Desliguei
e arejei
Estive
na zona de Ermesinde, Maia, Trofa, Famalicão, até Braga,
Guimarães, Fafe e Felgueiras.umas vezes na companhia do Nelson Sousa
e noutras com outros contactos que trago sempre disponíveis, seja em
acção ou na reserva. Sucede que com os últimos acontecimentos no
Vale descuidei bastante os meus negócios, tanto imobiliários como
de “prestação de serviços” ou intermediário se preferirem. E
o clima tem subido de interesse. Não sei bem se o pessoal acredita
que este esquema de governo em que estamos é, de facto, favorável
ou se espera que a UE abra mais os bolsos, para nos manter quietos e
evitar que uma nova quebra da nossa periclitante economia levasse,
como numa montagem com peças de dominó, a que o pânico se
espalhasse, não só pelos países da orla mediterrânea como
inclusive pela França, e pior se a Alemanha cedesse.
O
que me pareceu é que existe uma febre para entrarem na especulação
imobiliária, e compra de unidades industriais, mesmo de pequena
dimensão. Eu já apresentei ofertas, em nomes falsos ou de
familiares, para algumas propriedades e empresas, em especial se são
minhas ou se nelas tenho uma participação avultada, sempre no
intuito de as fazer subir na cotação. Sei que há mais malandros
jogando o mesmo jogo, mas alguns podem ter pressa ou não terem uma
base de capital que lhes permita jogar forte. O meu esquema é o de
só entrar “a matar” quando consiga tirar os fantasmas do
tabuleiro. Ou seja, que só me interessa dialogar com o cliente
final, especialmente se for chinés ou de uma filial oriental do
governo sino-comunista, que gosta de invadir a economia ocidental e a
nossa em concreto. Mostramos que temos tanta falta de dinheiro fesco
que não só venderiamos a mulher e os filhos -as filhas de
preferência deles- mas também os sogros, e outro qualquer
familiar que estivesse em nível de ser cotizado. Em caso premente
até dávamos o olho do cú como prenda, pois que os anéis e os
dedos já foram.
Entretanto
a Isabel tem-se mantido à frente dos seus negócios e tomando conta
dos assuntos da propriedade de Vale do Pito. com mão mais férrea do
que a minha, segundo pude apreciar. As mulheres, como sabemos, tanto
podem ser mel e beijinhos a granel -ao jeito do Presidente-
como podem ser mais azedas do que o vinagre ou as reinetas quando
verdes, enquando dão a cara como sendo uma paz de alma.
Só
nos temos visto às fugidas, e nem todos os fins de semana estão
livres totalmente, pois certos contactos e negócios carecem de ser
pactuados num ambiente de aparente descontracção, fingida de parte
a parte. Mas a Isabel e eu já somos crescidinhos e entendemos que
uma vez que se abriu a época da caça, por assim dizer, não convêm
que deixemos as armas enferrujar. Tal como se diz noblésse
oblige, ou na nossa
língua Em tempo de guerra
não se limpam armas.
Curiosamente
o ambiente no Vale está tão mole, pacífico, digamos que adormecido
como quando vivia a falecida Constança e os filhos eram crianças.
Até desconfiamos de tanta bonança. Não temos tido contactos com
ninguêm, nem com o Presidente da Junta e os guardas das rondas mal
se deixam ver. Se não fosse que sabemos, e não esquecemos, o que
nos caiu em cima semanas atrás podiamos pensar que tudo aquilo não
passou de um pesadelo. É para desconfiar de tanta paz e sossego, ou
se pode recordar o aviso Quando
a esmola é muita o pobre desconfia.
Parece que adivinhava o mau tempo. A
Luísa acaba de telefonar dizendo que chegou um aviso, entregue por
um GNR, em que me convoca para me dirigir, quanto antes, á delegação
da Polícia Judiciária em Coimbra, a fim de prestar declarações.
Ora toma!
Tenho que ir esta mesma tarde. As
coisas amargas o melhor é as engolir depressa, sem apaladar. E que
querem desta vez? Será ainda alguma sequela dos assasinatos ou
alguma trafulhice mal feita com os negócios? Neste caso tenho tido
muito cuidado, pois nada é passado ao papel sem que antes não seja
bem estudado e analisado pelos advogados Menezes e Rodrigues, que
apesar de amigos não deixam de facturar com força. Se as coisas se
puserem feias terei que pedir a comparência destes camaradas. O que
vou evitar é o procurar a inspector Cardoso. Se for ele quem me peça
declarações, e ouuver outros funcionários presentes, não darei
sinais de conhecimento pessoal; mas prefiro que não seja ele quem
tiver de enfrentar.
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