sábado, 21 de julho de 2018

CRÓNICAS DO VALE – CAP 54


Como o rabo solto da sardanisca

- Isto de termos um local certo para a refeição do meio-dia é muito práctico. E como cheguei primeiro já escolhi mesa. Como correu a tua manhã? Pela tua cara não me parece que tenhas tido muitos desgostos.

- Não propriamente. Tive que acertar o quadro das férias do pessoal, incluindo as eventuais já conhecidas de outros anos e do Natal passado. O normal nesta altura do ano. Passaram uns representantes já conhecidos e as encarregadas limitaram-se a dar a lista de produtos que necessitavam para o seu trabalho, e que neste mês, dado que as damas molham as cabeças no mar ou nas piscinas, carecem de visitar o salão com mais frequência do que no inverno. E daí que a caixa movimenta-se com agrado.

As clientes continuam com o entusiasmo de mexericos a propósito da despedida abrupta e sem sessão solene, do Dr. João Pedroso, que só recolheu ao curro para juntar os seus papeis, roupas e peças mais queridas para que a empresa de mudanças que contratou levasse para um destino desconhecido. Dizem que lá para os lados de Abrantes, de onde a sua família paterna era natural, e ainda possuem uma boa propriedade rústica mais uns prédios na cidade.

O andar onde morava este casal, digamos que anómalo, embora as coscuvilheiras da Vila se dedicassem, com fruição, a fazer uma extensa lista dos casais onde o adultério é reconhecido. Retomando o tema do andar. Consta que é propriedade da Câmara Municipal, ou pelo menos que a renda era paga na tesouraria. As mobílias ficaram quase na totalidade, e existe uma certa curiosidade para ver se também são da Câmara ou se o marido ou a esposa partilhada ainda as mandarão retirar.

Seja como for isto não passa daquilo que tu chamas de fait divers, e que, com mais ou menos molho acontecem em todas as terras e bairros, inclusive em muitas famílias que não constam da lista de famosos.

- Tens toda a razão, como sempre. Sucede que esta ideia da fidelidade só se cumpre, em teoria, na Companhia de Seguros, e que as pessoas mudam de critério com mais frequência do que das suas células corporais, que dizem a maior parte é substituída após um período de cinco anos de utilidade pública, como quem diz. Para onde vão depois? Quem sabe. Se calhar partem com as fezes ou a urina, ou são canibalizadas por outras células encarregadas de recuperara a sua energia. Para mim é indiferente. O que interessa agora é que, depois de almoçar e cafetejar, deixaremos a Veneza portuguesa -supremo alarde da ignorância e do desprezo para as dimensões relativas- e rumemos para Coimbra, para algumas compras que estão programadas, e mais o que surgir no momento.

Já no dia seguinte Domingo

- Bom dia Dr. Cardoso, e suponho que esta senhora que o acompanha é a esposa Dona, ou melhor dizendo Doutora Diana. Desta forma bastante atrapalhada, a partir de agora já estamos apresentados. As duas esposas, apesar de tampouco se terem encontrado visualmente já falaram entre si.

Esta vivência recorda-me uma outra, acontecida quando estudante universitário. Um amigo que habitualmente era o meu companheiro de passeios e cinemas, veio ter comigo para me solicitar que fosse com ele num encontro de engate que fez com uma empregada de balcão. Ficaram em se encontrar na esquina de duas ruas, mas ela viria acompanhada de uma colega, sua amiga, e daí que o meu colega necessitasse de um parceiro para entreter a desconhecida. E lá fomos para o local do encontro. Chegaram as duas meninas e a já conhecida do colega, pelo menos da fala, estendeu a mão e disse “desde já me apresento e aqui a minha amiga”, e o visado respondeu: “E eu também, e aqui o meu colega”. E assim se fizeram as apresentações não nominais. Não recordo que aquilo durasse pouco mais do que um café e despedidas, sem que os nomes de uns e outros surgissem com claridade.

Desta vez o encontro foi muito mais correcto,digamos que normal sendo os quatro bem adultos e formados. Aquilo foi um desvario de estudantes e jovens com mais esperteza do que aquilo que os estudantes malandrecos pensavam ser o que encontrariam pela frente.

- Amigo Cardoso agora tem a palavra e a bússola para nos orientar para o local onde, esperamos que tranquilamente, possamos ter um repasto e uma conversa desassombrada.

- É como diz, amigo Maragato, estamos muito perto. É uma churrasqueira afamada por terem sempre carnes frescas e tenras, que sabem apresentar num ponto correcto. Além disso o acompanhamento não se fica nas habituais batatas fritas em palitos, mas incluem batatas assadas na brasa, assim como legumes grelhados e também cogumelos, que adquirem em produtores de confiança, se bem que na época própria, não deixam de oferecer alguns dos cogumelos silvestres que os conhecedores colhem nas matas em redor. Se alguém preferir peixe grelhado, como é o caso da Diana aqui presente, que não mostra respeito à capacidade de caçadora da Deusa a quem deve o seu nome. Para ela, e caso de alguém a queira acompanhar, aqui podem deliciar-se com a carne de truta selvagem.

Antes disso, e a fim de fazer boca, proponho que tomemos um aperitivo e uns petiscos, em doses que pedirei sejam minúsculas, pois se não fizer esta observação arriscamos a ficar sem estômago disponível para o almoço propriamente dito.

- Entendido e aceite, mas como o interesse no encontro era mútuo, faremos contas à moda do Porto, ou seja fifty-fifty. E, antes de avançar nos nossos temas, já devem conhecer a surpreendente demissão, voluntária, do nosso Presidente da Câmara. E agora, para onde rumará este homem?

- Não foi tanta surpresa como imagina. No Governo Civil e nas instâncias do Ministério do Interior era conhecida a situação. Todos eram unânimes no desejo de que este gáudio da cidadania tivesse um fim. Inclusive consta que lhe foi insinuado, com bastante insistência, que era recomendada a sua desistência voluntária. Mas, amigo Maragato, não tenha pena do futuro desta personagem, por muito descrédito pessoal que lhe caísse em cima. Pertence ao aparelho do partido desde o seu tempo de liceu. Conseguiu manter-se no patamar superior na fase de jovens em formação, e se desperdiçou esta oportunidade numa Câmara de terceira linha foi mais por não saber travar os ímpetos sexuais da que escolheu por esposa, ou, como acontece em muitas ocasiões, ela é que o escolheu por ver que era pouco dominador.

O partido já lhe encontrará um posto para ter uma segunda oportunidade. Veremos se conseguirá portar-se como um verdadeiro líder. Também pode ser que este Pedroso seja como a pescada, que antes de a pescarem já o era. Não seria o primeiro que antes de dar o nó já os tinha bem crescidos. Dizem, os “sensatos” que este órgão, depois de lavado fica como novo. E se o futuro é prometedor, é fácil admitir este preceito de higiene. É tudo uma questão de estômago.

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