Fui
apresentar queixa na GNR
Constança
manteve ao logo dos anos alguns preconceitos e costumes que eu sempre
atribuí à sua longa estadia naquele colégio, anexo ao convento de
freiras carmelitas descalças. As quais freiras eu sempre vi com
sapatos, ou sandálias quando o tempo não era excessivamente frio.
Suponho que quando deitadas a descansar então sim que deviam estar
descalças de pé e perna, ou com peúgas de lã no inverno.
Sendo
correcto posso afirmar que Constança não ficou com o hábito de
assistir a missas por tudo e por nada. Não se comportou, depois de
casada, como uma beata convicta. Antes afirmo que se adaptou bastante
ao meu ateísmo militante, sem que eu a obrigasse ou nem sequer
insinuasse, que devia deixar de lado a beatice. Pelo contrário,
insisti muitas vezes em que devia assistir ao serviço dominical e
que, caso assim desejasse, eu até a acompanharia, apesar de só
fazer figura presencial.
O
mesmo não aconteceu quanto ao seu acanhamento ou timidez,
nomeadamente no que se refere ao pudor excessivo que sentia quanto à
exposição do seu corpo, ou de fugir de me ver nu. Esta sua atitude
quando já éramos um casal encartado, causou-me uma certa
estranheza. Não esperava tanto retraimento. Como deve ser habitual,
nas manobras de namoro fiz vários e reiterados avanços. Alguns
mesmo muito atrevidos e de nível abusivo, por não respeitar como
merecia a namorada. Mesmo quando já comprometidos a casar. Mas eram
consentidos da sua parte. Se calhar rezava pedindo perdão a Deus ou
à Virgem (mas não muito) Maria.
Constança
deu sempre muita importância à cerimónia da boda religiosa, ao
vestido branco de noiva, ao véu e ao ramalhete com flor de
laranjeira. De nada serviu a minha insistência em lhe dizer que
practicanente todas as noivas estavam fartas de fornicar antes deste
passo social. Fingia que não ouvia. Eu dizia, para mim, que ela
fechava os ouvidos como fazem as focas quando mergulham.
Recordo
a camisa de noite da primeira noite! Foi costurada no atelier do
convento,o mesmo que se encarregou das peças brancas do seu enxoval.
Já podem imaginar... com gola fechada quase até o pescoço e
comprimento até os pés; de linho!, mais fria do que gelo. Numa
época em que as montras de roupas interiores de senhora já
mostravam peças quase minúsculas e sempre ousadas, fossem de seda
ou das primeiras fibras sintéticas. Provocantes como deviam ser para
incitar o parceiro. Um fiasco, uma desilusão, que não atingiu o
cúmulo porque coincidiu com a chegada do período. Ou seja:
juntou-se a fome com a vontade de comer!
Se
não fosse que eu a amava como pessoa, e que assim continuei até o
dia da sua morte, e mesmo depois num até certo modo prolongado luto.
Caso o incentivo para casar fosse exclusivamente o sexo, naquele
mesmo dia eu teria saído para comprar tabaco e nunca mais teria
aparecido. Ai amor a quanto obrigas!
O
ambiente levou muito tempo a melhorar, mesmo depois da lua de mel. É
que Constança manteve a sua adversão a que a visse nua, e muito
mais em tomar posses atrevidas, por mais que eu pedisse, rogasse até.
Uma relutância que manteve practicamente até o fim da vida, apesar
de termos gerado dois filhos vivos e um morto, sem a ajuda de nenhum
anjo ou arcanjo, a mando do Criador. Nem vale a pena referir que as
tentativas de executar variantes na acoplagem foram sempre
rejeitadas.
Quase
que dava a ideia de que conhecia o kamasutra de cor e
salteado, pois logo que eu iniciava os prelúdios, levava com os pés
e eu ficava com a noção de ser um miserável, um devasso! E de
imediato pensava: Foi para isso que casei? Só para o missionário?
Convence-la a cavalgar foi uma tarefa épica. Uma lança em África
! Nem gosto de lembrar as
centenas de vezes em que, frustrado com a minha vida de casado, tive
que bater uma punheta. Eu, que pensava que esta manipulação
terminaria quando casasse! Farto de sexo manual confesso que algumas
vezes; nãomuitas, mas bastantes, aproveitei viagens de trabalho para
desovar com algumas das minhas anteriores conquistas. Que, em geral,
continuaram sendo amigas e prestáveis. É que nisso das conquistas
não me dei demasiado mal...
Excepto
estes pormenores de índole erótica a Constança foi uma esposa
exemplar, meiga, educada, boa mãe (até em excesso), sempre
com a atenção centrada nos filhos, e só depois o marido (eu) Sorte
a minha não termos tido um cãozinho daqueles que passam o dia ao
colo da dona, pois até o animal estaria à minha frente, com metros
de vantagem! Fora destes insignificantes capítulos reitero que
Constança foi uma excelente esposa. E quem pode provar o contrário?
Chega
de palermices. Enquanto pensava nestas inutilidades já ultrapassadas
fui em direcção ao posto da GNR, onde fui atendido pelo oficial de
serviço, que ao ouvir a minha pretensão de denúncia me olhou com
ar entre de gozo e espanto. E disse: mas isto já aconteceu umas
semanas atrás, pelo menos a do cadáver mal enterrado. E só agora é
que o Senhor se lembrou de fazer queixa por escrito?
Tem
razão, Senhor Oficial (provavelmente
um cabo...), mas aconteceu que estas invasões, quase que
tão desastrosas quanto foram as napoleónicas (de
vez em quando saem-me umas arrancadas espatafúrdias. E eu gosto
tanto.. . Gozo mais do que um tonto com um chupa-chupa) Tem
toda a razão, devia ter vindo de imediato, mas eu, mesmo que
veterano de algumas guerras, fiquei desorientado e alem disso tive
que fazer algumas deslocações que me afastaram deste vosso posto.
Mesmo assim agradecia que desse entrada à minha queixa ou denúncia
e, se for possível, me facilitasse uma cópia do documento. Pode vir
a fazer falta mais adiante. Quem sabe?
Cumprida
esta gestão vou ver se consigo incitar o Presidente Aníbal Medeiros
para que me acompanhe, juntamente com o feitor dos meus terrenos o
Ernesto Garrapato, ao local donde plantaram os
cadáveres, caso esteja livre, mesmo com guarda. Pretendo marcar que
continuamos a ser os proprietários e, ao mesmo tempo mostrar que não
temos medo dos desconhecidos. É possível que por lá encontremos
pessoas rondando, que tanto podem ser naturais da zona como
desconhecidos que são incitados pelo cheiro da morte, pois estes
sucessos geram muita curiosidade. Ouvir os comentários, mesmo os
disparates, até pode ser útil.
Segue
no cap. LV
Encontro
com o Presidente da Junta
Sem comentários:
Enviar um comentário