terça-feira, 15 de maio de 2018

CRÓNICAS DO VALE – cap. 43


Um almoço de trabalho

Cavalheiros, podem avançar para a sala de jantar? A mesa está preparada e na cozinha já aguardam ordem de marcha. Ainda tem tempo de visitar e usar as instalações sanitárias.Cá estamos

Cá estamos, e da minha parte com algum apetite. E não é porque chegue ai o cheiron vindoda cozinha.

- Sentem-se. O Dr., se não se importa, à minha direita e a Luísa à esquerda. Passo a palavra à dona da casa.

- Em primeiro lugar peço aos cavalheiros que protejam as suas vestes com estes enormes guardanapos que estão sobre o prato. Os molhos não respeitam nada nem ninguém, e eu não gostaria de deixarbsairvdesta casa umconvidado enfeitado com uma "medalha" indiscreta. Do José nãodigo nada, pois nuns dias é sumamente cuidadoso e noutros... não digo

- E a seguir uma pertinente nota prévia: quando nos surgiu, ontem, a hipótese de ter um almoço, civil por assim dizer, tive que matutar o menu. Aliás todos os dias combino o almoço e jantar com o nosso braço direito, a governanta que herdei da falecida sogra e depois da precedente esposa. Depois de umas hipóteses a selecção ficou restrita a um ligeiro consome , ou preferentemente uma canja tradicional, mas pouco encorpada. E depois socorrer-nos da capoeira onde a Idalina cria, à maneira tradicional rejeitando farinhas industriais, coelhos, frangos, galinhas poedeiras e algum peru para o Natal ou Ano Novo. Em chegando a este ponto ficamos no meio de um dilema: preparar um fricassé ou uma cabidela, em denominação mais rafiné frango à bordalesa, Por saber que há pessoas que nem sequer podem olhar para um prato onde impere o sangue, mesmo que cozido e negro, ,como é o caso da lampreia, optei pelo fricassé, com o qual o saber e experiência da Idalina nunca falhou.

Agora entrará a terrina e depois, sem demora, a travessa. Cada um se sirva, e repita se agradar. A selecção de bebidas esteve a cargo do José Maragato, aqui presente.

Findo este breve repasto, incluindo o arroz doce de sobremesa e umas peças de fruta, vai entrar o café. E eu vou deixar os cavalheiros, pedindo que desculpem esta ousadia, mas tenho uns compromissos profissionais na Vila e em Aveiro, que não posso descurar. Já sabem, o trabalho e a responsabilidade obrigam.

- Sentiremos a sua falta, Senhora Luísa. Mas tampouco demorarei entre o café e um cigarro. Tenho horário livre, mas tal não impede de que o peso das obrigações se sinta. Uma boa viagem e até outro dia. Obrigada, assim espero. Especialmente que passem depressa estas núvens negras.

- Doutor Cardoso. Se me puder dispensar uns minutos ficaria sumamente grato. É que há um capítulo neste problema que creio deixei de lado. Mas é muito provável que o seu serviço se tenham debruçado nele. Interrogo-me acerca do porque estes simpáticos assassinos decidiram deixar as suas vítimas nas minhas terras? Tem que existir uma razão, qualquer coisa que os empurrasse até aqui. E não tenho a certeza de ter deduzido nada credível. Por outro lado, a partir dos boatos e até do que o Ortega me disse, parece que, de facto, o local onde ocorreram os crimes não foi aqui perto. Existe a hipótese de que esteja situado a norte do Buçaco E existindo naquelas matas serranas muitos locais  idóneos para fazer desaparecer corpos. Em vez disso meteram,emdias diferentes, cadáveres em viaturas, deslocaram-se por distâncias de quilometros, arriscando-se a ser parados por uma patrulha da Guarda, para mos oferecrem de prenda.

A única ligação que posso coneber é a visita daquele estranho agente imobbiliário que disse ter um cliente interessado em adquirir uma propriedade com as características da nossa (?) Para já este prédio rústico, incluída a mansão, é mais dos meus filhos do que meu. mas deixemos isso. Este sujeito não se identificou correctamente; não deixou um cartão, nem um endereço ou umtelefone. Nada de nada. E não especificou para que desejavam adquirir este "mono". Logo a seguir, passados poucos dias, nos deixaram um cadáver mal enterrado. Será coincidência? não acrediro em coincidências tão evidentes. Mas não tenho os meios da Judiciária para tentar descortinar o que está por trás disto tudo. E ando nervoso, intranquilo, com esta situação, daí que me atreva a pedir a sua opinião. dentro doslimites do processo, bem entendido. 

- Amigo Maragato. Inicialmente tanto eu como os meus colegas e ajudantes  também ficamos  desnorteados com esta proposta de compra. Confesso que não lhe demos muita importância. Já com a descoberta do falso enforcado as coisas mudaram muito de importância. Foi decidida uma equipa mais numerosa, com colegas de Lisboa e Porto, de diversos serviços especiais. Rápidamente chegamos, tal como fez o Maragato, à possibilidade de existir uma ligação entre os assassinatos e a misteriosa proposta de compra. Uma dupla de crimes violentos forçosamente deveria levar a uma desvalorização da propriedade. O mercado imobiliário é muito rápido nas subidas e descidas dos preços. E isso dava uma boa oportunidadepara os interesse sde alguém, ou de um grupo, que então intuíamos mas desconheciamos.

Hoje já se identificaram algumas peças deste grupo nacional. Que não lhe posso revelar pois que recebemos ordens, restritas e severas, de que ficasse num dossier altamente reservado. Pelo menos até nova ordem. Conhecendo o Maragato sei que sabe da existência de poderes ocultos da alta política e da alta finança. Só deixam passar para a opinião pública umas páginas, escolhidas, ao jeito das Selecções, e que se possam neutralizar em pouco tempo.

Também soubemos quem era este agente de compra-venda. Nem sequer era isso. Trata-se dum funcionário de meia importância que um graúdo utiliza como mandarete. Não creio que volte a aparecer por aí. Mas, quando as águas amainarem é possível que venha outra proposta, possivelmente através de uma dama ainda jovem, atraente, bem vestida e bem falante. Preparem-se!

Caso o grupo mantenha o esquema de ter uma segunda casa de festas, mesmo que inicialmente com outros moldes, posso alvitrar que um local, reservado e fora de portas, agradável e com espaço suficiente, incluída a adega para resguardar viaturas de olhares indiscretos, poderia ser visto como adequado a um casino clandestino, onde uma clientela seleccionada possa jogar forte e ter uns momentos de lazer, digamos carnal. Mas menos badalhoco do nível em que já tinha degenerado no tal local que, insisto, não lhe posso identificar. Nem sequer confirmar aquilo que diz saber de fonte credível.

E agora tenho que voltar à base. Tudo isto que aí fiz é trabalho, e o trocar impressões ajudou a clarificar o ambiente. Pensar a dois é melhor do que magicar a sós. E até preferível a estar numa mesa com muitas opiniões diferentes e sobrepostas. Todavia, o relatório desta visita será muito sumário; muita coisa do que falamos só ficará na nossa memória.

Próximo capítulo LIX

O que mais pode acontecer?



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