domingo, 2 de setembro de 2018

CRÓNICAS DO VALE - cap. 61



Desliguei e arejei

Estive na zona de Ermesinde, Maia, Trofa, Famalicão, até Braga, Guimarães, Fafe e Felgueiras.umas vezes na companhia do Nelson Sousa e noutras com outros contactos que trago sempre disponíveis, seja em acção ou na reserva. Sucede que com os últimos acontecimentos no Vale descuidei bastante os meus negócios, tanto imobiliários como de “prestação de serviços” ou intermediário se preferirem. E o clima tem subido de interesse. Não sei bem se o pessoal acredita que este esquema de governo em que estamos é, de facto, favorável ou se espera que a UE abra mais os bolsos, para nos manter quietos e evitar que uma nova quebra da nossa periclitante economia levasse, como numa montagem com peças de dominó, a que o pânico se espalhasse, não só pelos países da orla mediterrânea como inclusive pela França, e pior se a Alemanha cedesse.

O que me pareceu é que existe uma febre para entrarem na especulação imobiliária, e compra de unidades industriais, mesmo de pequena dimensão. Eu já apresentei ofertas, em nomes falsos ou de familiares, para algumas propriedades e empresas, em especial se são minhas ou se nelas tenho uma participação avultada, sempre no intuito de as fazer subir na cotação. Sei que há mais malandros jogando o mesmo jogo, mas alguns podem ter pressa ou não terem uma base de capital que lhes permita jogar forte. O meu esquema é o de só entrar “a matar” quando consiga tirar os fantasmas do tabuleiro. Ou seja, que só me interessa dialogar com o cliente final, especialmente se for chinés ou de uma filial oriental do governo sino-comunista, que gosta de invadir a economia ocidental e a nossa em concreto. Mostramos que temos tanta falta de dinheiro fesco que não só venderiamos a mulher e os filhos -as filhas de preferência deles- mas também os sogros, e outro qualquer familiar que estivesse em nível de ser cotizado. Em caso premente até dávamos o olho do cú como prenda, pois que os anéis e os dedos já foram.

Entretanto a Isabel tem-se mantido à frente dos seus negócios e tomando conta dos assuntos da propriedade de Vale do Pito. com mão mais férrea do que a minha, segundo pude apreciar. As mulheres, como sabemos, tanto podem ser mel e beijinhos a granel -ao jeito do Presidente- como podem ser mais azedas do que o vinagre ou as reinetas quando verdes, enquando dão a cara como sendo uma paz de alma.

Só nos temos visto às fugidas, e nem todos os fins de semana estão livres totalmente, pois certos contactos e negócios carecem de ser pactuados num ambiente de aparente descontracção, fingida de parte a parte. Mas a Isabel e eu já somos crescidinhos e entendemos que uma vez que se abriu a época da caça, por assim dizer, não convêm que deixemos as armas enferrujar. Tal como se diz noblésse oblige, ou na nossa língua Em tempo de guerra não se limpam armas.

Curiosamente o ambiente no Vale está tão mole, pacífico, digamos que adormecido como quando vivia a falecida Constança e os filhos eram crianças. Até desconfiamos de tanta bonança. Não temos tido contactos com ninguêm, nem com o Presidente da Junta e os guardas das rondas mal se deixam ver. Se não fosse que sabemos, e não esquecemos, o que nos caiu em cima semanas atrás podiamos pensar que tudo aquilo não passou de um pesadelo. É para desconfiar de tanta paz e sossego, ou se pode recordar o aviso Quando a esmola é muita o pobre desconfia.

Parece que adivinhava o mau tempo. A Luísa acaba de telefonar dizendo que chegou um aviso, entregue por um GNR, em que me convoca para me dirigir, quanto antes, á delegação da Polícia Judiciária em Coimbra, a fim de prestar declarações. Ora toma!

Tenho que ir esta mesma tarde. As coisas amargas o melhor é as engolir depressa, sem apaladar. E que querem desta vez? Será ainda alguma sequela dos assasinatos ou alguma trafulhice mal feita com os negócios? Neste caso tenho tido muito cuidado, pois nada é passado ao papel sem que antes não seja bem estudado e analisado pelos advogados Menezes e Rodrigues, que apesar de amigos não deixam de facturar com força. Se as coisas se puserem feias terei que pedir a comparência destes camaradas. O que vou evitar é o procurar a inspector Cardoso. Se for ele quem me peça declarações, e ouuver outros funcionários presentes, não darei sinais de conhecimento pessoal; mas prefiro que não seja ele quem tiver de enfrentar.

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