domingo, 22 de julho de 2018

CRONICAS DO VALE – CAP 55



Que seja um almoço sem problemas

- Se me for permitido gostaria de poder deixar algumas meditações que me tem ensombrado nos últimos dias. E mais concretamente no que se refere à temática que, supostamente, estava na programação para amenizar o encontro. Resumindo o muito que pretendia dizer, no fundo creio que o mais correcto, e também prudente, é abstermo-nos de temas de índole profissional. Atendendo a que eu me movo numa profissão liberal só tenho obrigações fiscais e legais a respeitar, além daquelas regras sociais que nos permitem viver em harmonia como resto da população.

A situação do Amigo Dr. Cardoso é, devido à sua profissão oficial, bastante diferente, se não mesmo situada nas antípodas. A casualidade ou os imprevistos nos colocaram no mesmo caminho, mas felizmente depressa se entendeu que não em direcções opostas. Todavia é de bom sentido entender que se alguém pode ter o rol de puxar pela língua aos outros é o Cardoso aqui presente; enquanto que eu nem devo tentar saber pormenores que estejam fechados, seja no trinco ou a sete chaves mais uma combinação electrónica, nos domínios do tantas vezes referido segredo de justiça.

Estou convencido de que os quatro aqui presentes, incluído eu mesmo, já entendemos o interesse mútuo que nos obriga a esquecer os acontecimentos e as sequelas que tiveram origem no Vale do Pito. Lamento que o meu monólogo tenha sido demasiado longo e pesado. Mas confio em que não entremos num mutismo complexado. Há temas no ar que podem servir para dialogar, sejam as férias já gozadas e também as programadas, os projectos pessoais. Podemos entrar de tudo um pouco, salvo, se me quiserem fazer um favorzinho, o tema do desporto-rei, e por tabela, da política oficial.

- Entendi e agradeço as suas palavras. Confesso que propus este encontro com algum receio. Corrijo, bastante receio dentro do estrito ambiente profissional onde exerço, pois existia a possibilidade de que ao longo das conversas deixasse escapar algum pormenor que sei não é desejado-entenda-se pelas altas instâncias- que transpire para a opinião pública. E daí o perigo de eu poder ser sancionado sem apelo nem agravo.

- Cavalheiros, permitem que as senhoras possam abrir um novo trilho? É que eu, sendo filha de proprietários rurais, do tal Portugal já nas fronteiras do profundo, e estou falando na zona de Seia-Gouveia, depois que, por decisão de estudar fui transplantada para Coimbra, onde residimos já casados. Num bom andar mas sem logradouro. Quando vim a saber -numa das poucas ocasiões em que o meu marido deixa escapar pormenores inócuos de algum dos seus processos- que a amiga Luísa. Posso trata-la assim?, tinha uma horta pessoal para folga espiritual, além de um amplo espaço de jardim entre o rústico e o quase selvagem, mas que já estava em processo de ser invadido por flores, fiquei mordida de inveja.

Sendo menos intensa na terminologia, é mais correcto dizer que também eu desejaria poder passear por um jardim, mesmo pequeno mas meu, onde pudesse mudar as plantas, colocar novas espécies, cortar uma flores para colocar numa jarra, em vez de as ter que adquirir numa florista. Sei, por recordar o que via na minha mãe, que uns goivos que vimos crescer e florir são mais apreciados do que uma orquídeas ou outras flores espectaculares que nos chegam de avião desde a Holanda.

Garanto que se não estivéssemos agarrados, por profissão de cada um de nós, à cidade, o que eu mais desejo é um dia poder encontrar uma casa isolada, sem vizinhos de parede, com um logradouro folgado, que não recordassem estas moradias das chamadas zonas residenciais, onde depois de meter a garagem e uma piscina inutilizável os restantes metros quadrados estão pavimentados. E, no caso de quererem ter flores serão em vasos. Eu queria ter salsa viva, e coentros, e hortelã, um arbusto de louro e mais outras plantas de flores e de cozinha. Sem esquecer umas alfaces e meia dúzia de cebolas, digamos verduras de cozinhar. Mas isso implicava nos deslocar alguns quilómetros do centro da “lusa antenas”.

Quantas vezes eu fecho os olhos, e choro sem lágrimas, por ter entrado neste circuito, que é mais um labirinto, um jogo da glória, onde tenho que preparar aulas, fazer pontos de exame, corrigir respostas que mostram a ignorância quase que geral, de gente que inclusive desconhece o seu idioma. Naquelas alturas sonho em me sentiria melhor no papel de dona de casa, com filhos e sofrendo os mesmos problemas que teve a minha mãe. A minha geração decidiu protelar os filhos, deixando a idade que fisiologicamente era mais indicada para tal, em prol de um carreira profissional. E daí que, por inércia, se degradou a imagem social da dona de casa. Um erro.

- Doutora Diana. Estive muito atenta ao que nos disse, e quando o José me mostrou a sua casa no Vale, e em simultâneo me disse que desejava interromper, sine die, o seu estado de viúvo-solteiro, e quando vi a amplidão do espaço que rodeava a mansão -para mim o tamanho me induz a chamar de mansão- fiquei extasiada. Ou seja, entendo o seu penar e creio, que aproveitando o não estarmos longe e os dias serem longos, sugiro que abreviemos o tempo dado ao repasto e rumemos para o “famoso” Vale do Pito. Estão de acordo?

- Luísa, por mim tudo bem. Teremos todo o prazer de abrir as nossas portas ao casal, se bem que o Cardoso já o conhece. Só tenho um detalhe a ponderar: Que não se fale em mortos nem nas sequelas, tal como coloquei ao chegarem os acepipes. E agora vamos aos grelhados e os molhos especiais que o dono nos apresentou. Cheira bem e deve saber melhor!


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