- Já
estamos entrando em Águeda. Foi um pequeno desvio, mas o encontro
já tinha sido anunciado. Tal como te disse demorarei pouco, pois só
tenho que falar com um industrial conhecido, que me mantêm ao
corrente das novidades referentes a novos interessados em se
instalarem aqui e nas empresas que, por diferentes mas repetidos
motivos, se viram empurradas a fechar a porta e colocar todo o
património -menos o que conseguiram sacar a tempo- nas mãos
da justiça e daí dos leiloeiros, que, caso não saibas, não se
destacam pela sua rectidão. Não me demoro.
- E agora, rumo a Mangualde. É perto. Aqui demorarei um pouco, mas chegaremos a Viseu a tempo de jantar e fazer Ó Ó, a falta de melhor? Deixo-te na zona comercial, e depois vou telefonarein para saber donde nos poderemos encontrar. Se tiveres tempo e disposição dava jeito que marcasses hotel, tal vez entre o Grão Vasco, no Palácio dos Mellos ou mesmo na Pousada Viseu, que fica no centro. Encontrarás as moradas e telefones na tua Tablet. Penso que podemos jantar no Bar Pub Viseu ou na Churrasqueira da
Cidreira. Eu para jantar não aprecio churrasco, a carne é pesada
para digerir; mas devem ter outros pratos.
Neste
momento foste contratada para ser a minha secretária pessoal.
Chegamos,
queres que saia para te abrir a porta ou serves-te directamente? É
que se as coisas fiarem ao clássico terei que comprar um boné de
pala. Até já, com ou sem beijinho.
- Este
José por vezes não sei se está a falar a sério ou a brincar, sem
chegar à tentativa de gozar, pois sabe que eu neste género de
abordagens fico com o nariz torcido. E, sinceramente, não tenho
vontade nenhuma de atritos por palermices. Já bastará no dia em que
surjam problemas sérios. Dizem que são inevitáveis, garantidos.
Mas também afirmam que sarilhos grandes, além de ser o nome de uma
terra, só crescem quando os dois estão com vontade disso, e eu
gosto de contar até dez. E se não chega vou aos vinte ou cinquenta,
antes de virar costas e deixar o leite ao lume até entornar.
Tal
como disse, as minhas compras eram poucas, mas mesmo assim já enchi
duas bolsas e deixei uns euros que não estavam previstos. Vou
“exigir” ser devidamente compensada, em numerário! E antes de
entrar num local vou ligar ao “meu querido esposo” para saber se
está já a caminho ou tenho que aguardar. São uns quinze minutos,
se acreditar no que me disse. Tenho tempo de tomar uma meia de café
com leite e fazer os telefonemas que me indicou.
Por vezes penso ou tento adivinhar, sem me esforçar porque é um tema penoso, acerca de quanto durará esta nossa união oficial. Na sociedade onde nos movemos proliferam as separações e mesmo divócios, sem contar com os desfechos mais violentos e fatais. Não me atrevo a por esta questão durante mais do que uns escassos segundos. A não ser assim sei que não conseguiria dormir tranquila, e muito menos fazer amor como Zé. Conheço um casal -que felizmente deixaram de estar na minha órbita- em que a esposa, quando o marido estava numa das crises mentais que lhe afloravam com demasiada frequência, ela deitava-se na cama de casal, e dizia que dormia, com a tábua de cortar carne por cima do peito, em precaução de que ele tentasse espetar-lhe um facalhão. Acredidto no conceito de que cada caso é um caso; mas eu não imagino que aguentasse uma situação deste teor.
- Estás
perto do centro? Marquei dormida na tal Pousada Viseu, que me dizem
estar quase ao virar da esquina. Quanto a mim, arrumas o carro num
local perto e seguro, caso nesta pousada não tenham garagem
reservada. Não me lembrei de perguntar isso. Eu estarei no “ólio”
ou no quarto para verter águas e retocar a fachada. A reserva está
em nome do Dr. Maragato, e a menina do balcão já me informou que te
conhece, como cliente mais ou menos habitual. Não lhe perguntei,
porque não me interessava saber a resposta, se vinhas sempre só ou
trazias companhia. Mesmo assim pedi o melhor quarto que estivesse
disponível, e “com vista para o mar” ou seja, para a frente,
para a cidade e não para as traseiras com estendais.
Este
pequeno e insignificante pormenor já o colocarei directamente. E não
te aconselho que pretendas enganar-me, pois a “piquena” das
pestanas rimeladas, pálpebras multicoloridas e lábios desenhados,
atreveu-se a mostrar um sorrisinho malandreco, de pretensa
cumplicidade delatora, que fingi não ver. Até certo ponto sou
adepta da teoria de que depois de lavado fica como novo. Não
demores, que tenho apetite para comer a sério.
Depois de jantar
gostaria de dar um pequeno passeio pelo centro, mesmo que naquela
hora o mais normal seja que esteja quase deserto, a não ser alguns
grupos de jovens estudantes e algum noctívago desirmanado. Mesmo
assim vale a pena ver as fachadas das casas que permanecem dos tempos
passados, e que não se podem apreciar, porque não existem, nos
bairros modernos. São estas ruas e estas casas que, como sabes, dão
o carácter às terras, e não as avenidas e caixotes com muitos
andares.
- És uma secretária
exemplar. Só faltaria que “dormisses” com o chefe. Ah! Desculpa,
isso já foi ultrapassado com a cumplicidade do notário. Mas tem
outro sabor. Deixou de ser uma transgressão e passou a ser um
direito partilhado, de um amor fingido, mais carnal do que o dum
cardeal, estamos no amor carinhoso do casal. É muito melhor. Sem
comparação. Mas isso não impede de que o bicho-homem, sempre
vítima dos instintos, brancos, roses ou mulatas, para se manter
fisicamente fiel e digno necessita de lutar e olhar pouco, de
preferência para o lado.
- Louco e iludido. É o que tu és. Pensas
que as mulheres não pecamos? Que não temos olhos sagazes e que as
nossas vaginas não se humectam? Ou não paras a pensar que os ditos
cornos não crescem pela graça de Deus, tal como lhe aconteceu a
José? Se dizeis que as mulheres somos vaidosas é porque esquecem
como são os homens que querem estar activos. Comportam-se como
pavões, mas sem a graça dos galos, pois estes além da fachada, das
vestes, tem uma agressividade e potencia sexual que só os reis das
manadas podem igualar. O melhor é deixarmos este tema, pois ainda
nos pode azedar sem necessidade.
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