segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

MEDITAÇÕES – Como nos tornamos invisíveis




DISFARCE OU MÁSCARA

Quando descontraído sou bastante brincalhão, mesmo sem estar acompanhado. E atreito, desde criança, a fazer caretas e andar com passadas anormais. Nunca me livrei deste desafogo. Digamos que sou consciênte da má imagem que dou a quem me observa quando em tais lides. Mas igualmente confesso não resistir a uma reprovável tendência a fazer palhaçadas.

Como suponho é natural nos humanos, humanoides e é possível que tal venha a suceder com os autómatos que nos desbanquem, sempre procuramos alguma desculpa ou justificação para os nossos erros. Eu não escapo desta sina. Mas não estou convencido de que consiga uma argumentação com um mínimo de credibilidade.

Começando por cima. Muito acima das minhas capacidades, direi que os artistas humoristas de verdade nunca criam muitos “bonecos” diferentes, e caso caem nesta tentação descobrem que desgastam-se mais depressa se variam de fácies. Com um, bem estudado e trabalhado, é suficiente para se tornarem famosos. E mais sabemos, quando a personagem já se introduziu entre o público é este falso herói que absorve toda a atenção, deixa o nome do artista num segundo plano, mesmo que por vezes se sintam sobrepostos. É o que se verificou, entre alguns outros, com o inglês Charlie Chaplin e o seu Charlot, e com o Mário Moreno com o seu Cantinflas.

Lamento ter que admitir, sem receio de errar ou de cair na tentação de fingir -usando um caraça lastimeira, e com isso incitar uns falsos aplausos e opiniões sem valor real- que sou um cómico nato mas desperdiçado. Aliás, sem vergonha na cara tenho que admitir que nunca ultrapassei a mediocridade em qualquer dos ramos de criatividade ou de profissionalidade em que me meti. Sou um dos muitos medíocres que passaram por este mundo sem deixar uma pegada durável. E não digo eterna, mas pelo menos até a seguinte passagem da esfregona niveladora-arrasadora.

Antes de fechar e tocar o hino nacional (isso era dantes...) sinto-me obrigado a justificar o cabeçalho que coloquei: DISFARCE OU MÁSCARA. Julgo que os poucos, pouquíssimos, leitores destas linhas já sabem, desde tempos recuados, que o construir um “boneco” com força de penetração no público, implica dar-lhe uma personalidade, mesmo que se entenda ser falsa, mas que não se possa identificar com um cidadão normal que se encontre casualmente. O boneco terá actos e palavras que todos nós temos no subconsciente, por vezes mesmo à flor da pele, e que somos forçados a reprimir. Ele, o boneco, diz e faz, o que nós gostaríamos de poder dizer e fazer. Precisamente aqui reside o seu sucesso.

Com este raciocínio não quero afirmar que o cómico, o artista, se envergonhe do seu trabalho e da sua capacidade, mas explicar o facto de que não aceita que o abordem como sendo, de facto, a personagem que criou. Ele, o autor-criador gosta que os outros, os conhecidos e desconhecidos o valorizem pelas duas caras da sua moeda. Se procurarmos na gaveta das imagens sem classificar, encontramos à mão as duas caras, de comédia e drama, que simbolizam o teatro na su generalidade. E sempre são duas máscaras!

Curiosamente no teatro grego clássico, que se tornou a imagem desta actividade, as máscaras impedem a mímica facial e deixam só, e não é pouco, a verbe e a mímica gestual para transmitir as suas mensagens. Isso contraria bastante a noção que temos acerca da importância das expressões faciais quando queremos avaliar alguém, não acreditamos tanto nos gestos e palavras do que nos rostos, olhares e esgares. Os gregos deviam temer que o comportamento facial dos actores não correspondesse ao papel que deviam oferecer.

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