No
sossego da casa
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Boa tarde Dona Idalina Benditos os olhos que a vejam, que por acaso,
entre outros, estão os meus! Então como vão os preparativos para a
ceia? Certamente que já falou directamente com a dona da casa, mas
não sei se lhe referiu que almoçamos na casa da Dona Gertrudes, na
Vila, e nos deixou empanturrados. De maneira que o mais aconselhável
é que seja, de facto, uma ceia leve.
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Boa Tarde. Menino Doutor José. Nesta casa já se sentia falta da sua
boa disposição, das suas brinncadeiras de eternamente jóvem. Desde
criança que sempre ouvi as suas graças, nunca ofensivas, se bem que
algumas as repetia vezes sem conta. Quanto ao jantar, está tudo em
andamento, como combinei com a menina Luísa. Mas tem tempo de
descansarem uns minutos -ji ji ji- e tomarem um banho refrescante,
caso a pressa para cear não seja muita.
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Gosto deste tratamento de menina, faz-me sentir mais nova. Seria
agradável não fosse que tenho uma novidade que nem sequer o meu
marido conhece. A Idalina deve ter conhecido casais em que, depois da
esposa já pensar que o seu periodo de fertilidade tinha terminado,
súbitamente e sem ter tido sinais de alarme, sentiu que estava de
esperanças! Pois parece que é o que me está acontecendo. Já fiz a
prova da farmácia, por três vezes seguidas, e parece que está
confirmado. Uma vergonha! Já com idade de ser avó e poder mimar
netos, vai daí o seu menino José deu-me uma prenda que não entrava
nos nossos projectos.
Tenho
um compromisso marcado em Coimbra e aproveitarei para visitar o
ginecologista, que já me espreitou para dentro demasiadas vezes.
Oxalá seja um falso alarme Rezarei, eu que não sou de crenças e
menos de igrejas, para que aconteça o que já li naquelas revistas
sem préstimo que temos nos salões: que por vezes o teste dá
positivo mas, por outras causas, e não corresponde a uma gravidez.
E
tu, José Maragato, escusas de fazer caretas. Não te espantes nem
tenhas ilusões. O que precisas é de netos, e seria bom que
insinuasses este desejo ao Bruno e à Luísa, pois esta demora que
hoje se tornou habitual em muitos jóvens na sociedade evoluída, já
maduros, conduz a que lhes cheguem as crianças quando já quase não
tem vontade nem tempo de lhes dedicar atenção, e principalmente
brincarem, os carregarem às cavalitas, ensinar-lhes a andar de
biciclete, depois de treinar no triciclo, e colaborarem nas
brincadeiras do faz de conta, que é uma forma de crescerem.
Vamos
ao banho e a Idalina pode dar uma meia hora, comprida, para os nossos
preparativos e descanso, que esta coisa de andar de um lado para
outro com o carro também já cansa.
José,
agora sem testemunhas, tenho que te fazer um pedido pessoal. Já te
contei que nunca tive a oportunidade de ter um jardim à minha conta.
Fiquei muito contente com a surpresa que o Ernesto me deu quando
regressamos da nossa adiada viagem de noivos. Não passa dia em que
eu deixe de visitar, e mais do que uma vez, os canteiros e as flores.
É uma alegria ver como surgem os pequenos botões, que engordam até
se abrirem em flores.
Apanhar
uns coentros ou um raminho de salsa para colaborar na cozinha, é uma
emoção que não podes imaginar. E sem falar nas galinhas poedeiras
que a Idalina comprou a uma sua amiga que mora perto de nós. Ah! E
um galote já desafiador, que não gosta que se entre no capoeiro
para recolher os ovos. Os que moram num andar na cidade, ou mesmo na
Vila caso não tenham um quintal anexo, não sabem o que perdem. O
contacto com a natureza é um complemento importante na nossa vida.
E, tal como parece que me acontece, uma das galinhas está no choco.
A Idalina não tem a certeza de se os ovos estão devidamente
galados, ou fertilizados sendo mais cultivado. Mas eu aposto no jovem
galo, pois passa o dia montado nas galinhas.
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Falas tanto que não consigo absorver tudo o que dizes, e mesmo assim
fiquei com a impressão de que guardaste a cereja do discurso para o
fim. Por isso, continuarei calado, à espectativa.
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Zé, es um fulano muito vivido e vês de longe. Mas esta minha
vontade é quase impossível que a tenhas imaginado. Como sabes fui
comprando livrinhos de jardinagem e horta; já tenho uma mini
biblioteca, e todos foram tidos, não como a maior parte dos volumes
que se encontram expostos nas casas particulares. Alguns só tem a
lombada! Pois destes livros e da paixão para as flores surgiu o
interesse em ter uma mini-estufa no jardim. Já pensei onde a
podiamos instalar e pedi folhetos a casas especializadas. Gostaria de
ter orquídeas e cactos que não aguentam o inverno, de saber
orientar as regras e o aquecimento, solar se possível. E esta mania,
loucura se quisermos, ainda custa uns cobres largos. Gostaria de que
autorizasses o meter-me nesta aventura e que fosse eu a financiar. Em
vez de trocar de carro, por capricho, ou actualizar o vestuário como
uma vítima das modas, preferiria avançar neste terreno que
desconheço.
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Muitas novidades num só dia, ou em poucos minutos. Para já esta
surpresa de poder vir a sermos pais em vez de avós, pelo menos eu,
que tu tens mais de dez anos de diferença sobre este velho. E depois
esta febre na agricultura que despontou em ti. Ambas novidades são
um espanto, mas que darei o meu apoio. Na condição de que tu trates
de contratar e gerir a estufa, ao teu gosto, mas com o apoio de
alguém conhecedor deste ramo especial da floricultura, e depois que
seja eu o financeiro responsável.
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Querido marido, sinto-me lisonjeada, mais uma vez, pelo modo
simpático e carinhoso com que acolhes as minhas propostas. Quanto ao
apoio técnico creio que o tenho garantido. Uma das minhas clientes
do salão tem um filho, licenciado numa faculdade de couves e vinhas,
agrícola se preferires, que, curiosamente, estagiou numas estufas
que uns holandeses -que são uns barras nesta coisa- montaram num
sapal entre Aveiro e Murtosa. Ouvi a mamá e não abri o meu jogo até
falar contigo, mas tenho o palpite de que, pelo menos na instalação
e num apoio ao jeito de avença, poderia contar com este moço, ou
com algum colega dele se o recomendasse.
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Não sei se conseguirei digerir todo este chorrilho de histórias que
me enfiaste sem respirar. Para já vamos à ceia e necessito de um
gin-tónico para entrar em sintonia. E, por favor, hoje não me
contes mais novidades, a não sei que desejas que tenha um AVC e
fique por aí sentado com a boca torcida.
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