Balanço do almoço "campestre"
Bem,
a fase se de convívio terminou por hoje, e o balanço não é bom
nem mau, antes pelo contrário. Pelo menos no que se pode referir às
conversas de circunstâncias que tive com o Cardoso. Naquele bocado
em que estivemos a sós no carro, entre o restaurante e a nossa casa,
aproveitei uns minutos para mostrar o meu não alinhamento, pelo
menos na totalidade das versões que me chegaram ao ouvido, e
insistir em que deve m existir muitas páginas reservadas, e outras
alteradas para ficarem aceitáveis.
E
o que respondeu o Cardoso?
Só
uns sons inexpressivos, quase que de ruminante com indigestão, e
alguns sorrisos condescendentes, ou uns abanar de cabeça que
poderiam indicar que não foi assim como eu imaginei que as coisas
aconteceram. Mas palavras? Daquela boca nada saiu que o pude
comprometer. Aliás eu pedi-lhe, com insistência, que evitasse
problema, e que num caso desta índole, que o menor descuido lhe
poderia ser prejudicial, a sua profissão implicava um secretismo de
Estado e da sua conveniência. Por assim dizer.
Mas
já me esquecia, e seria imperdoável. Aquele telefonema que recebi
há uns temas importantes, nos quais tenho que dar a minha opinião,
entre durante o almoço, era do Nelson Sousa, aquele mais ou menos
sócio que tenho em Ermesinde, que me convocou para hoje, segunda
feira, sem falta, porque há uns temas importantes, nos quais tenho
que dar a minha opinião, entre Barcelos e a Maia, onde se jogam
grandes quantidades de capital. Parece que o mercado está a acordar,
mas por enquanto não sei se para cima ou para baixo. Tenho mesmo
que sair de madrugada e, como tem sido habitual, irei dando
novidades.
Voltando
aos comentários acerca do casal Cardoso. Tenho que entender que a
minha “amizade” com este inspector é anormal, contrária ao seu
estatuto e dependência. Por isso vai ser difícil manter um convívio
com tantas restrições. Se eu pretender encontrar esclarecimentos
terei que procurar noutros caminhos. O que não faltam é
informadores e linguareiros, desejosos de mostrar que estão dentro
dos segredos. Que na maior parte das vezes não passam de segredos
de Polichinelo.
E
a vossa mini-excursão agronómica, foi interessante? É que mal
entraram em casa a Doutora Diana afirmou que tinham que regressar a
Coimbra pois estava preocupada com a mãe dela. Nem sequer se
sentaram. E ele aproveitou a dica para engolir, de uma golada rápida,
metade do gim-tónico que lhe tinha servido. Calma! Foi ele que me
perguntou se podia beber esta mistura, mas com água tónica bem
gelada? Devia sentir a digestão pesada!
Já
notaste que a Doutora Diana -uma chatice, que nem em casa, sem
testemunhas, consiga tirar o canudo às pessoas. Somos industriados
desde crianças nos preceitos de respeito e boa educação e,
sinceramente, já estou mais que cheia disso. O melhor que encontro
quando passamos a fronteira é que ali são muitas raras as pessoas
que são tratadas por um canudo, ficam-se pelo Don Este e Don Aquilo.
Serve para todos.
Mas
voltando ao que me perguntaste, a Diana é pessoa de bom trato e bem
educada desde o berço, de modo que nunca se sabe se está a fingir
nos seus elogios ou comentários, no propósito de agradar, ou se de
facto correspondem a um impulso natural. É tão convincente que não
consegui catalogar a pessoa neste aspecto. Seja como for, além de
dizer que gostou do que viu, até me deu umas dicas, ou orientações,
que me pareceram muito úteis e pertinentes. Quando passar o Ernesto,
e eu o veja, terei que lhe apresentar estas ideias, mas fazendo de
conta que as li numa revista de jardinagem e horta.
Pessoalmente
lamento que, por solidariedade conjugal, tivesse que acompanhar a
Diana com as cautelas que a profissão do marido implicam. Preferiria
que fosse um conhecimento do salão ou de outro lado qualquer, sem
interferências se estatutos sociais. Não sei se consigo explicar o
que senti. Mas como pessoa, a Diana, até agora deixou-me uma grata
impressão.
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