Um
encontro conspiratório ?
Já na terça feira
- Bom dia Dr. Cardoso, parece que
chegamos ambos na hora marcada. Estamos de parabéns, coisa rara no
nosso meio, onde o hábito é chegar sempre com atraso. Dizem que n
ão nos respeitamos se comparecermos na hora marcada! Coisas de
burrice congénita e de falta de respeito perante os outros. Mas
vejo que está bem disposto, embora com o semblante sério.
Aconteceu algum contratempo? Uma doença, acidente. Ou coisa
semelhante? Espero que não.
- Nada de especial. Simplesmente
andei a meditar sobre o assunto que nos incitou a nos juntar e,
quantas mais voltas lhe dou, continuo a não ver as coisas claras.
Antes pelo contrário. Possivelmente uma segunda feira não é a
altura propícia para tentar abrir gavetas, mas alguma coisa podia
ter transpirado sem eu ligar. De facto são vários os dossiers que
tenho na minha mesa, e cada um deles com um carimbo de urgente,
mesmo aqueles, que são a maioria, que tratam de assuntos de lana
caprina, mas que fazem perder tempo. Não podemos negar que
sempre foi difícil por a trabalhar as engrenagens da rotina numa
segunda feira, depois de um sábado e domingo descansados.
Seja como for e aceitando que
podemos estar enganados, de estar “sonhando com ladrões”. Eu dei
corda aos sapatos do pessoal que temos em campo para que procurassem,
em primeiro lugar, quem estava de facto por trás da compra daquela
propriedade “assombrada” ou mal afamada por sucessos recentes que
causaram alarme. Nada, até o momento nada.
E mesmo assim receio que por trás
da empresa fantasma, a tal sediada num ilha, ou numa simples caixa
postal, multi-usos, e atendida por um sujeito sentado numa secretária, num
escritório diminuto dos muitos que dizem existir nestas paragens do
Caribe, e que só se encarregam de receber e reenviar mensagens e
documentos. Desconfio que por trás do pano estará um, ou até mais do
que um, dos passarões que os nossos serviços identificaram em
consequência da leviandade com que os esbirros, em quem confiaram.
Uns e outros foram excessivamente incautos.
Não sou de apostas. Mas desta feita
recordo uma história que se contava entre estudantes acerca dos
despiques dos pais, sentados nas mesas do café da terra, o dos
senhores. Ali, entre cafés, charutos e copos de brandy espanhol,
cada um deles queria alardear dos conhecimentos que o seu respectivo
filho já tinha alcançado na faculdade. Aquele dia no meio do grupo
de paternidades se encontrava um dos filhos ”estudantes”,
devidamente mascarado com capa e batina. O pai, tentava ver sinais de
apoio vindos do seu herdeiro, mas este permanecia mudo, quedo,
estático; até que a conversa foi parar para a gulodice. Qual
dos filhos seria capaz de comer, de uma assentada, duas dúzias ou
mais de pastéis de nata? O estudante presente chegou-se ao
ouvido do pai e lhe disse: Pai, aposte em mim, e alto! Pois
garanto que nesta ganha!
Pois eu apostaria em que, por
enquanto, o negócio que devem ter em olho para aquele local deve
estar entre elementos do tal grupo. O que não impediria que, tal
como o Maragato alvitrou, depois não se juntem a forasteiros, possivelmente americanos, com risco de estarem ligados a alguma das máfias do
jogo e da droga. E eu, como português ainda patriota, não me agrada
esta possibilidade. Mesmo que aceite o facto de estamos longe de garantir que aquela
montagem especulativa possa ser concretizada.
E mais digo, antes de lhe dar a
palavra, sei, documentalmente, que na organização daquelas
festanças, que deram em torturas e até mortes, havia elementos
graúdos do clero. Eles bem avisam com aquilo de que “a carne é
fraca...”, uma desculpa que lhes serve como um anel de
casamento, mesmo com voto de celibato. Pois bem, apesar de me ter
avisado de que aquela montagem mental que nos ofereceu não tinha uns
alicerces onde se apoiar, eu senti que a estrutura imaginada estava
longe de ser absurda.
Acrescento o facto de que, apesar de
estar na lista dos católicos, eu não sou crente, e muito menos cego
perante as faltas de carácter social e económico que a estrutura eclesiástica cometeu, comete e cometerá. Mas, apesar de todo isto,
e respeitando a ignorância em que está a nossa população,
especialmente as camadas mais incultas, -e os cultos seguem na
procissão por interesse, seja terrena ou imaginando para uma
eternidade beatífica-. Pois, apesar de todas as minhas reticências,
não me agradaria que este nosso pesadelo -pois que ultrapassa o ser um
sonho- se convertesse em realidade, sem que se respeitasse a tradição
do nosso povo.
Pondo as coisas de um modo mais
explícito. Pensei em pedir uma audiência, não oficial, ao Bispo do
Porto, na qual me agradaria que me acompanhasse, para lhe expor o
perigo de que um credo com base fora de Portugal, tomasse conta de
uma capela mortuária, caso os nossos temores se fundamentassem.
Seria uma jogada de antecipação, pois se as coisas seguissem aquele
rumo que imaginamos, mais tarde ou mais cedo, ele seria informado.
Mas em “segredo de confissão”, ou seja, confidencialmente. Se
nós nos adiantássemos já teriam que modular as coisas de forma a
serem mais aceitáveis.
Termino com o esquema, atrevido, que
eu penso apresentar ao Bispo como ente responsável neste domínio.
Sugerir que na previsão de ali se instalar um aparente centro de
repouso para geriatas, mas que de facto seria uma porta camuflada
para o dia em que a morte assistida estivesse legalizada, a “nossa
igreja católica” devia promover, quase que exigir, que o local
onde se realizassem as exéquias, digamos a capela mortuária,
estivesse aberta a ser usada por qualquer credo, sem excepção. Ou
seja, não ser exclusivo do catolicismo. Claro que não antevemos que
se autorizassem, por enquanto, cremações públicas nas margens do
Mondego, do Vouga, do Minho ou Tejo, como um Benarés europeu.
Como o amigo José Maragato ouviu, eu
fermentei na sua exposição. E gostaria de conhecer os seus
comentários.
- Pois eu, depois de o ouvir
atentamente, tenho medo de mim mesmo, ou de nós. O mais certo é que
estejamos colocando a carroça à frente dos bois, mas também
podemos acreditar no que é comum nos negócios: O que bate
primeiro bate duas vezes. E mesmo que o negócio previsto não
passe de um delírio meu, uma especulação sem bases reais, não deixam de existir precedentes na Europa, e a tal funerária que, sem
conhecimentos concretos, referi, só por aquilo de emprenhar de
ouvido, poderia ser uma testa de ponte.
Pela minha parte estou aguardando
notícias tanto das pesquisas em cartórios como em empreiteiros e
até gentes de trabalho. Creio que o mais tardar na quinta-feira
terei algumas respostas. Entretanto, caso a entrevista com o Sr.
Bispo, Dom “Não recordo o nome”, se concretizar terei todo o
prazer, também como não crente (é possível que “ele”
também não seja crente convicto. Coisas mais estranhas se tem
visto, ou inesperadas, porque de bizarrices...está o mundo cheio) em o poder acompanhar, e ajudar se ficasse atrapalhado, pois para inventar eu sou um alho.
No
próximo capítulo terei que referir em que pé ficou a Isabel com os
técnicos do projecto de estufa.
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