DISFARCE
OU MÁSCARA
Quando
descontraído sou bastante brincalhão, mesmo sem estar acompanhado.
E atreito, desde criança, a fazer caretas e andar com passadas
anormais. Nunca me livrei deste desafogo. Digamos que sou consciênte
da má imagem que dou a quem me observa quando em tais lides. Mas
igualmente confesso não resistir a uma reprovável tendência a
fazer palhaçadas.
Como
suponho é natural nos humanos, humanoides e é possível que tal
venha a suceder com os autómatos que nos desbanquem, sempre
procuramos alguma desculpa ou justificação para os nossos erros. Eu
não escapo desta sina. Mas não estou convencido de que consiga uma
argumentação com um mínimo de credibilidade.
Começando
por cima. Muito acima das minhas capacidades, direi que os artistas
humoristas de verdade nunca criam muitos “bonecos” diferentes, e
caso caem nesta tentação descobrem que desgastam-se mais depressa
se variam de fácies. Com um, bem estudado e trabalhado, é
suficiente para se tornarem famosos. E mais sabemos, quando a
personagem já se introduziu entre o público é este falso herói que absorve toda a atenção, deixa o nome do artista num segundo
plano, mesmo que por vezes se sintam sobrepostos. É o que se
verificou, entre alguns outros, com o inglês Charlie Chaplin e o seu
Charlot, e com o Mário Moreno com o seu Cantinflas.
Lamento
ter que admitir, sem receio de errar ou de cair na tentação de
fingir -usando um caraça
lastimeira, e com isso incitar uns falsos aplausos e opiniões sem
valor real- que sou um cómico nato mas desperdiçado.
Aliás, sem vergonha na cara tenho que admitir que nunca ultrapassei
a mediocridade em qualquer dos ramos de criatividade ou de
profissionalidade em que me meti. Sou um dos muitos medíocres que
passaram por este mundo sem deixar uma pegada durável. E não digo
eterna, mas pelo menos até a seguinte passagem da esfregona
niveladora-arrasadora.
Antes
de fechar e tocar o hino nacional (isso
era dantes...) sinto-me obrigado a justificar o cabeçalho
que coloquei: DISFARCE OU MÁSCARA. Julgo
que os poucos, pouquíssimos, leitores destas linhas já sabem, desde
tempos recuados, que o construir um “boneco” com força de
penetração no público, implica dar-lhe uma personalidade, mesmo
que se entenda ser falsa, mas que não se possa identificar com um
cidadão normal que se encontre casualmente. O boneco terá actos e
palavras que todos nós temos no subconsciente, por vezes mesmo à
flor da pele, e que somos forçados a reprimir. Ele, o boneco, diz e
faz, o que nós gostaríamos de poder dizer e fazer. Precisamente aqui
reside o seu sucesso.
Com
este raciocínio não quero afirmar que o cómico, o artista, se
envergonhe do seu trabalho e da sua capacidade, mas explicar o facto
de que não aceita que o abordem como sendo, de facto, a personagem
que criou. Ele, o autor-criador gosta que os outros, os conhecidos e
desconhecidos o valorizem pelas duas caras da sua moeda. Se
procurarmos na gaveta das imagens sem classificar, encontramos à mão
as duas caras, de comédia e drama, que simbolizam o teatro na su
generalidade. E sempre são duas máscaras!
Curiosamente
no teatro grego clássico, que se tornou a imagem desta actividade,
as máscaras impedem a mímica facial e deixam só, e não é pouco,
a verbe e a mímica gestual para transmitir as suas mensagens. Isso
contraria bastante a noção que temos acerca da importância das
expressões faciais quando queremos avaliar alguém, não acreditamos
tanto nos gestos e palavras do que nos rostos, olhares e esgares.
Os gregos deviam temer que o comportamento facial dos actores não
correspondesse ao papel que deviam oferecer.
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