-
Senhor Ernesto, onde lhe calha melhor que o deixe?
- - Pois aqui o deixo, mas eu levo o Sr. Presidente da Junta até casa ou mesmo à Junta, onde ele preferir. Até já ou até amanhã.
- Antes de mais, Senhor Presidente, e sem testemunhas, agradeço a sua companhia e gostaria de tomar um café para dar à língua, no sitio que lhe pareça adequado.
-
Se puder ser ficarei ao pé da adega. Tenho umas coisas para arrumar
e também deixei ali a minha motoreta, que utilizo para as voltas
mais próximas. Em tempos, sendo eu mais novo e sem as artroses que
me consomem, cheguei a ir até Lisboa com ela. E antes de ter esta
velharia,naquela altura nova a estrear, até fui à capital de
bicicleta, naquelas estradas nacionais que hoje poucos usam. Eram
menos os carros e camionetes, e andavam mais vagarosos e muitas
bermas estavam descarnadas; era uma aventura arriscada tanto com
ciclomotor com na pedaleira. Hoje nem sei como me atrevi a tanto e
como fui e voltei inteiro, numa peça.
- - Terão que ser duas.... Pois os PJ, dada a deslocação de forças devem ter reagido de imediato, com alarme bem fundado, ao receberem a descrição sumária da GNR do que e como encontraram este segundo cadáver. Não lhe parece Amigo Medeiros?
- - Com certeza. Quando ouviram da língua cortada, da castração e dos sinais de tortura, em Coimbra devem ter saltado todos os alarmes. Se o primeiro morto podia ser atribuído, levianamente pelo que se seguiu, a um desencontro entre homo-sexuais e outros elementos do mesmo entorno, agora as coisas ficaram muito mais bicudas, assanhadas. Por isso não admira que o inspector Cardoso se mantenha em reserva.
- Isso já deve ter ultrapassado a delegação de Coimbra, e julgo que tanto de Lisboa como do Porto já estarão procurando a forma de descobrir os culpados directos e, se não me engano, manter resguardadas as personalidades que habitualmente se movem na sombra nestes “festivais de droga e sexo sem regras”. Ordens superiores, chamam a estas cautelas.
- - Pois eu, em linhas gerais, formei uma ideia muito semelhante, quase coincidente. A principal diferença estava no imaginar odeia, possívelmente erradamente, que a malandragem nacional não se atreveria a tais atrocidades. Considero serem mais imediatistas, mais no género do- meia bola e força!
-
Podemos rumar para aquele café que está à beira da estrada para a
Vila e onde só param madeireiros e caçadores, quando podem caçar!
A estas horas deve estar deserto. Ali há um canto, afastado do
balcão e da porta que é bom para conversar. Eu tratarei de fazer o
pedido. Como gosta do café? Eu peço sempre bica cheia.
Imagino que por aí é capaz de
andarem gentes do Leste Europeu, que não conheço nem tenho
interesse em conhecer, mas que diz-se dominam quase por completo o
tráfego das drogas duras e das mulheres loiras e esbeltas que eles
traficam como se fossem peças de gado. E, acreditando nos boatos, estes acontecimentos estiveram ligados a uma festa rija deste calibre.
- Tem graça, a Noémia, que passa o
dia lendo romances policiais e vendo as séries de crimes na televisão por cabo, logo que a mulher que vai ajudar na lida da casa lhe fez o relato do que se dizia acerca deste segundo morto, mais pendurado do que enforcado, pensou logo nesta possibilidade e assim me vendeu o seu juízo. Estou a ver que a minha esposa faria uma boa dupla consigo, amigo Maragato.
- Não fico admirado. Sei que as
mulheres tem uma mente mais fértil do que a nossa. E são mais
atrevidas quando abrem a caixa de Pandora. A que tenho em casa, a
Luísa, se a colocasse à par da sua Noémia, despachariam este
problema em pouco tempo, sem necessidade de interrogatórios nem
tantos especialistas. Ah! e sem escreverem relatórios! Tudo verbal,
de viva voz e alguma gesticulação.
E já é tempo de o deixar no seus
afazeres, mas antes tenho que lhe agradecer a companhia e o tempo que
me dedicou. Vou para casa, e peço que transmita os meus cumprimentos
à Dona Noémia. Até lhe pode dizer que imaginamos a mesma
participação de estrangeiros . Até breve, Amigo Presidente.
- - O recado está dado e entendido. Mas por agora já me chega deste assunto. Só te peço que amanhã, pelo sim pelo não, tenhas um almoço preparado para três, nós dois e o inspector como convidado, informal.
- Finalmente apareces! Tenho
aguardado no alpendre horas a fio porque tenho um recado para ti.
Telefonou o Dr. Cardoso, o da Judiciária, dizendo que necessita ter
uma conversa contigo. Informal acrescentou ele, juntando que não me
preocupasse. Mas era um tema reservado e por isso preferia um
encontro na nossa casa em vez de te solicitar a comparência na
delegação de Coimbra. Pensa passar por cá a meio da manhã.
Agora gostaria de ouvir das tuas
andanças e decisões como empresária. Fala-me dos teus salões e
das tuas funcionárias, e se já tens novos projectos nesta tua
cabeça. E jantar os dois em sossego, tomar um café e digestivo na
sala, com a TV ligada ou não, pois prefiro uma música suave e quase
inaudível para nos acompanhar, até chegar o João Pestana. Está de
acordo?
- Eu? Se soubesses quanto anseio por ter um serão a dois!! Estávamos mais tempo na companhia um do outro antes de casar do que agora. Parece que fiquei a perder com esta legalização! Anda, não amues!Mereces uma beijoca de língua. Espero ter mais ocasiões de calma e sossego entre os dois. Por enquanto temos andado numa roda viva, sem um descanso capaz. Já estava cansada e desanimada.
Segue no capítulo LVII
encontro
com o Dr. Cardoso
Sem comentários:
Enviar um comentário