terça-feira, 8 de maio de 2018

CRÓNICAS DO VALE – cap. 52



Confidências muito reservadas

- Zé, sabia antes de casarmos, não só por experiência contigo mas também pela fama que arrastavas atrás de ti, que eras um bode, um fauno insaciável. Mas, homem, tudo o que é demais é moléstia, tem um pouco de senso e recorda os anos que já te deviam pesar, pelo menos em teres mais contenção quanto aos instinto machistas acerbados -e quem diz tinto, pode referir branco, palhete ou espumoso, tanto faz dar-lhe na cabeça como na cabeça lhe dar- Procura ter mais calma, pois estás a exigir de mais dos meus interiores. VAIS DAR CABO DE MIM! É que se estou por perto não te contentas com uma, duas, nem três! E se estiver menos vestida, por assim dizer, então não escapo do tratamento,nem que seja no meio do corredor, contra a parede!

Compreende que uma mulher gosta de ser desejada, mas tudo tem o seu peso e medida. Com a falecida Constança também te comportavas assim?

Luísa, querida, deve ser o impulso do corpo para aproveitar a capacidade sexual enquanto posso. Mas com esta desculpa esfarrapada não te convenço minimamente, pois a bem da verdade tenho que reconhecer que desde a adolescência sempre andei louco pelas saias, ou mais concretamente, pelo paraíso que existia debaixo delas. Não te contarei as minhas aventuras “galantes” em idade de rapaz, tanto na Guarda como em Coimbra. Teria que fazer um esforço titânico para colocar os factos numa ordem cronológica minimamente correcta.Só te digo que seja pela figura ou pelocomportamento galante e respeitador que sempre mantive com qualquer rapariga ou mulher, viesse ela de onde fosse e pertencesse a qualquer estrato social, quando as queria galar todas eram peixe para apanhar na minha rede. Jamais me servi de uma prostituta. Foram sempre borlas consentidas e até desejadas. Mesmo depois de casado mantive esta atitude, e não me arrependo.

Mas não fujo à tua seta envenenada, em que colocaste a Constança na berlinda (1). Penso que unindo alguns comentários soltos deves ter feito uma composição de como a falecida esposa entrou neste País quando o seu pai, Serafim de Sousa decidiu deixar o Brasil, vendendo todos os seus bens e trazendo com ele, para a terra onde nasceu, ou melhor para Coimbra pois de trás-os-montes não tinha saudades.

Vinha acompanhado da sua filha, ainda uma criança do poucos anos, cuja mãe faleceu pouco depois do parto e a filha foi criada por uma ama, preta retinta, que o Serafim tinha engravidado. Diz-se que propositadamente sabendo da fraca resistência da esposa. A Constança nunca referiu que tinha um irmão no Brasil, de leite e de pai. São coisas incómodas que convêm esquecer, nem sequer citar.

Em chegando a Coimbra e no intuito de acompanhar o conservadorismo que, logo ao chegar, verificou que existia no sei da elite conimbricense, nomeadamente pelo núcleo fechado a sete chaves que lá existia, onde só uns tantos velhos fidalgos ou novos ricos já instruídos, gastadores e com filhos para casar (filhas solteiras era o que sobrava!) é que mereciam um abrir de portas naquele núcleo tão exclusivo e fechado a sete chaves que existia naquela cidade.

Serafim de Sousa, que sempre foi lesto como uma gineta (também conhecido como gato bravo) travestiu-se rapidamente num seguidor convicto e rigoroso dos preceitos da Igreja Católico, esquecendo o facto de ser elemento graduado da Loja Maçónica da Baía. Pensou, e bem, que mais adiante poderia bater à porta de uma loja de Portugal. De preferência aquela que lhe fosse referida como sendo a mais importante no centro do Pais. Para não perder tempo solicitou (apoiado numa “esmola”) a sua entrada, como membro activo, na confraria do Sagrado Coração de Jesus, que foi a que lhe recomendou o Sr. Bispo quando lhe foi apresentar os seus cumprimentos após ter regressado do Brasil. Tal como Serafim dizia entre dentes, para os seus botões do gilé (peça do terno que corresponde ao hoje denominado colete, já em desuso), Não basta viver, é preciso saber viver!

E assim a Constança, criança que falava em brasileiro, foi separada dos braços da sua ama e entregue à Madre Superiora do Convento. A tal ama de leite, -com café sempre eu disse- ficou na casa do Sousa recluída na cozinha como ajudante, e com autorização de subir até o leito do patrão quando ele a requisitasse. Não tardou em morrer de tristeza e saudade. Foi enterrada no talhão dos indigentes, sem identificar.

Constança foi educada nas regras, rígidas, das Carmelitas. Ali aprendeu a bordar, tocar piano, uns rudimentos de pintura e francês, além de papaguear o castelhano com que as irmãs falavam entre si. Nunca perdeu o lindo cantar da fala brasileira. Ali atingiu a puberdade, o passar ao estatuto de mulher pretensamente fértil. Já então o colégio conseguiu a autorização para leccionar o primeiro e segundo ciclos do liceu. Constança, quase que abandonada pelo pai, mas com as mesadas religiosamente pagas, continuou naquela quase reclusão.

As únicas saídas consentidas, por falta de familiares que a procurassem, eram as idas à igreja, a Sé principalmente, as vistas múltiplas a templos na Semana Santa e uns poucos passeios, para a colina da saudade, choupal e pouco mais. E sempre acompanhadas e vigiadas pelas freiras mais velhas, permanente de olhos postos não só nas alunas a seu cuidado mas, principalmente, no comportamento das noviças, pois sabiam que estas, tendo o sangue ainda quente, desviavam o olhar para o cruzar com o dos estudantes, que como moscardos sempre rondavam estas colunas de meninas. Já foram várias as noviças, que entraram empurradas pelas famílias e curas, que chegadas à cidade se escaparam com algum estudante. Alguma casou, e outras ficaram por aí, até com filhos nos braços...

Eu era um destes fardados de capa e batina, como os seminaristas, que andava à caça. Ali havia peças muito apetecíveis e alguns dos colegas tinham conseguido resgatar alguma menina. Se outros tinham sucesso eu também o teria! Além de seguir os passeios higiénicos, um local bom donde estender as redes era nos templos. Procurava ficar na fila seguinte ao do grupo, e não tardei em fixar os olhos naquela moça tão diferente, que vim a saber se chamava Constança. Não tardou em nos tornar espertos nas trocas de mensagens; fossem papelinhos ou olhares com pálpebras meio fechadas, para disfarçar.

Segue no capítulo LIII


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