quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

MEDITAÇÕES - personagens inesquecíveis


Há opiniões de todo género e merecedoras de ser respeitadas

Em principio admito que todos nós, excepto os mais influenciáveis, automaticamente desvalorizamos as opiniões que não encaixam na nossa própria craveira. Se não fosse assim, possivelmente teríamos metade da população seriamente incompatibilizada com os militantes com ideias diametralmente opostas às nossas. Felizmente existe mais sensatez na sociedade do que aquilo que seria de esperar se acreditássemos nos extremistas de um e outro bando. 

Mesmo assim é conveniente admitir que, para alguns, num quantitativo que não me atrevo a imaginar, são extremamente avessos a aceitar que “o outro” pelo simples facto de não aderir aos mesmos postulados, tem que ser, forçosamente, um inimigo, ou, pelo menos, alguém que não deve ser convidado para “ir à bola” na nossa companhia.

Porque me meto nesta camisa de onze varas, sem mais nem menos? Simplesmente porque, tal como me acontece numa frequência aparentemente inusitada, nos lembrarmos (os dois membros deste casal de velhos) de uns amigos, já falecidos, com os quais se criaram laços de amizade que seriam improváveis se, os quatro, tivéssemos cumprido “à risca”as regras habituais da rejeição. Existiam factores de peso que foram postos de lado. Estes amigos, que tanto recordamos, eram ambos do sector que se considera de direita convicta. Ele militar de carreira, oficial aposentado e, simultaneamente possuidor de um curso superior em engenharia, e mais: teve uma fase de actividade na vida política municipal.

Muito havia entre os dois casais que não nos devia facilitar uma aproximação. E, apesar disso, foram valorizados outros aspectos que nos possibilitaram uma amizade, um convívio bastante intenso, sem outro propósito de que permitir intensificar a familiaridade num nível que nem os próprios familiares entendeu ser possível.

Viajamos juntos por diversas vezes e, nunca esquecerei, o dia em que ele, o amigo improvável (segundo as regras da arte), já no leito de morte, poucas horas antes de falecer, me disse: Bert (era assim que me nomeava, pelo meu “nome de guerra”) tenho muita pena de não termos viajado juntos em mais ocasiões. Vocês foram um casal verdadeiramente amigo e desinteressado.

Nunca mais esqueci, nem esquecerei, estas palavras e a sinceridade com que me foram ditas. Eles crentes, practicantes, eu ateu militante. Os acompanhei à missa inicialmente, até o dia em que pedi que me autorizassem a ficar fora do templo, aguardando a saída. E, curiosamente, em muitas ocasiões apareciam acompanhados, alem da minha mulher, do padre que oficiou o sacramento. Todos muito educados e civilizados, sem nunca jamais entrar no tema da religião, nem tampouco nos critérios de política que comentávamos com cuidada isenção e sem fanatismos. Entendíamos a prudência da atitude Cada macaco no seu galho. E assim coincidíamos em mais pormenores do que se poderia imaginar desde fora .

Recordando um dos temas que sempre apareciam a revista Selecções. Estes amigos tornaram-se, por mérito próprio, as nossas personagens inesquecíveis.




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