O tiro no rabo ainda ecoa
- Enquanto
estavas no jardim, ou na “horta comunitária”, pois que aqueles
canteiros parecem o que mostram nos jornais e nos noticiários como
uma iniciativa “inédita” de algumas Câmaras Municipais deste
Portugal dos pequeninos, e que existem desde há anos em muitíssimas
cidades da Europa, pois, como arranquei para contar e depois perdi-me
numa das minhas divagações, telefonou o Doutor Cardoso. Queria
assentar o encontro de domingo.
- E
o que opinou da tua proposta?
- Não
a rejeitou, mas disse que ele já tinha, mais ou menos -certamente
mais do que menos- marcado almoço num restaurante localizado,
curiosamente, naquela zona. Concretamente em Vila-nova de Poiares, e
como não tenho nenhum compromisso com a Lousã, aceitei a ideia.
Ficamos em nos encontrar no largo da Câmara ao meio dia. E não se
falou em mais nada. Tens alguma objecção?
- Eu?
Nada de nada. A fita de que fossem as esposas a decidir não passava
disso, de um faz-de-conta do ambiente machista. Mas, sendo totalmente
franca. De facto a mim tanto se me dá um sítio como outro. Até
podiam ter proposto que levássemos farnel, uma manta e uma toalha,
mais copos, pratos, e o resto da tralha, para nos sentarmos num
pinhal e dar de comer às formigas enquanto nos picavam. E, deves
saber que procuram, nas mulheres, pontos sensíveis para morder e
incomodar; certamente atraídas pelos aromas das feromonas ou como se
denominarem os eflúvios destes sucos glandulares. Resumindo, para
mim está tudo bem. Só espero, ou desejo, que esta Doutora Diana se
mostre uma pessoa agradável e com um diálogo acessível, ámen de
simpático.
Já
que esta lebre está corrida, como se diz na linguagem informal,
tenho que ir até à Vila, e se calhar até Aveiro, para tratar dos
meus afazeres profissionais, caso
não tiveres coisas urgentes e concretas para fazer, gostaria que me
acompanhasse. Não sempre ao meu lado, como se levasse um caniche
pela trela, até porque o teu tamanho e curriculum não se enquadra
nesta imagem. A minha ideia era viajar no mesmo carro, possivelmente
almoçar fora, e de tanto em quanto nos separarmos um do outro,
deixando um local e uma hora no ar para voltar a reunir. O que
opinas?
- Assino
já por baixo. Não quero entrar no teu terreno, mas esquecer coisas
é normal em qualquer pessoa. Confio em que não esqueças de avisar
a Idalina de que não almoçaremos em casa. E tampouco no domingo,
inclusive a ceia. Vou-me arranjar e fazer uns telefonemas enquanto te
aprontas, pois se tenho que aproveitar a deslocação o mais prudente
é combinar previamente os encontros que me convêm. Não gosto de
andar ao calhas e depois ficar com um palmo de nariz porque o tal não
está, seja porque foi ver como estão as uvas na sua vinha ou, sem o
deixar dito, foi encornar algum desatento. Quanto tempo tenho
disponível? Meia hora? Eu aposto que três quartos pode
ser que não cheguem.
Antes de entrar na Vila. Soubeste
mais alguma coisa do atrevido que faltava ao respeito ao Digníssimo
Presidente da Câmara, e que este lhe mandou um balázio onde as
costas mudam de nome? É que estas notícias de alcova, e outras que
tais, não circulam entre os homens, a não ser em ocasiões
especiais, após umas bebidas espirituosas e das piadas brejeiras;
então pode ser que se entre na maledicência, seguindo as pegadas
das suas companheiras, que os mantêm mais ou menos ao corrente dos
sucessos de cariz humano, por assim dizer.
- Pois de facto já me contaram mais
uns capítulos. O que levou o tiro, por puro azar já que aquela
entrada era frequentada por muitos outros conquistadores, de praça
conquistada já se vê. Este azarado teve que ir para o hospital de
Coimbra, numa ambulância ní-nó dos bombeiros, porque na
Vila não se encontrou um profissional da arte de remendar ferimentos
que estivesse disposto a colocar o seu nome nesta história. Há quem
já ponha em dúvida, e peça que se atrevam a apostar contra ele,
em que este artista não voltará a circular pela Vila. Este
adivinho já passou palavra em como aceita apostas sobre se regressa
ou não.
Quem já se sabe que não regressa,
pois que se diz e confirma-se, que apresentou a sua demissão no
Governo Civil, é o Presidente da Câmara. O jornal da caserna refere
que, após o ter mandado o tiro, choveram anónimos ao Presidente,
afirmando que todos sabiam das aventuras da sua esposa; alguns destes
beneméritos cidadãos, anónimos, entenderam que era
conveniente (?) esclarecer o marido multi-enganado que os tem maiores
do que aqueles bois transmontanos que lutam para satisfacção dos
cidadãos presentes. Já se sabe que o anonimato, e mais se em grupo,
oferece valentia as covardes.
Bem, agora estás por tua conta. Eu
vou aos salões, que desde que casamos andam demasiado à vontade. Se
tens que ir até Aveiro podes levar o meu carro ou vais num carro de
praça, ou táxi que no fundo é a mesma coisa, mas fica mais bonito,
mais moderno. Logo me dizes o que decides. No caso de ficarmos com
quilómetros pelo meio, penso que podíamos almoçar em Aveiro, onde
não faltam restaurantes de todo tipo. Aguardarei as tuas indicações.
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