Somos
donos da vida
Está
em curso, mais uma vez, a polémica sobre se devemos permitir,
legalmente, que uma pessoa, em circunstâncias extremas de
sofrimento, ainda consciênte e conhecendo que, sem dúvida, não tem
a mínima probabilidade de retorno, possa decidir que chegou o
momento de deixar de viver. Que o máximo que pode esperar são
alguns cuidados paliativos; que lhe forneçam fármacos que mascarem
as dores, mas que não o isentam da possível e progressiva degenerescência que o converta num “vegetal”, apático e sem
controle corporal.
Provavelmente a pessoa que estiver a ler estas considerações teve a infeliz
oportunidade de acompanhar, visitar ou simplesmente ver, o estado em
que terminam muitos dos velhos que são depositados naquela “sala
de espera do necrotério” que, eufemisticamente, denominam de
“lares de idosos”. Mas que, de facto, de pouco ou nada servem
para muitos dos ali depositados, mas sim que favorecem a vida das
famílias que os abandonam. Longe da vista, longe do coração.
Além
do natural desgosto que se sente por ver a degradação daquele ser,
que recordaremos de quando são e escorreito anos antes. É normal que a
reacção interna imediata é a de não desejar que “um dia” ele
mesmo se possa encontrar nesta situação. Daí a decisão interior
de que “antes a morte”.
Prevendo
a possibilidade de que a nossa vida não termine de forma abrupta,
resta a sensatez e isenção de como decidir por si mesmo, enquanto
se está capacitado para isso. Pode ser que nos leve a procurar
garantir que nos ajudem a deixar este ”mundo cruel” e trocar as
voltas à Parca. A qual nem sempre respeita a opção de não sofrer.
Uma ajuda que se conhece, por extensão do conceito, como sendo a eutanásia, sem definir que nesta decisão pessoal de como
terminar, o cidadão é livre para escolher e não se trata duma
decisão imposta por outrem. Mais correctamente deveria designar-se
como um suicídio assistido.
E
chegamos ao ressurgir de uma luta já anteriormente acontecida e até
resolvida em algumas sociedades, tão evoluídas, ou mais, do que a
nossa. Mais uma vez se embrulham, como as linhas e cordéis num saco,
a religião e a livre escolha. O caminho, que parecia ser simples e
pessoal, pretende-se, por opção de alguns crentes, numa interdição
irresponsável que coage a liberdade de acção que cada um dos
cidadãos deve ter, sempre e tanto que não prejudique a outrem. Nos
querem empurrar para o sofrimento e a despersonalização, e em
opção ao suicídio puro e duro.
Os
ferozes argumentos que continuam a se expor para travar a decisão
legal que permita a última opção em vida, não se podem apoiar
numa referência aos direitos humanos, pois que não se aceita
que outra pessoa decida em como terminar os seus dias se não o
próprio. Não se trata pois de contratar um homicida, um carrasco
legal que se encarregue de nos liquidar de vez. Trata-se do direito
que se deve ter, e manter, de não sofrer sem cura possível, e
abandonar o corpo enquanto a lucidez não nos abandonar. Que, de
facto, é uma morte cerebral, mesmo que algumas funções automáticas
continuem activas por um curto período de tempo.
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