segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

MEDITAÇÕES – A culpa é sempre de outro



SITUAÇÃO ETERNAMENTE CÍCLICA

Portugal é um pequeno país, belo, interessante e povoado de gente boa, maioritariamente mesmo boa gente, educada familiarmente e prestável para ajudar a quem lhes surja pela frente, sempre e tanto que este desconhecido seja, por sua vez, respeitador e ofereça sinais claros de que pretende cumprir, nem que seja minimamente, as regras sociais que se tornaram como código de conduta nacional. Um decálogo não escrito nem avalado por alguma Assembleia Política.

Mas (sempre existe um ou mais MAS...) reconhecer a boa qualidade da maioria das pessoas do País não nos pode esconder o hábito, em excesso de uso, de atribuir as nossas desgraças, em geral cometidas por uns poucos mas que afectam à totalidade da população, que sem dúvida corresponde ao descalabro, esbulho e rapinagem a que, quase que permanentemente, são sujeitos os bens públicos. Se todos os que se aproveitam, desmedidamente, dos fundos públicos, andassem pelas ruas com mascarilha, como os Irmãos Metralha da banda desenhada, tínhamos uma densidade de máscaras inesperada.

E, sintomáticamente, os mesmos que são, de facto, os culpados da pobreza endémica deste agradável País, se encarregam de propalar aos quatro ventos a imposição de normas de conduta económica, por parte daqueles a quem pedimos ajuda para não nos afogar nas águas alterosas dos nossos heróis do passado, que, segundo afirmam os nossos concidadãos falantes, são as responsáveis do perda de capacidade económica própria e daí a constante queda ao abismo, em vez de poder tratar de tu-a-tu os nossos “parceiros” credores. Em verdade, os ignotos e habitualmente desconhecidos irresponsáveis da eterna desgraça, não necessitam de se colocar à janela dos Paços do Concelho para denunciar o “dragão” que nos devora. Há sempre uns mandaretes que se encarregam disso.

Para a tarefa de “elucidar” a população, mais ou menos crédula, sempre encontram papagaios que, a troca de um punhado de "limpaduras" sem préstimo, se encarregam de catequizar o cidadãos com os mesmos argumentos de sempre. E assim o ciclo mantém-se em perpétuo movimento.

Já devemos estar mais do que saturados, fartos até o vomito mental, de ver e ouvir que muitas das nossas penalidades foram ocasionadas pelas “condições draconianas” que nos impuseram aqueles a quem fomos pedir ajuda. Os desqualificamos como serem uns carrascos que impuseram a troika que nos subjugou. Sem nunca, ou só raramente, confessar que foram as nossas manias de grandeza, os desvarios de imaginar sermos capazes de novas Mafras e do conseguir um renascimento imperial, sem os alicerces de suporte indispensáveis, que nos empurraram para projectos que, desde o papel já se via terem um peso excessivo para as nossas forças.

Os sucessivos mega projectos, desde o Centro Cultural de Belém, -que nunca se terminou e se entregou de mão beijada a um especulador atrevido- e depois nas sucessivas maravilhas que nos deviam encumbrar ao topo da fama, como foi a Expo. Nada se aprendeu nas costas alheias, mesmo aqui ao lado, com a Expo de Sevilha e a espampanante Nova Valência. Não senhor, nós tínhamos estofo (sem dinheiro...) para muito mais, e em simultâneamente encher os bolsos dos urubus que incitavam as decisões que os iriam beneficiar.

Ou seja, periódicamente nos libertamos do síndrome de honradez que carregava Egas Moniz, e os seus familiares, quando vestidos de burel foram prostrar-se perante quem os podia ajudar. Não se quer voltar a este passado. Agora a soberba da ignorância cristalizada na modernidade, que nos passará ao largo, como tem acontecido habitualmente, já nos iluminou com a Web Summit, seja lá o que isto for. Novos projectos, novas profissões, novos horizontes radiosos se ergueram perante os olhos maravilhados. Entretanto organizam-se novos fogareus, novos espectáculos para encandear a população, e, mesmo que existam os alertas, insistentes, sobre o facto de que as contas públicas não passam de uma manta de retalhos, sempre mais curta do que a cama, a população não sabe como reagir.

A cidadania está totalmente condicionada pelo consumismo induzido e pelo “desporto rei”. As dificuldades económicas de muitíssimas famílias não encontram um prego a arder onde se possam agarrar. Os que dizem estar dispostos a ser seus defensores, os que denunciam constantemente, não mostram a coragem nem a credibilidade que os torne paladinos do população adormecida.

Por sua vez, a personagem omnipresente que tem o dom da ubiquidade, dos sorrisos, dos abraços e falinhas confortáveis, pertence ao restrito grupo dos dominadores. E por mais teatro que faça não passa de mais uma personagem de revista, e como tal, de efectividade nula, efémera, mesmo que permanentemente presente. Desculpam-no com frases do género das que se usam para disfarçar o mau comportamento dos meninos traquinas: Já sabem que “ele” é assim.

No fundo o máximo representante da cidadania em pouco difere da que fazia o falecido Almirante, também pessoa educada e membro do clâ. E assim estamos. Sem rei nem roque que tente dar uma reviravolta neste eterno desvario que comanda um País de sonhos. Não admira, portanto, que existam muitos cidadãos que, esquecendo as singularidades que o tornaram detestável, sonham com o regresso do novo Dom Sebastião, hoje imaginado, qual fantasma, pelo desaparecido ditador Salazar.

Não podemos culpabilizar a insensatez dos que desejam regressar a passados já mais do que gastos e irreais nesta actualidade que nos rodeia. Os estômagos vazios -metafóricamente escrevendo- sempre geram sonhos de mesas Pantagruelicas, que, fatalmente se esfumam quando tratamos de as concretizar.

Resumindo: FALTA UMA PERSONAGEM, CREDÍVEL, QUE NOS APONTE PARA O CALVÁRIO QUE TEMOS QUE SUBIR, mas com a promessa solene, de que tudo fará para travar a inevitável matilha de hienas e urubus que estão ansiosos de devorar o pouco que resta.

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