PAIXÕES
IMAGINADAS
Especular,
sem ter uma base sólida onde me apoiar, é um atrevimento que pode
dar resultados desagradáveis, ou pelo menos errados. Mas adiante!
Atrevo-me a dizer que em muitas cabeças, consideradas como
relativamente sensatas, ou pelo menos loucas à solta, sejam de
homens ou de senhoras, devem existir, no canto da vassoura e da
esfregona, uma pessoa pela qual se suspirou durante bastante tempo e
que, anos mais tarde de ter o seu início, ainda constitui uma
espécie de cume inalcançável e indestrutível.
As
únicas referências que consegui recordar onde aparecem paixões
imaginadas, estão todas do mundo da fantasia, ou descendo um pouco à
terra, na literatura, incluída a poesia, e nas artes plásticas. O
que é mesmo difícil é aceitar que alguém estava atacado pelo vírus mental responsável por tal obsessão. A razão desta rejeição
em admitir uma situação que, a meu ver, deve estar muito estendida
pela humanidade é porque aquilo que surge, mentalmente, não casa
com a realidade vivida.
Muitas
das personagens que nos obcecam sentimentalmente é pouco provável
que tenham estado num nível de proximidade que justifique o impacto
que se admite causou. Ou seja sente que não tem um fundamento
plausível. Daí que se pode diagnosticar como uma falsa memória,
implicando alguém que, sem razão, a mente decidiu que nos deixou o
testemunho de uma “paixão não transmitida ou não correspondida”
.
Este
tipo de obsessões profundamente enraizadas são referidas com
bastante frequência na poesia, literatura, pintura e artes
plásticas. Alguns casos tornaram-se paradigmáticos, não só porque
existem dúvidas de qualquer deles ter chegado a vias de facto, mas
porque se tem quase a certeza de que tudo não passou de uma miragem
obsessiva., unidireccional.
O
mais famoso, ou pelo menos aquele que levou a ter muitos comentadores
e especuladores, corresponde ao quadro da Gioconda, com o seu ambíguo
sorriso, pintado pelo mestre Leonardo de Vinci. Aliás os quadros,
pois existe mais do que uma versão, sem contar as cópias
identificadas como tais e as falsificações. Muito se escreveu a
propósito deste amor, que supomos ter sido mais platónico do que
carnal, entre o grande Mestre e a dama que foi o seu modelo. Até
porque consta o Mestre Leonardo ter outro tipo de paixões carnais mais
acentuadas e, embora usuais, não aceites. E, caso o mundo civilizado não termine de repente, é
muito provável que esta obra continue a chamar a atenção e a
fomentar especulações.
No
âmbito da pintura há outros exemplos de obcecações do artista
para o seu modelo. Teria que dar uma volta pelas monografias da
pintura e descartar aqueles casos em que o pintor se admite, ou se
sabe, que conseguiu os favores, ou o prazer da carne, como se diz
numa tentativa de esclarecer sem ser vulgar.
Já
dentro do período de tempo em que me tem calhado estar presente, o
que leva a palma de fauno-mor foi o malaguenho Picasso, e aquele que
deu muita tela à sua dama, o
seu coetâneo Dali, mais a sua “esposa” Gala, apesar deste ser um reconhecido homossexual.
No
campo da literatura podemos recuar até Dante, com o seu amor mental,
reservado mas evidenciado entre nevoeiros de fantasia, para Beatriz. Ainda mais sonhado, até ao nível da obsessão, é o que Cervantes
insistentemente refere da sua criatura, nitidamente lunático, Dom
Quixote, ou a personagem “real” que o autor colocou na visão
terrena do sonhador com o nome de Alonso Quijano, um nobre arruinado
e totalmente fora da época em que decorre a acção. A musa, o amor
obcecado de Cavaleiro louco era a imaginada Dulcineia del Toboso, uma
mistificação da rústica Aldonça Lourenço, não mais do que
empregada numa albergaria de caminhantes e comerciantes de passagem.
E
deveria entrar directamente na literatura portuguesa, onde não
faltam os amores não correspondidos, imaginados ou proibidos, Mas
este tema já foi exaustivamente debatido e publicado no seio da meio
nacional.
Onde
eu queria chegar é à possível existência em muitas mentes, ainda
hoje em estado latente, de obsessões amorosas que jamais
foram correspondidas, ou nem sequer tentadas. Que ficaram nas mentes
delas ou deles como enquistadas e que, periódicamente afloram para ensombrar a razão, ou seja a mente, do afectado/a.
Uma
situação que se tornou recalcada, e resguardada no tal canto escuro
e esconso dos artigos de limpeza caseira, e que a pessoa que a
sofre, ou a vive mentalmente, não tem a mais mínima satisfacção,
Mais até, pode causar uma adversão, por ser consciente de que não
tem qualquer razão de existir. Que é uma especulação dos
neurónios, baseada em detalhes quiméricos, sem importância real, só
virtuais. Dizendo de outra forma: Estas obsessões “amorosas”,
normalmente não estão ligadas a visões, imaginadas, no campo do
erotismo, nem passivo e menos activo. É esta sedimentação mental
na zona do mais respeitoso amar que as torna mais duras de roer e
duráveis.
Se
as imagens mentais se completassem com visões de índole sexual, ou
mesmo pornográfico, não permaneceriam durante décadas. Seriam
substituídas por outras ainda mais cruas. É a imaginada
possibilidade de terem tido alguma oportunidade, que não existiu,
que as tornou perenes.
Sem comentários:
Enviar um comentário