Toxim
!?
-
Dr.
Cardoso? Sou o José Maragato. Não carrapato!, Maragato! As
carrapatas são o mesmo que as carraças: um sinónimo. E o facto de
que a Isabel me diga que sou uma carraça, porque quando me agarro a alguém só largo após medidas drásticas não me obriga a aceitar esta feia calúnia. E a segunda pergunta, é se o momento é adequado, ou
prefere mais tarde? É que, se recorda, eu prometi que hoje entraria
em contacto consigo para relatar se soubera de algum pormenor
concreto. E sabe, como que as
promessas são de vidro, e é por isso mesmo que tantas são
quebradas... temos
que as atender com cuidado.
- Eu fiquei desorientado quando ouvi a sua entrada em linha. Parecia a personagem de um falso pastor a falar por um telelé, num anúncio já antigo e gasto. Depois entendi que estava bem disposto, se bem que não pude averiguar qual ou quais os motivos que o induziram a descontrair. Respondendo à sua pergunta. Neste momento estou envolvido numa série de assuntos que carecem da minha atenção plena. “Portantos”, -entrando levemente na sua brincadeira- proponho que seja preferível conversar depois das dez da noite, com calma e sossego. Tá-bein?
- Ouvido e entendido. Corto!
…....
já
depois de cear.
-
Zé deixa-me ser eu a ligar, porque quero ter uma fala com a Diana,
com quem fiquei em lhe descrever como correu a reunião com os meus
assessores na estufatite.
Diana?
Ainda bem que foi a amiga que atendeu, pois se tivesse entrado o
José, nem no dia do São João Nepomuceno poderíamos ter o aparelho disponível.
Como vai? Animada espero eu. Queria
dar uma breve notícia acerca da reunião de fecho, total ou parcial, da
colaboração destes profissionais. Eu é que tive o principal papel.
O marido Maragato esteve presente, mas ficou sempre atento, com os
olhos muito abertos como uma coruja, mas sem largar um pio. A não ser
quando dos apertos de mão à porta de saída.
São
dois jovens educados e eu expus a convicção de os ter induzido a
um projecto que excedia a possível realidade. E era a pura, purinha,
purreira, verdade!
Saíram
sorridentes, mas com as caras um pouco caídas, por se encontrar num
desaire. Mas aceitaram as minhas justificações e, de facto, não
tenho motivos de queixa deste duo em início de carreira. Mesmo
assim ficamos em que me ajudariam a seleccionar os materiais já
adquiridos ou encomendados e adaptar o que for mais correcto à minha
actual vontade, mas que até ontem, era excessivamente indefinida. Para a
semana virão com algumas contas e já refeitos da banhada. Assim
espero. E quanto a si? Os seus pimpolhos estavam bem dispostos?
Portaram-se bem em casa dos avós?
Falei
só com a minha mãe, a avó portanto, pois o meu pai teve que
comparecer a uma reunião do claustro da faculdade, onde é lente
desde quase duas décadas. Já vai para decano! Mas os nossos
descendentes são muito “concertadinhos” como dizem na terra da
minha mãe. E ela tem-lhes um amor de Perdigão Queiroga. Só lhes dá
mimo atrás de mimo e eles, como a Isabel pode imaginar, fazem dela o
que querem. Mas ainda não partiram vidros nem jarrões, que eu
saiba... pelo menos nenhum acusou o outro. São uma dupla de romance
juvenil.
Tenho
que largar o aparelho, pois o Sílvio já está nervoso esperando
entrar. Até salta sobre um pé e no outro. Já lhe indiquei que
devia ir fazer um xixi. Nestas coisas os homens não tem emenda. E
depois criticam-nos por irmos aos pares, se não em trios, para a
casa de banho que nos é reservada!
-
Maragato? E depois queixam-se de que lhes atribuímos a má fama de serem muito faladoras. Desmerecida? Então conseguiu saber
algumas coisas que nos coloquem os pesadelos na real? Do meu lado
quase nada. Nem sequer da Sé tive resposta ao meu pedido. Disseram
que o Sr. Bispo está muito ocupado com uma reunião de emergência,
em Fátima, condicionada por uma carta vinda de Roma, mais
concretamente escrita pelo Papa Francisco. Pelo que não me disseram,
mas insinuaram, ali se espera que se verifique uma refrega de
antologia, entre os progressistas e os mais irredutíveis
conservadores. Para já estes jogam no seu campo. Daí que se erguesse um silêncio sepulcral nos
contactos com os fiéis, especialmente os não comprometidos. Suponho
que jesuítas e franciscanos vigiam de perto aos do OPUS DEI.
E
o Amigo conseguiu abrir brecha na muralha de silêncio?
Sim
e não. Mas o suficiente para meter o nariz e ligar dicas de uns e
outros, pois já sabe que as opiniões de terceiros -tal como nós
construímos a nossa- tendem a magnificar o que sabem. Temos que
juntar as metades de cada um e ver como se encaixam. E a conclusão,
que não posso garantir estar certa, daquilo que me contaram é que
se não acertamos na mosca, pelo menos os nossos tiros entraram no
alvo. Ao lado, mas perto. Mas Cardoso, nos falta conhecer muitos
capítulos. Para já o pessoal que está na obra, e são algumas
dezenas, de várias especialidades, e cada um só pode ver um interlocutor, tem um horizonte propositadamente reduzido. A empreitada está dada a uma empresa de consultoria que deve
ser tão fantasma, ou indefinida, como muitas das que existem no
papel. Alguns conseguiram ver visitas de “patrões” mas não de
fiscais. Mas estes quase extraterrestres nunca dirigiram palavra directamente
a operários ou chefes de equipa. É assim que funciona.
Mesmo
assim, como eu já tinha um relacionamento anterior com algum do
pessoal intermédio, parece que o interior do edifício está a ser totalmente
remodelado; sem quase se aproveitar nada do anteriormente existente.
Pela descrição que me foi dada, se bem que não pude consultar
plantas nem alçados, aquilo se pretende que funcione como duas
unidades bem diferenciadas e sem corredores ou portas de ligação.
Tal como acontece nos navios de cruzeiro, onde o mundo do pessoal é
muito diferente daquilo que vão ver e usar os passageiros.
Por
eu ter andado por aí e entrado em muitos lugares pouco recomendados,
pelo menos para casais legalmente estabelecidos, fiz uma ideia do que
se está a preparar. Mas, cautela! Não aposto desta vez. Na semana
passada foi pura invenção, baseados na experiência concreta dos
acontecimentos de que, indirectamente fui vítima no Vale. Levei com
um murro nos queixos, por sorte figuradamente, que me custou muito a
suportar. E que ainda surge nos meus sonhos, ou melhor dizendo,
pesadelos.
- Oh José! Diga-me mais alguma
coisa. Pois fico com a impressão de que está a fazer caixinha. Que
guarda o melhor para si. E isto não está certo! Será que lhe
tenho que mandar uma contra-fé para que apresente na judiciária a
fim de prestar declarações? Ah Ah Ah!
-Tenha paciência e espere a que
possamos falar sossegadamente e sem testemunhas, nomeadamente das
esposas, porque aquilo que me parece estar por trás da obra,
coincide com o espírito sexual da fase anterior. Mas desta feita
modulado mais discretamente, e em conformidade com os hábitos já
criados na nossa sociedade, que com o accesso aos conteúdos da
internet já sabe coisas de mais, e querem experimentar aquilo que
nas suas casas não se atrevem a ter. Os homens, já deve saber,
desconhecem muito do que se bule nas cabeças das suas esposas. Em
geral sabem muito mais, mas mesmo muito mais, do que aquilo que os
seus pretensos malandrecos de maridos imaginam.
Por
vezes, mas raramente para meu gosto e curiosidade, a Isabel conta
algumas das conversas hiper-picantes que se ouvem nos seus salões.
Felizmente a maior parte das esposas mantém estas aventuras ao nível
de fantasia mental; Mas, de vez em quando, alguma salta para fora da carroça e o caldo entorna-se. O melhor que um marido pode fazer é manter
estes temas bastante longe; só no nível da insinuação, sem
confirmar. Vade retro, Satanás.
Quando
souber da possibilidade de nos encontrar, mesmo que sem ser em
refeição, ou sim, dé uma apitadela, e lá nos juntaremos.
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