domingo, 13 de maio de 2018

CRÓNICAS DO VALE - cap. 56




    - Senhor Ernesto, onde lhe calha melhor que o deixe?
    - Se puder ser ficarei ao pé da adega. Tenho umas coisas para arrumar e também deixei ali a minha motoreta, que utilizo para as voltas mais próximas. Em tempos, sendo eu mais novo e sem as artroses que me consomem, cheguei a ir até Lisboa com ela. E antes de ter esta velharia,naquela altura nova a estrear, até fui à capital de bicicleta, naquelas estradas nacionais que hoje poucos usam. Eram menos os carros e camionetes, e andavam mais vagarosos e muitas bermas estavam descarnadas; era uma aventura arriscada tanto com ciclomotor com na pedaleira. Hoje nem sei como me atrevi a tanto e como fui e voltei inteiro, numa peça.

  • - Pois aqui o deixo, mas eu levo o Sr. Presidente da Junta até casa ou mesmo à Junta, onde ele preferir. Até já ou até amanhã.

  • Antes de mais, Senhor Presidente, e sem testemunhas, agradeço a sua companhia e gostaria de tomar um café para dar à língua, no sitio que lhe pareça adequado.
    - Podemos rumar para aquele café que está à beira da estrada para a Vila e onde só param madeireiros e caçadores, quando podem caçar! A estas horas deve estar deserto. Ali há um canto, afastado do balcão e da porta que é bom para conversar. Eu tratarei de fazer o pedido. Como gosta do café? Eu peço sempre bica cheia.

  • - Terão que ser duas.... Pois os PJ, dada a deslocação de forças devem ter reagido de imediato, com alarme bem fundado, ao receberem a descrição sumária da GNR do que e como encontraram este segundo cadáver. Não lhe parece Amigo Medeiros?

  • - Com certeza. Quando ouviram da língua cortada, da castração e dos sinais de tortura, em Coimbra devem ter saltado todos os alarmes. Se o primeiro morto podia ser atribuído, levianamente pelo que se seguiu, a um desencontro entre homo-sexuais e outros elementos do mesmo entorno, agora as coisas ficaram muito mais bicudas, assanhadas. Por isso não admira que o inspector Cardoso se mantenha em reserva.

  • Isso já deve ter ultrapassado a delegação de Coimbra, e julgo que tanto de Lisboa como do Porto já estarão procurando a forma de descobrir os culpados directos e, se não me engano, manter resguardadas as personalidades que habitualmente se movem na sombra nestes “festivais de droga e sexo sem regras”. Ordens superiores, chamam a estas cautelas.

  • - Pois eu, em linhas gerais, formei uma ideia muito semelhante, quase coincidente. A principal diferença estava no imaginar odeia, possívelmente erradamente, que a malandragem nacional não se atreveria a tais atrocidades. Considero serem mais imediatistas, mais no género domeia bola e força!
    Imagino que por aí é capaz de andarem gentes do Leste Europeu, que não conheço nem tenho interesse em conhecer, mas que diz-se dominam quase por completo o tráfego das drogas duras e das mulheres loiras e esbeltas que eles traficam como se fossem peças de gado. E, acreditando nos boatos, estes acontecimentos estiveram ligados a uma festa rija deste calibre.
   - Tem graça, a Noémia, que passa o dia lendo romances policiais e vendo as séries de crimes na televisão por cabo, logo que a mulher que vai ajudar na lida da casa lhe fez o relato do que se dizia acerca deste segundo morto, mais pendurado do que enforcado, pensou logo nesta possibilidade e assim me vendeu o seu juízo. Estou a ver que a minha esposa faria uma boa dupla consigo, amigo Maragato.


   
    - Não fico admirado. Sei que as mulheres tem uma mente mais fértil do que a nossa. E são mais atrevidas quando abrem a caixa de Pandora. A que tenho em casa, a Luísa, se a colocasse à par da sua Noémia, despachariam este problema em pouco tempo, sem necessidade de interrogatórios nem tantos especialistas. Ah! e sem escreverem relatórios! Tudo verbal, de viva voz e alguma gesticulação.
E já é tempo de o deixar no seus afazeres, mas antes tenho que lhe agradecer a companhia e o tempo que me dedicou. Vou para casa, e peço que transmita os meus cumprimentos à Dona Noémia. Até lhe pode dizer que imaginamos a mesma participação de estrangeiros . Até breve, Amigo Presidente.


    - Finalmente apareces! Tenho aguardado no alpendre horas a fio porque tenho um recado para ti. Telefonou o Dr. Cardoso, o da Judiciária, dizendo que necessita ter uma conversa contigo. Informal acrescentou ele, juntando que não me preocupasse. Mas era um tema reservado e por isso preferia um encontro na nossa casa em vez de te solicitar a comparência na delegação de Coimbra. Pensa passar por cá a meio da manhã.
       
  • - O recado está dado e entendido. Mas por agora já me chega deste assunto. Só te peço que amanhã, pelo sim pelo não, tenhas um almoço preparado para três, nós dois e o inspector como convidado, informal.
Agora gostaria de ouvir das tuas andanças e decisões como empresária. Fala-me dos teus salões e das tuas funcionárias, e se já tens novos projectos nesta tua cabeça. E jantar os dois em sossego, tomar um café e digestivo na sala, com a TV ligada ou não, pois prefiro uma música suave e quase inaudível para nos acompanhar, até chegar o João Pestana. Está de acordo?

  • Eu? Se soubesses quanto anseio por ter um serão a dois!! Estávamos mais tempo na companhia um do outro antes de casar do que agora. Parece que fiquei a perder com esta legalização! Anda, não amues!Mereces uma beijoca de língua. Espero ter mais ocasiões de calma e sossego entre os dois. Por enquanto temos andado numa roda viva, sem um descanso capaz. Já estava cansada e desanimada.

Segue no capítulo LVII

encontro com o Dr. Cardoso



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