das regras existentes naquele grupo, que a meu entender o elevava.

Como certamente acontece com todos os humanos, e humanas (caso existisse esta denominação para as nossas queridas companheiras do planeta) tampouco E.Q., escapou incólume das múltiplas ratoeiras que a vida nos apresenta. Teve os seus momentos, bons, maus e assim-assim. Eram dele, e de quem conviveu com ele nas ocasiões concretas. O facto de conhecer alguns items da sua vida pessoal só me pode orgulhar pela sua confiança, mas não me autoriza a os tornar públicos.

Só um breve recordatório, de uma das últimas conversas que mantivemos. Ao comentar que estava mais do que reformado, dada a idade que devia constar no seu B.I., ou agora do C.C., perguntei-lhe como distribuia o seu tempo e afezeres, caso os tivesse, nesta fase de não trabalhar. Respondeu-me que eu estava, mais uma vez, errado. Ele tinha emprego. Depois de acordar, arranjar-se, incluído o calçado, dirigia-se directamente para o seu local de trabalho. Onde? Perguntei. No centro de idosos da freguesia. Ali convivo com os que ainda falam e dizem coisas coerentes, leio o jornal, almoço e, se encontrar um parceiro idóneo, fazer umas partidas de damas, xadrez ou de cartas, sem dinheiro nem feijões. Era este o seu emprego depois de fora de serviço.

Como as composições de comboio vergonhosamente arrumadas nas linhas mortas entre Oeiras e Carcavelos, aguardando o serem enviadas para a sucata.


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