E
DA BLASFÉMIA (com passagem directa para a fogueira)
Admito,
sem vergonha mortal, que a minha capacidade de arquivo acessível tem
diminuído fortemente nos últimos dez anos. Atendendo a este facto,
incontestável, decidi reler alguns
dos livros que tenho em casa, sabendo de antemão que já os li
alguns anos antes, mas que não sou capaz de os resumir por não os
recordar plenamente. Só ao longo da segunda leitura é que vai
aparecendo à tona algumas fases do argumento. Mas jamais consigo
recordar o desfecho.
Este
prelúdio, por assim o chamar, vem a propósito do que encontrei,
esquecido, no meio de uma obra escrita por EDUARDO MENDOZA, com o
título A assombrosa viagem de Pomponio Flato.
O
tema concreto, parcial, que me causou um impacto é onde debate
a dualidade
entre matéria e espírito.
A personagem que medita e tira conclusões acerca da da continuidade
das pessoas depois da morte corporal, baseando-se na ideia da
permanência da alma, admite que esta faceta espiritual é a que
comanda o corpo, que lhe proporciona a vida. Daí, prossegue no seu
raciocíneo, quando o corpo deixa de funcionar, a alma o abandona.
Então dizemos que a pessoa morreu mesmo, sem apelo nem agravo,
irremediavelmente. Morto
o cão terminou a raiva.
Pelo
contrário, quando o corpo dorme ou está inanimado por algum motivo,
ou seja, que perdeu o conhecimento, a alma fica
livre, temporariamente, e pode afastar-se para paragens
afastadas, tanto geográficamente como temporalmente. Para a alma,
livre e solta, não existem barreiras de qualquer espécie. Pode
lutar como um super-homem; enfrentarse a
seres mitológicos; ter prazeres físicos que jamais conseguiu
conscientemente; assim como cometer as mais reprováveis perversões.
Todavia
estas liberdades que aufere a alma, o espírito, dependem da vida
corporal. Mal a pessoa acorda, seja de um sonho reparador ou de uma
inconsciência, a alma regresa para
ser o fiel auxiliar do corpo, em conluio com o pensamento do
indivíduo.
Imaginar
que a alma continua activa depois da decomposição física do nosso
corpo equivale a aceitar que os deuses, ou o Deus único e
verdadeiro, insiste em castigar alma pela eternidade sem fim,
enquanto que o mais compreensível é que quando o corpo deixe de
existir a alma entre no merecido descanso.
Raciocíneos
deste teor devem ter orientado certos povos a mumificar os seus
defuntos, com a pretensão de que não se decompondo o corpo
conseguissem manter o espírito, a alma, activa. Sendo este o
propósito se entende porque juntavam à múmia alimentos e
pertences que pudesse utilizar na suas andanças incorpóreas.
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