sexta-feira, 7 de junho de 2019

CRÓNICAS DO VALE - Cap. 94

Cautela e caldos de galinha velha, nunca são demais


Amigo e Doutor Cardoso. Vou lhe pedir que me oiça com atenção profissional -da sua parte evidentemente- pois que eu não tenho uma profissão bem definida. Isto de ser “empresário” serve tanto para um amolador de carrinho e gaita de pífaro como para o Administrador Delegado da PT, ou da EP, por exemplo.

O que quero dizer, com muita sinceridade e interesse, é que entendo ser aconselhável, ou pelo menos prudente, nos deixar de inventos e especulações mais ou menos gratuitas, ou mesmo pouco fundamentadas, sobre o futuro que os actuais donos podem ter previsto para aquele casarão. Por enquanto estão no segredo dos negócios “internacionais”, sejam redes bancárias ou de actividades ilícitas, sempre activas. Tanto faz.

Acontece que aquilo que mais recentemente me foi dado saber -e não é muito- me orienta no sentido de que é provável que ali venham a situasse negócios que estejam fora dos limites das leis vigentes, tanto nacionais como internacionais. E que, continuando a especular, a disposição dos espaços que me relataram dá ideia de que seja plausível a montagem, naquele casarão, da sede ou núcleo de uma rede de prostituição em vários níveis, desde as acompanhantes de luxo -muitas vezes alunas de cursos superiores- até o mais baixo patamar das mulheres traficadas para se prostituírem.

Dizem que é um negócio habitualmente paralelo com o da droga e até o jogo. E isto porque só assim se explica a divisão da propriedade imóvel, em três unidades independentes, com entradas diferentes, balcões de recepção e serviços complementares.

Como lhe disse, eu já fui cliente, e mais do que uma vez, de serviços de organizações deste género. Pelo menos das duas parcelas superiores. E não quero ver-me em riscos de me encontrar ligado, mesmo que tangencialmente, a este assunto.

Posso estar redondamente enganado, e ter interpretado mal as dicas que fui sabendo pelo pessoal que lá trabalha, mas o que dizem que se está a instalar é uma versão mais reservada e sofisticada do que as bacanais multitudinárias onde, segundo se apurou, valia tudo e mais alguma coisa. Do género de meia bola e força e nada de fé em Deus.

Daquilo que me cheira penso que, na PJ. já podem começar, ou continuar, com um arquivo especial para este edifício e o seu futuro quase que imediato. E não só na Judiciária Nacional, mas na Europol e Interpol. E eu não existo! Ou melhor, gostaria e gosto de pensar em poder continuar a ter uma amizade estritamente pessoal; longe do que pode vir a acontecer naquela obra de modernização.

Até poderia bem acontecer que a nossa primeira versão de por ali instalarem uma central, até internacional, de oferecer -a quem pagasse bem para isso- um entreposto para viagem indolor para o outro mundo, seja, de facto o que se prepara. Mas o terem três zonas isoladas entre si, como as classes de turistas num cruzeiro, seria uma novidade que desconheço.

Seja como for que as coisas avancem, estou convencido que de ali há marosca grossa, pois que o local não parece ser o mais indicado para umas férias de repouso “normais” e, além disso, se o núcleo duro de investidores se mantiver coeso -coisa que ainda não sei se foi verificado, porque desconheço- a experiência me diz que quando se provou uma droga, neste caso um negócio de sexo duro, é muito difícil, até quase impossível, escapar dele para todo o sempre.

Tenho que reconhecer que sou curioso e que os acontecimentos anteriores me deixaram não só com a mosca atrás da orelha como com uma atenção excessivamente aguda. Daí que as minhas tentativas de coscuvilhice se mantenham activas, e que, caso venha a saber de algum pormenor que julgue possa ser do seu interesse profissional, digamos concretamente, da PJ, lho transmitirei, sem pedir um retorno, que entendo deve ficar muito reservado. Mas tudo isso em estrito nível pessoal, humano, e não profissional, a bem de ambos.

Ah! E, por uma questão de cautela, muita cautela, da minha parte quero manter a Isabel totalmente fora da carroça. Entre o casal procurarei que nunca seja referida aquela fase de nervosismo que nos veio enviada desde o casarão. O Cardoso não leve a mal a minha “fuga”, que não é tanto assim, pois que já lhe manifestei que tentarei saber novos factos através dos meus contactos.

Nem que seja procurando coincidir, “por casualidade” com o Ortega, Rei dos Ciganos de Aveiro, que admito ficou satisfeito com a nossa pequena ajuda, ou mais correctamente pelo conselho gratuito. Mas, caso fale com ele, terei muito cuidado em não abrir o jogo do meu lado. É um assunto, se for como imagino, potencialmente muito perigoso, e os mortos de então seriam coisa insignificante perante o perigo de entrar nas redes internacionais de tráfego de pessoas, que admito já devem estar actuando em Portugal.

O amigo Doutor Cardoso ficou muito aborrecido com este meu discurso, tão pessimista?Pelo contrário, Amigo Maragato. Continuo a o qualificar como sendo um indivíduo sumamente observador e sensato. Os seus receios de que a nossa amizade, se ultrapassar os limites do convívio estritamente social, pelo menos na aparência, me possa prejudicar profissionalmente, só me confirma o como avaliei a sua personalidade a partir do nosso primeiro encontro.

Mais lhe digo. Agradeço, sinceramente, que a proposta de reserva atenta, que me fez agora, tenha sido de sua iniciativa, pois a documentação que no meu serviço se foi juntando nos derradeiros dias, leva o carimbo de CONFIDENCIAL. E o Amigo José adiantou-se ao que eu sentia ser obrigatório fazer: fechar as portas de comunicação mais passíveis de serem vigiadas. Sei que já imagina que neste campo não há ninguém, a partir do porteiro que faz a triagem dos visitantes, que seja imune a ser controlado. E quanto mais se sobe mais vigiado se está.

Um grande abraço, com a amizade que merece, e ficamos neste pé. Pelo menos enquanto não sentirmos cãibras.

Sem comentários:

Enviar um comentário