segunda-feira, 3 de junho de 2019

CRÓNICAS DO VALE Cap. 91



A Isabel mostra o seu valor

Os dois “engenheiros de couves e árvores de lenha e fruto” compareceram à hora marcada. Tão pontuais, ou melhor, melhor do que os autênticos relógios suíços, comprados na loja do chinês, onde aliás os p.v.p., não tem parado de altear. De facto a relação qualidade/preço está a cair para manter o interesse da clientela, ávida de falsas pechinchas.

Eu estive e mantive-me, em segundo plano; mas bem visível e dando a entender que podia entrar em cena caso as conversas derivassem e a Isabel desse sinal de carecer de apoio. Não foi necessário. A empresária mostrou a sua capacidade de gestora e até ter uma dialéctica eficaz para dar a volta ao texto.

Logo de início agradeceu aos neófitos, mas encanudados, o muito que lhe mostraram que ela ignorava, e igualmente que lhe deixaram plena convicção de que sempre agiram zelando os seus (da Isabel ?) interesses. Ela é que se culpou de ter agido e continuado a manter ao lume um projecto para o qual não tinha capacidade, e nem sequer tempo disponível, pois já estava em risco de descuidar os seus anteriores negócios. Que estes sim se mantiveram sempre em actividades onde se sentia firme, conhecedora em profundidade.

Que teve largas horas de insónia, culpando-se de insensatez e de que, sem se aperceber, estava caindo num abismo que, sem duvida seria fatal. Recordava o ditado que alerta ao sapateiro que queria tocar rabecão. Dos dois, o filho da Dona Eudócia, sua cliente no salão da Vila, sabe através das conversas anteriores com a sua mãe. que eu, Isabel, era incapaz de manter vivo nem sequer um manjerico envasado, que comprasse nos Santos Populares. Nenhum chegou a se mostrar verde e cheiroso a meados de Julho.

Avançando continuou com os motivos que a levaram a lhes pedir que comparecessem a esta reunião de trabalho. Que os convocou, e quis que o meu marido assistisse, na previsão de assumir o seu “mea culpa”, e também para lhes pedir que a ajudassem no propósito de practicamente anular, desistir do seu projecto, indefinido, de montar uma estufa multi-funcional. 

Se for possível aproveitar um espaço fechado com área entre 15 e 20 metros quadrados, onde eu possa brincar, esporadicamente, com algumas begónias, orquídeas e plantas da Madeira, ou de zonas ainda mais tropicais, que não conseguem aguentar o inverno nesta latitude, nem sequer dentro de casa, eu sentir-me ia feliz.

A preocupação de me meter num campo totalmente desconhecido, com risco de cair e partir os dentes, obriga-me a vos pedir que me ajudem a recuar. Não sei como, mas temos aqui materiais e equipamento ainda por instalar e outro já encomendado. Será que se conseguiria desviar estes materiais, que certamente são modulados e de série, para outros projectos, mais sensatos? Seja como for tenho que dar andamento ao que já está e que exceda a nova dimensão. Mesmo que isso me vá causar prejuízos monetários. Já se sabe que em negócios, e mais quando não se conhecem os riscos, é muito provável ter prejuízos. Mas temos que os minimizar...

A Isabel não esqueceu de referir que sabia ser devedora de trabalho pessoal da equipa formada pelos dois colegas, e que não queria ficar com o estigma de caloteira, por fugir de responsabilidades. Sem implicar outros compromissos, façam as vossas contas e apresentem-nos, que cá, o casal, somos gente séria.

Os jovens profissionais, encararam a situação com seriedade e garantiram que fariam o possível, e até mais, para conseguir eliminar a preocupação que a Dona Isabel lhes fez sabedores. Que não se preocupasse neste momento. Quando tivessem a matéria estudada, e vissem como se podia atender o que nos parece, de facto ser razoável, e por isso não se sentir capazes de contrariar, por saber que tem razão. Afirmaram que também eles se deixaram entusiasmar, avançando para um nível quase profissional que, de facto, hoje admitem não ser compatível com a sua experiência e menos com os seus negócios pessoais, que domina desde bastantes anos. Concluíram pedindo desculpa por não avaliarem a realidade do mini projecto a nível de dona de casa, que a Dona Isabel tinha sonhado e foi incapaz de definir, por inexperiência.

A Isabel fechou a entrevista insistindo em que não queria prejudicar a dedicação e o trabalho da equipa, e que estava disposta a servir de referência para novos clientes, caso entendessem que lhes seria válida a sua opinião, inequivocamente positiva. Despediram-se com a certeza de que não abandonavam a “cliente” mas que tudo fariam para adaptar às novas orientações. E até breve. Certamente que dentro de dez a quinze dias, poderiam trazer boas notícias.

Da minha lavra só colaborei como um santo de gesso na peanha. Os leves sorrisos, intercalados com cara séria, devem ter servido para pano de fundo para esta peça de teatro da vida. É de sábios ter a noção de que se deve recuar antes de o desastre desabar. E nem sequer tive que fazer uma campanha elucidativa para avisar a Isabel. Ela me disse que alguns olhares meus, sem palavras, a seco, a alertaram para o futuro que eu já devia ter previsto quando os “rapazes” começaram a desbobinar o que tinham estudado na escola. E é que entre a teoria e a prática, especialmente quando entra em risco o capital próprio, pode existir um abismo.

....

Enquanto um dos meus ouvidos estava ligado à reunião sobre o futuro do projecto de estufa para plantas exóticas ou eróticas, a outra metade do meu cérebro decidiu torpedear a fantasia que, impulsivamente, instalei no espírito do Doutor Cardoso.

Além de admitir que eu não tenho unhas para um negócio daquela envergadura, isso não implica que considere ser um disparate e que existem empresas multi-funções do género do que imaginamos. Mas será que em Portugal temos um sector, potencial, de clientes, que aguentassem uma complexidade deste calibre? Até pode ser que o Cardoso consiga entusiasmar capitalistas do Norte ansiosos de diversificar a sua carteira. Conhecemos a carreira ascendente do recentemente falecido que se fez dono de uma fábrica de “serradurite” e terminou numa diversidade de negócios, desde alimentação a electrodomésticos e equipamento de informática, desporto e outros sectores que nem todos podem listar.

Vendo as coisas com ar profissional não sinto que fosse uma loucura, uma insensatez, o criar uma sociedade anónima que conseguisse travar, em seco, a obra que está em curso naquela mansão, precisamente porque se desconhece o seu propósito. Nada vimos em revistas ou jornais que nos orientasse neste sentido. Só imaginamos, com risco elevado de não passar de especulações sem sentido.reconheço ser pessoa prolifera em projectos, a maior parte deles utópicos para as minhas capacidades e aceitação de riscos.

Tampouco me sinto com coragem de dizer ao Cardoso que eu salto para fora da carroça, mas sim que os capitais estão practicamente todos comprometidos, com graus de risco mais ou menos conhecidos e aceitáveis. Que enfiar com projecto da envergadura que, despudoradamente imaginamos, implicaria além de avultadas despesas em obras, o conseguir obter as licenças exigidas, com os custos “colaterais” inevitáveis que lhes são intrínsecos. Conseguir a colaboração de gente conhecedora dos assuntos. E aguentar com uma máquina burocrática própria com custos sempre ascendentes. Imagino que seria indispensável criar uma máquina publicitária, insistente e com características especiais, para promover o interesse entre nacionais e estrangeiros. Assim como na Suiça contam com num número de forasteiros que para lá se dirigem a fim de terminar os seus dias de um modo menos sofredor.

Quanto ao financiamento, que não seria de uns meros milhões de euros, todos conhecemos, ou ouvimos referir, de expertos em gastar dinheiros da União Europeia em projectos que, por vezes, não saem das fundações, e tudo fica no silêncio dos compadres. E ninguém exige contas das enormes verbas que se sumiram, ou melhor, que foram parar a locais e bolsos propositadamente “indefinidos”. Eu sei e cometi algumas trafulhices, mas todas de pouca monta e sempre apoiado em indefinições legais. Mas isso não me dá calo para entrar em cavalarias altas. E nem sei se a minha mente fértil pode ser valorizada como “consultor”


Na próxima entrega estão previstas algumas respostas ao que se perguntou.

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