- Amigo e Doutor Cardoso. Vou lhe
pedir que me oiça com atenção profissional -da sua parte
evidentemente- pois que eu não tenho uma profissão bem definida.
Isto de ser “empresário” serve tanto para um amolador de
carrinho e gaita de pífaro como para o Administrador Delegado da
PT, ou da EP, por exemplo.
O que quero dizer, com muita
sinceridade e interesse, é que entendo ser aconselhável, ou pelo
menos prudente, nos deixar de inventos e especulações mais ou
menos gratuitas, ou mesmo pouco fundamentadas, sobre o futuro que os
actuais donos podem ter previsto para aquele casarão. Por enquanto
estão no segredo dos negócios “internacionais”, sejam redes
bancárias ou de actividades ilícitas, sempre activas. Tanto faz.
Acontece que aquilo que mais
recentemente me foi dado saber -e não é muito- me orienta no
sentido de que é provável que ali venham a situasse negócios que
estejam fora dos limites das leis vigentes, tanto nacionais como
internacionais. E que, continuando a especular, a disposição dos
espaços que me relataram dá ideia de que seja plausível a montagem,
naquele casarão, da sede ou núcleo de uma rede de prostituição em
vários níveis, desde as acompanhantes de luxo -muitas vezes alunas
de cursos superiores- até o mais baixo patamar das mulheres
traficadas para se prostituírem.
Dizem que é um negócio
habitualmente paralelo com o da droga e até o jogo. E isto porque só
assim se explica a divisão da propriedade imóvel, em três unidades
independentes, com entradas diferentes, balcões de recepção e
serviços complementares.
Como lhe disse, eu já fui cliente,
e mais do que uma vez, de serviços de organizações deste género.
Pelo menos das duas parcelas superiores. E não quero ver-me em
riscos de me encontrar ligado, mesmo que tangencialmente, a este
assunto.
Posso estar redondamente enganado, e
ter interpretado mal as dicas que fui sabendo pelo pessoal que lá
trabalha, mas o que dizem que se está a instalar é uma versão mais
reservada e sofisticada do que as bacanais multitudinárias onde,
segundo se apurou, valia tudo e mais alguma coisa. Do género de meia
bola e força e nada de fé em Deus.
Daquilo que me cheira penso que, na
PJ. já podem começar, ou continuar, com um arquivo especial para
este edifício e o seu futuro quase que imediato. E não só na
Judiciária Nacional, mas na Europol e Interpol. E eu não existo! Ou
melhor, gostaria e gosto de pensar em poder continuar a ter uma
amizade estritamente pessoal; longe do que pode vir a acontecer
naquela obra de modernização.
Até poderia bem acontecer que a
nossa primeira versão de por ali instalarem uma central, até internacional, de oferecer -a quem pagasse bem para isso- um
entreposto para viagem indolor para o outro mundo, seja, de facto o
que se prepara. Mas o terem três zonas isoladas entre si, como as
classes de turistas num cruzeiro, seria uma novidade que desconheço.
Seja como for que as coisas avancem,
estou convencido que de ali há marosca grossa, pois que o local não
parece ser o mais indicado para umas férias de repouso “normais”
e, além disso, se o núcleo duro de investidores se mantiver coeso
-coisa que ainda não sei se foi verificado, porque desconheço- a
experiência me diz que quando se provou uma droga, neste caso um
negócio de sexo duro, é muito difícil, até quase impossível,
escapar dele para todo o sempre.
Tenho que reconhecer que sou curioso
e que os acontecimentos anteriores me deixaram não só com a
mosca atrás da orelha como com uma atenção excessivamente
aguda. Daí que as minhas tentativas de coscuvilhice se mantenham
activas, e que, caso venha a saber de algum pormenor que julgue possa
ser do seu interesse profissional, digamos concretamente, da PJ, lho
transmitirei, sem pedir um retorno, que entendo deve ficar muito
reservado. Mas tudo isso em estrito nível pessoal, humano, e não
profissional, a bem de ambos.
Ah! E, por uma questão de cautela,
muita cautela, da minha parte quero manter a Isabel totalmente fora
da carroça. Entre o casal procurarei que nunca seja referida aquela
fase de nervosismo que nos veio enviada desde o casarão. O Cardoso
não leve a mal a minha “fuga”, que não é tanto assim, pois que
já lhe manifestei que tentarei saber novos factos através dos meus
contactos.
Nem que seja procurando coincidir,
“por casualidade” com o Ortega, Rei dos Ciganos de Aveiro, que
admito ficou satisfeito com a nossa pequena ajuda, ou mais
correctamente pelo conselho gratuito. Mas, caso fale com ele, terei
muito cuidado em não abrir o jogo do meu lado. É um assunto, se for
como imagino, potencialmente muito perigoso, e os mortos de então
seriam coisa insignificante perante o perigo de entrar nas redes
internacionais de tráfego de pessoas, que admito já devem estar
actuando em Portugal.
O amigo Doutor Cardoso ficou muito
aborrecido com este meu discurso, tão pessimista?Pelo contrário, Amigo Maragato.
Continuo a o qualificar como sendo um indivíduo sumamente
observador e sensato. Os seus receios de que a nossa amizade, se
ultrapassar os limites do convívio estritamente social, pelo menos
na aparência, me possa prejudicar profissionalmente, só me
confirma o como avaliei a sua personalidade a partir do nosso
primeiro encontro.
Mais lhe digo. Agradeço,
sinceramente, que a proposta de reserva atenta, que me fez agora,
tenha sido de sua iniciativa, pois a documentação que no meu
serviço se foi juntando nos derradeiros dias, leva o carimbo de
CONFIDENCIAL. E o Amigo José adiantou-se ao que eu sentia ser
obrigatório fazer: fechar as portas de comunicação mais passíveis
de serem vigiadas. Sei que já imagina que neste campo não há ninguém, a partir do porteiro que faz a triagem dos visitantes, que
seja imune a ser controlado. E quanto mais se sobe mais vigiado se
está.
Um grande abraço, com a amizade que
merece, e ficamos neste pé. Pelo menos enquanto não sentirmos cãibras.
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