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Já passaram algumas horas desde que, por sugestão minha, demos uma
volta na recuperação da horta que a tua mãe mandou plantar quando
vieram morar a esta mansão. Agora é a altura de me dares a tua
opinião sem fingimentos.
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Aquilo que disse na ocasião só posso confirmar. E se não tenho
propriamente uma vocação para plantar e colher cenouras ou nabos,
mesmo que batatas, dado que plantar lascas de bacalhau não devem
pegar e nos oferecer bacalhaus inteiros, sem escalar nem salgar, isso
não obsta a que fique feliz por tu estares animada. Te ver na
conversa com o Ernesto, comentando o que esperam ver crescer e
frutificar, fez-me recuar muitos anos de vida; senti cá dentro como
se a minha saudosa mãe se tivesse reencarnado em ti.
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Fico sensibilizada com este teu depoimento, sem notário para dar fé.
Mas no que não gostei foi nesta tua visão de me veres de encarnado.
Sou do Pourto e não me venhas com benfiquices. Ah Ah Ah. Agora, mais
a sério, quando tu foste com o Ernesto até o armazém, adega, casa
das máquinas e sei lá quantos mais nomes vocês lhe dão,
chamaram-me desde a varanda por ter um telefonema em que perguntavam
por mim. Não esperava nada de especial. Pensei que fosse alguma
decisão num dos salões que era urgente e não queriam dar o seu
ámen sem me consultar.
Para
surpresa, mesmo recordand0 que já me tinhas falado nesta
possibilidade, quem estava do outro lado da linha era uma senhora,
com uma voz agradável, que me disse se chamar Diana, casada com o
teu amigo (?) Doutor (isso nesta terra nunca se pode deixar
esquecido) Cardoso. Referiu que o seu marido lhe incumbiu de
acertar um almoço de casais que os dois homens já tinham
alinhavado, sem concretizar data nem local.
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É verdade, e eu falei-te nisso. Só que pensei que fosse uma
gentileza daquelas que não são para ligar. Que não teria
continuidade. Mas não se ficou com algum roteiro mais ou menos
definido.
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A dita Dona Diana parece que estava com a lição bem aprendida,
apesar de que utilizou alguns subterfúgios, próprios das mulheres,
para não abrir o jogo por completo. Se calhar receava que o seu
telefone estivesse sob escuta. Mesmo assim, e como digo sem abrir o
que se entendia nas entrelinhas, disse que o melhor dia para ambos
era o domingo, pois o marido trabalhava ao sábado e ela era raro o
sábado em que não passava pela faculdade para ver pontos ou
preparar aulas. Por nós não havia problema. Era perfeito. E para
donde nos deveríamos dirigir?, já que o meu marido me disse que
eles, os “cabeça de casal” parece que pensaram num local, sem
definir, onde pudéssemos estar sossegados e fora de sermos
reconhecidos. Deu como certo que se desejava um almoço pessoal e não
profissional.
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E...?
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Nada mais se disse sobre esta proposta. Só que a chamada era para
ter uma abordagem inicial e que possivelmente o seu marido, um dia
destes e aproveitando alguma deslocação de serviço, passaria pela
nossa casa e então decidiriam. A seguir e para não parecer que
tinha sido excessivamente seca e profissional, enveredou numa
conversa de mulheres, sobre filhos, animais de companhia, casa, em
como se conheceram na Universidade logo no primeiro ano, e blá, blá,
blá, que não vale a pena relatar, nem sequer tentar recordar,
passou como água saindo da torneira. Foi-se pelo ralo abaixo!
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Nos poucos minutos em que conversei com o Cardoso ele teve tempo de
me apresentar esta sugestão, de almoçarmos num local onde a
possibilidade de encontros fosse reduzida. Fiquei com a impressão de
que se sentia incómodo, vigiado, pressionado e que o caso dos mortos
plantados nos nossos terrenos foi, para ele, como um presente
envenenado. Que lhe calhou a bola preta, como nas
votações entre maçons. Posso estar enganado, mas inclusive as
palavras que o Ortega não disse, ou seja o que estava insinuado nos
seu relato e que nem ele, que parece ter caminho livre no seu
comportamento, se sentia com coragem para nem sequer tocar, me
indicavam que aquilo se encaminhou para um terreno fortemente
minado.
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Posso concordar contigo, meditando no que tenho ido sabendo desde que
nos vieram alertar de que os cães do feitor tinham encontrado o
primeiro desgraçado. Bem me alertaste de que se aquilo estivesse
ligado a reuniões ou festas de qualquer tipo, organizadas e
comandadas por gente de peso na economia e na política, era muito
perigoso teimar em saber de mais. E a prudência da tal Doutora e
Professora de Universidade Diana Cardoso, que além de telegráfica
nos seus dizeres, passou rapidamente a mandar bolas fora, causou-me
um retraimento ao qual não estou habituada. No meu meio, onde a
ilustração académica não é geral, as coisas dizem-se mais claras
ou nem sequer se tocam, especialmente quando cheiram a merda. E há
muitas qualidades de merdas, desde a diarreia incontrolável até
aquela mais rija que só sai com ajudas. Agora temos que aguardar o
que irá dizer, caso diga alguma coisa, o Dr. Cardoso quanto ao ainda
não localizado “almoço de convívio e segredo”.
Da
minha parte, e para que não parecesse que me descartava ou
desentendesse, comecei a espiolhar na memória e tenho uma
recordação, bastante difusa, de ter ido, quando os meus filhos eram
crianças, até a Lousã, que nesta época do ano só deve ser
visitada por grupos de escuteiros, comandados por um maduro de calção
curto, velhos e turistas excêntricos. Ali as crianças desfrutaram
percorrendo um castelo miniatura ao pé do rio. Depois, se não estou
enganado, almoçamos muito sossegados e satisfeitos numa antiga
azenha que fora modernizada para restaurante. Tudo isso foi no século
passado, e nem sequer tenho a certeza de nada. Deixarei isto como uma
pista e possivelmente o Cardoso já deve ter um local na sua mira.
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Parece-me uma excelente proposta. Não esta em concreto, mas o
mostrares que te interessaste pela sua ideia.
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