Ter
dúvidas
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Estás convencido de tudo o que me tens dito a respeito do comércio
de artigos contrafeitos pelos tais de etnia cigana, e dos acordos,
digamos que tácitos por não serem oficiais, entre as autoridades e
os delinquentes, nos seus diferentes graus e estatutos? Ou seja,
pensas que o que se insinua é uma boa política? É que eu não
fiquei muito convencida de que tudo isso funcione por baixo da mesa.
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Utilizaste a palavra-passe, a Política, que sempre está por cima de
todas as facetas das nossas vidas. E que eu evito, tanto quanto me é
possível, meter. Nisto das políticas em plural, pois existem muitos
capítulos neste amplo domínio, a maior parte dela causa-me fastio,
além de descrédito. Penso, e estou a ser meigo, que devem existir
pessoas com muito boas intenções que decidem meter-se no campo dos
políticos veteranos, profissionais, com a pretensão de encarreirar
ou corrigir coisas que considera, e com razão e motivos mais do que
suficientes, que não são conduzidos em consonância com a vontade e
necessidades dos cidadãos. Ele, o tal utopista, dando crédito ao
que ouve dizer por boca de alguns concidadãos, imagina que se pode
sentir apoiado por uma força social, que imagina corresponder a um
apoio incondicional por arte dos sempre queixosos. Pode chegar a um
nível de convicção, irreal, que o leve a tentar penetrar num
vespeiro que, de facto, desconhece.
Estes
românticos sociais, se são coerentes de si próprios e não toleram
ser constantemente ignorados, ou mesmo despeitados, por aqueles que
já considerava serem seus pares, o mais provável é que desista a
tempo, ou seja, mesmo antes de começar, antes de que se transforme
num vendido, em mais um zangão, que só estão para promover os
interesses pessoais e de grupo; seguir as directrizes da cúpula, que
são os que distribuem as benesses. Em resumo, o campo da política
não se pode considerar um território apto para pessoas
escrupulosas.
Não
sei se respondi cabalmente ao que perguntaste. Pela tua cara parece
que não. Verei de ser mais concreto, de descer até a questão das
feiras e de como penso que as coisas funcionam por trás do pano.
Sim, porque aquilo que te disse não está confirmado por nenhuma
opinião externa; são simplesmente cismas minhas, que imagino não
estarem muito longe da realidade. Quanto se entendo que, caso as
coisas funcionem como penso, constituem uma política correcta,
aceitável, sensata, não te posso responder com convicção, pois
não duvido de que haverá quem discorde, total ou parcialmente.
Assim como os há que, nem que seja pelo silêncio, mostram que esta
deve ser a atitude certa, a mais útil para a sociedade em que
vivemos.
Seja
como for, e dado que me acompanhas desde algum tempo, sabes que me é
impossível ficar sempre ao largo dos políticos, e que todos aqueles
que estão ligados à estrutura governamental, principalmente se
ocupam lugares daqueles que mudam de titular quando se altera o
esquema do poder, os que são escolhidos a dos pelos eleitos entre os
seus apoiantes. Por isso quando tenho algum assunto a tratar com
algum dos servidores comprometidos, como é o caso dos presidentes de
câmara e de juntas de freguesia, entre outros, procuro evitar
opiniões que colidam com a política pura e dura. O melhor, entendo
eu, é limitar-me ao papel de um simples cidadão, embora que no
degrau da escala que me pertence. Um trato quanto mais possível de
igual para igual. Mesmo quando se pede um favor sem ir à fila onde
se apresentam os requerimentos e se aguarda para ser atendido. Mas,
jamais, comprometo as minhas simpatias ou mando recados acerca das
minhas preferências na ocasião de votar. Caso me apresente nas
urnas.
Este
terreno é um fétido lamaçal, e se temos que entrar na orla, é
pertinente calças botas de borracha. De cano alto até a cintura se
o assunto prometer que pode ir mais longe do que a prudência pessoal
consente. Não sei se te disse que, ao longo de anos, antes e depois
da casado com a falecida Constança, e até quando era estudante em
Coimbra, fui inquirido para formar parte da Associação, de várias
Juventudes partidárias e depois para os partidos “a sério”,
além de Rotários, Lyons e outras beneméritas associações. Sempre
escapei alegando que tinha compromissos que não me pareciam ser
compatíveis, e nem tempo disponível; que agradecia o convite mas
que, sinceramente, não me considerava poder vir a ser um membro
útil.
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Mas tanto o teu pai como o teu avô creio recordar teres dito que
pertenciam à maçonaria, ao Grande Oriente Lusitano, ou ao
seu equivalente naquela época. E tu? Tiveste coragem e arrojo para
não aceitar, nem que fosse por descendência directa?
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Tive que aceitar, para não ofender certas personalidades que
respeito dentro daquela ordem reservada e sigilosa. Tenho que te
mostrar a tralha que constitui a farpela, que dizem terem herdado
dos pedreiros franceses, especialmente os que se encarregavam de
erguer catedrais, palácios e edifícios públicos que foram
representativos e merecedores da vaidade dos cidadãos. Estes
pedreiros “livres” constituíam um grémio fechado, tal como os
dos ourives e outros artífices reputados, tinham as seus estatutos,
regras, tribunais, examinadores para aceitar ou expulsar membros;
reuniões teatrais que ainda permanecem entre eles, ritos mais
esotéricos e caricatos do que próprios de pessoas respeitáveis. Ou
seja, que a mim esta parafernália não me cativou e,
progressivamente, deixei de participar. Mas ainda tenho, numa caixa
escondida, o avental, o colar, o punhal e outras brincadeiras que
devia envergar. Um dia terei que te mostrar.
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