NÃO
SÃO LEMBRADAS DE MANHÃ
A
interpretação mais imediata desde anexim é que muito do que se diz
quando o travesseiro está quente -e quem diz
travesseiro pode ser o leito todo, o chão, o sofá, a mesa do
gabinete, ou até o apoio de uma parede- não se pode
considerar como uma jura gravada na pedra, ou seja “lapidar”. São
afirmações totalmente honestas, são fruto do entusiasmo e de
fraqueza mental que naquele momento se sente. Mas que quando a febre
desce já sabemos que a primeira tarefa com que a mente se afoita é
a de varrer para o esquecimento tudo aquilo que pode corresponder a
um compromisso problemático.
Daí
que a mensagem, implícita o subjacente, é bastante mais abrangente
e até impessoal. Se bem que neste momento aquele horizonte que me
atrai é muito mais pernicioso do que muitos dos pensamentos e
divagações deitadas pela boca fora em momentos de exaltação.
Não
vou encaminhar esta reflexão para assuntos do campo da fé, pois
sendo esta uma zona onde a racionalidade não está sempre presente -ou
practicamente jamais- e
apesar disso, ou se calhar por esta mesma razão, é propício a
conduzir a ofensas pessoais, o melhor é não entrar, nem sequer com
pés de chumbo. Recordo que no universalmente valorizado Dom Quixote,
num dos capítulos refere que estando eles dois, Quixote e Sancho,
percorrendo as planuras castelhanas numa longa noite escura e
procurando um local onde pernoitar, o imaginário escudeiro exclamou
que tinham chegado a um possível albergue. Foi bater à aldrava e
quando o Cavaleiro da triste figura ouviu o eco que retornava daquele
edifício, disse: Sancho, demos de cara com a Igreja, recuemos.
(deixo a interpretação deste aviso ao
encargo do leitor)
Mas
aquilo que, com a experiência vivida e observada, todos sabemos é
que promessas de políticos são folhas secas que o vento leva e
espalha sem arquivar. Mesmo sabendo que não podemos acreditar no
palavreado daqueles que pretendem que os ajudemos a subir ao pódio,
com o nosso voto, as piores promessas destes cavalheiros -que
o são não precisamente porque se exibem montados num solípede, mas
pior, porque somos nós, os cidadãos abusados, mesmo que não
propriamente enganados, que os carregamos às costas-
E como o
mentir, ou prometer com predisposição de não cumprir, deve ser
considerado como uma moléstia adicticiva, o devemos anexar à ideia
de comer
e coçar é só começar.
Tristemente,
porque este viciamento em prometer e não cumprir nos afecta a todos,
e reconhecemos quão propício é o untar os dedos quando se mexe com
azeite, considero que o primeiro lugar na interpretação do que,
subtilmente, nos avisa o aforismo que encabeça este escrito, não se
deve atribuir às juras de amor carnal mas, por serem mais frequentes e perniciosas, às galgas com que os nossos homens públicos -nossos
porque todos temos parte de culpa na sua eleição- são
tão prolíferos e esbanjadores. Piores do que as mulheres ditas de
públicas, pois estas fazem-se retribuir directamente e com uma
dedicação pessoal concreta, mesmo que também falsa.
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