No meio está a virtude
Nem
sempre aquilo que parece evidente numa mensagem clássica é só uma
das possíveis interpretações, e, pelo contrário, aquilo que mais
de imediato nos é sugerido pode ser o cerne do recado. A tradução
que apresento para a máxima latina é a mais socialmente correcta,
se a entendermos equivalente ao outro ditado de Nem tanto ao mar
nem tanto à terra. Nos propõe
fugir dos extremos, da ambição desmedida, ir para um equilíbrio
que satisfaça ambas partes.
Todavia,
a picardia da linguagem vulgar, interpreta literalmente onde se
guarda a virtude, concretamente das mulheres. Pelo contrário quando
são referidas mulheres de virtude, o léxico popular não se refere precisamente a mulheres que tenham um
comportamento virtuoso, sem mácula. Antes esse qualificativo se usa
para definir mulheres que se dedicam a más artes, a bruxedos e
outras acções que sendo reprováveis socialmente a mesma sociedade
aceita e até promove.
Uma
situação que pode ser ainda se mantenha vigente nas zonas rurais
mais esquecidas, e a de que estas mulheres a quem se atribuem poderes
ocultos, tanto para fornecer mezinhas de medicina popular como até,
em casos extremos podem facilitar abortos ou um fim de vida sem
sofrimento. Aquilo que se chamava de uma boa morte, que
na linguagem e costumes actuais se refere como aplicar a
eutanâsia. E quantos de nós,
se nos encontrássemos perto de um fim irremediável, sem
possibilidades de cura e perante o ter que padecer de um tempo
indefinido de sofrimento, não desejaria que alguém, fosse homem ou
mulher, médico ou curandeiro nos ajudasse a partir?
Outra
frase feita, que ouvi referir durante a minha juventude e que
desconheço se ainda perdura na linguagem coloquial, era: Deu-lhe
água de cú lavado. Que além
da rudeza de interpretação literal se pode entender como, para
conseguir prender um namorado, sempre houve e haverá, quem arrisque
a oferecer “o seu tesouro máximo”, não necessariamente através
de uma beberagem nojenta mas antes por facilitar, consentir, uma
apertura do tal meio onde se atribui residir a virtude, e praticar
aquele acto que, simpáticamente se pode definir como um
acto de amor.
E
numa sequência muito corrente podia -ou pode- acontecer que mesmo
sacrificando a virtude do meio, o fim pretendido não surgisse e o
parceiro se escapuliu depois de satisfeita a sua lubricidade. A
ex-virgem dizia, neste caso, que foi enganada a falsa fé, possivelmente com o uso da lábia traiçoeira do castigador que,
antes dela, já tinha conseguido resultados iguais com outras
convencidas do seu valor e capacidade de não vir a ter o mesmo destino das
anteriormente enganadas.
Esta
capacidade que alguns têm, e usam, para conseguir o que desejam
chama-se cantar a canção do bandido. Que, como é evidente,
aquele que tem o dom de convencer outro, usará a canção mais
apropriada em cada caso. Os membros da dita etnia cigana possuem
um repertório bastante extenso para convencer, enfeitiçar, quem se
coloque a jeito de os ouvir. O que se recomenda é que jamais lhes de
a mais mínima oportunidade de iniciarem o seu “canto”, pois que
uma vez ligada a fita é difícil interromper e escapar incólumes.
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