terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

MEDITAÇÕES – Deixem-nos decidir



Somos donos da vida

Está em curso, mais uma vez, a polémica sobre se devemos permitir, legalmente, que uma pessoa, em circunstâncias extremas de sofrimento, ainda consciênte e conhecendo que, sem dúvida, não tem a mínima probabilidade de retorno, possa decidir que chegou o momento de deixar de viver. Que o máximo que pode esperar são alguns cuidados paliativos; que lhe forneçam fármacos que mascarem as dores, mas que não o isentam da possível e progressiva degenerescência que o converta num “vegetal”, apático e sem controle corporal.

Provavelmente a pessoa que estiver a ler estas considerações teve a infeliz oportunidade de acompanhar, visitar ou simplesmente ver, o estado em que terminam muitos dos velhos que são depositados naquela “sala de espera do necrotério” que, eufemisticamente, denominam de “lares de idosos”. Mas que, de facto, de pouco ou nada servem para muitos dos ali depositados, mas sim que favorecem a vida das famílias que os abandonam. Longe da vista, longe do coração.

Além do natural desgosto que se sente por ver a degradação daquele ser, que recordaremos de quando são e escorreito anos antes. É normal que a reacção interna imediata é a de não desejar que “um dia” ele mesmo se possa encontrar nesta situação. Daí a decisão interior de que “antes a morte”.

Prevendo a possibilidade de que a nossa vida não termine de forma abrupta, resta a sensatez e isenção de como decidir por si mesmo, enquanto se está capacitado para isso. Pode ser que nos leve a procurar garantir que nos ajudem a deixar este ”mundo cruel” e trocar as voltas à Parca. A qual nem sempre respeita a opção de não sofrer. Uma ajuda que se conhece, por extensão do conceito, como sendo a eutanásia, sem definir que nesta decisão pessoal de como terminar, o cidadão é livre para escolher e não se trata duma decisão imposta por outrem. Mais correctamente deveria designar-se como um suicídio assistido.

E chegamos ao ressurgir de uma luta já anteriormente acontecida e até resolvida em algumas sociedades, tão evoluídas, ou mais, do que a nossa. Mais uma vez se embrulham, como as linhas e cordéis num saco, a religião e a livre escolha. O caminho, que parecia ser simples e pessoal, pretende-se, por opção de alguns crentes, numa interdição irresponsável que coage a liberdade de acção que cada um dos cidadãos deve ter, sempre e tanto que não prejudique a outrem. Nos querem empurrar para o sofrimento e a despersonalização, e em opção ao suicídio puro e duro.

Os ferozes argumentos que continuam a se expor para travar a decisão legal que permita a última opção em vida, não se podem apoiar numa referência aos direitos humanos, pois que não se aceita que outra pessoa decida em como terminar os seus dias se não o próprio. Não se trata pois de contratar um homicida, um carrasco legal que se encarregue de nos liquidar de vez. Trata-se do direito que se deve ter, e manter, de não sofrer sem cura possível, e abandonar o corpo enquanto a lucidez não nos abandonar. Que, de facto, é uma morte cerebral, mesmo que algumas funções automáticas continuem activas por um curto período de tempo.


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