Que
seja um almoço sem problemas
- Se
me for permitido gostaria de poder deixar algumas meditações que me
tem ensombrado nos últimos dias. E mais concretamente no que se
refere à temática que, supostamente, estava na programação para
amenizar o encontro.
Resumindo o muito que pretendia dizer, no fundo creio que o mais
correcto, e também prudente, é abstermo-nos de temas de índole
profissional. Atendendo a que eu me movo numa profissão liberal só
tenho obrigações fiscais e legais a respeitar, além daquelas
regras sociais que nos permitem viver em harmonia como resto da
população.
A
situação do Amigo Dr. Cardoso é, devido à sua profissão oficial,
bastante diferente, se não mesmo situada nas antípodas. A
casualidade ou os imprevistos nos colocaram no mesmo caminho, mas
felizmente depressa se entendeu que não em direcções opostas.
Todavia é de bom sentido entender que se alguém pode ter o rol de
puxar pela língua aos outros é o Cardoso aqui presente; enquanto
que eu nem devo tentar saber pormenores que estejam fechados, seja no
trinco ou a sete chaves mais uma combinação electrónica, nos
domínios do tantas vezes referido segredo de justiça.
Estou
convencido de que os quatro aqui presentes, incluído eu mesmo, já
entendemos o interesse mútuo que nos obriga a esquecer os
acontecimentos e as sequelas que tiveram origem no Vale do Pito.
Lamento que o meu monólogo tenha sido demasiado longo e pesado. Mas
confio em que não entremos num mutismo complexado. Há temas no ar
que podem servir para dialogar, sejam as férias já gozadas e também
as programadas, os projectos pessoais. Podemos entrar de tudo um
pouco, salvo, se me quiserem fazer um favorzinho, o tema do
desporto-rei, e por tabela, da política oficial.
- Entendi
e agradeço as suas palavras. Confesso que propus este encontro com
algum receio. Corrijo, bastante receio dentro do estrito ambiente
profissional onde exerço, pois existia a possibilidade de que ao
longo das conversas deixasse escapar algum pormenor que sei não é
desejado-entenda-se pelas altas instâncias- que transpire
para a opinião pública. E daí o perigo de eu poder ser sancionado
sem apelo nem agravo.
- Cavalheiros,
permitem que as senhoras possam abrir um novo trilho? É que eu,
sendo filha de proprietários rurais, do tal Portugal já nas
fronteiras do profundo, e estou falando na zona de Seia-Gouveia,
depois que, por decisão de estudar fui transplantada para Coimbra,
onde residimos já casados. Num bom andar mas sem logradouro. Quando
vim a saber -numa das poucas ocasiões em que o meu marido deixa
escapar pormenores inócuos de algum dos seus processos- que a
amiga Luísa. Posso trata-la assim?, tinha uma horta pessoal para
folga espiritual, além de um amplo espaço de jardim entre o rústico
e o quase selvagem, mas que já estava em processo de ser invadido
por flores, fiquei mordida de inveja.
Sendo
menos intensa na terminologia, é mais correcto dizer que também eu
desejaria poder passear por um jardim, mesmo pequeno mas meu, onde
pudesse mudar as plantas, colocar novas espécies, cortar uma flores
para colocar numa jarra, em vez de as ter que adquirir numa florista.
Sei, por recordar o que via na minha mãe, que uns goivos que vimos
crescer e florir são mais apreciados do que uma orquídeas ou outras
flores espectaculares que nos chegam de avião desde a Holanda.
Garanto
que se não estivéssemos agarrados, por profissão de cada um de
nós, à cidade, o que eu mais desejo é um dia poder encontrar uma
casa isolada, sem vizinhos de parede, com um logradouro folgado, que
não recordassem estas moradias das chamadas zonas residenciais, onde
depois de meter a garagem e uma piscina inutilizável os restantes
metros quadrados estão pavimentados. E, no caso de quererem ter
flores serão em vasos. Eu queria ter salsa viva, e coentros, e
hortelã, um arbusto de louro e mais outras plantas de flores e de
cozinha. Sem esquecer umas alfaces e meia dúzia de cebolas, digamos
verduras de cozinhar. Mas isso implicava nos deslocar alguns
quilómetros do centro da “lusa antenas”.
Quantas
vezes eu fecho os olhos, e choro sem lágrimas, por ter entrado neste
circuito, que é mais um labirinto, um jogo da glória, onde tenho
que preparar aulas, fazer pontos de exame, corrigir respostas que
mostram a ignorância quase que geral, de gente que inclusive
desconhece o seu idioma. Naquelas alturas sonho em me sentiria
melhor no papel de dona de casa, com filhos e sofrendo os mesmos
problemas que teve a minha mãe. A minha geração decidiu protelar
os filhos, deixando a idade que fisiologicamente era mais indicada
para tal, em prol de um carreira profissional. E daí que, por
inércia, se degradou a imagem social da dona de casa. Um erro.
- Doutora
Diana. Estive muito atenta ao que nos disse, e quando o José me
mostrou a sua casa no Vale, e em simultâneo me disse que desejava
interromper, sine die, o seu estado de viúvo-solteiro, e
quando vi a amplidão do espaço que rodeava a mansão -para mim o
tamanho me induz a chamar de mansão- fiquei extasiada. Ou seja,
entendo o seu penar e creio, que aproveitando o não estarmos longe e
os dias serem longos, sugiro que abreviemos o tempo dado ao repasto e
rumemos para o “famoso” Vale do Pito. Estão de acordo?
- Luísa,
por mim tudo bem. Teremos todo o prazer de abrir as nossas portas ao
casal, se bem que o Cardoso já o conhece. Só tenho um detalhe a
ponderar: Que não se fale em mortos nem nas sequelas, tal como
coloquei ao chegarem os acepipes. E agora vamos aos grelhados e os
molhos especiais que o dono nos apresentou. Cheira bem e deve saber
melhor!
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