Divagações
infundadas
- Desculpa
por ontem não dormir em casa. Mas fui dando notícias durante o dia,
e fiquei para jantar com um sócio com quem era indispensável ter
uma conversa calma, e sem testemunhas que interferissem. O encontro
prolongou-se até que tiveram que nos avisar de que fechavam o local.
Ainda paramos no bar do hotel para fechar, ou continuar, alguns
temas. Além de que as conversas com talheres e outras com um whisky
velho no copo são mais descontraídas, coisa que me interessava,
pois este Sousa -se calhar não te identifiquei o parceiro deste
encontro. Não foi por mal, nem para esconder coisas, mas já sabes
da história da boca fechada e das cautelas com caldos de galinha.
Seja
como for, este Nelson DE SOUSA conhece o ramo têxtil do norte
palmo-a-palmo, tanto dos maiores como até a mais pequena chafarica.
E eu, entre outras muitas coisas que me aquecem a cabeça,
ultimamente estive atando nós sobre este ramo da economia. Foi o
visitar os terrenos do Ortega, mais propriamente as feiras onde os
seus “súbditos” negoceiam, que me levou a ter meditações ao
nível do absurdo. Ou nem tanto ...
- Tinha
ideia de que esta actividade industrial dos têxteis não te era
estranha, mas não estava a par da importância que lhe devotavas.
Aliás. E para atender aos teus desejos, sempre procurei não
espiolhar nos teus assuntos. Dizes que quanto menos souber, melhor
para mim e para ti. Mas desta vez, se calhar sem o pretender,
acendeste a chama da curiosidade. Agora terás que por mais alguma
coisa no prato, por assim dizer.
- Tens
razão. Mais uma vez. E as coisas são muito evidentes. Passa-se tudo
em frente do nosso nariz e, precisamente por ser tão óbvio, não
ligamos demasiado. Acontece como avisa o refrão A
árvore esconde o bosque,
que
nos diz como aquilo que nos chama a atenção nos impede de atender
ao que está por trás. Os ilusionistas, ou mágicos se preferires,
usam constantemente esta técnica.
- Se
não te explicas melhor, e com casos concretos, digo-te que fiquei
pior do que na mesma. Estas generalidades são muito interessantes,
mas preciso, por ser burra, de poder localizar o ponto onde ajustar a
pontaria.
- É
que não me deixaste terminar. Aliás, creio que para que tudo fique
mais diáfano, e por não ser a síntese o meu forte, necessito de
bastante tempo a discursar. Tudo começou quando se tornou evidente
aquilo que sempre suspeitei: que deve existir, ou existe mesmo, um
acordo no nevoeiro entre o sub-mundo do crime, ou em partes dele, e o
sector oficial de quem incumbe a repressão.
Todos
sabemos que por trás de eufemismos, de cenários inócuos, se
escondem realidades que não se deseja se tornem públicas. Por
exemplo, se nos dizem que “fontes reservadas” (ou
outra frase equivalente)
nos informaram de..., o mais provável é que ali existem denuncias.
Que há bufos não temos dúvidas. Sempre os houve e os haverá.
Quem estiver interessado e saber o que não se conta procura levantar
o véu daquilo que se deseja fique escondido. Para o conseguir tem
que procurar alguém que esteja por dentro e disposto a colocar a
boca no trombone, sempre e tanto que, para este “benemérito”
lhe seja oferecida uma contrapartida interessante. Isto é o que
sucede geralmente, tanto no ramo oficial como no privado.
Por
vezes nem é preciso “corromper” ninguém. Basta estar atento e
ouvir, assentar as coisas interessantes e unir as pontas soltas. É o
que eu fiz. Começando por algum lado, sabes que existe um mercado da
contrafação, especialmente presente nas feiras periódicas por todo
o País, e que os vendedores, practicamente exclusivos, são de etnia
cigana. Pertencentes a diferentes famílias, que distribuem o
território entre elas, em acordos tão firmes como se fossem
assinados com sangue -pelo
menos é o que imagino-
e sem necessidade de passar pelo notário.
E
não tarda que se pense onde é que estes comerciantes ambulantes se
abastecem? Podíamos imaginar que as mercadorias lhes podiam ser
enviadas desde Marrocos, Espanha, Itália, Turquia ou outro país
qualquer, pois creio que em todo lado existe um núcleo de copistas
trabalhando com um à vontade de espantar.
Pois,
depois de ver, com olhos de ver, a zona do têxtil em Portugal e
sabendo mais algumas coisas além do muito que a população em geral
conhece, tenho a certeza de que estas cópias falsas são produzidas
aqui, neste rectângulo, jardim à beira mar. E TODOS sabem disso. É
impensável que ignorem uma indústria paralela que dá trabalho a
muita gente, que alimenta muitas famílias, onde trabalham sem
vínculo legal desde as avós às crianças que ainda não atingiram
a idade legal para trabalhar. Tudo isto é arquiconhecido. E podes
perguntar porque é permitida esta falcatrua, este desfalco ao fisco
e às leis do trabalho e da protecção industrial?
As
razões são múltiplas. Para começar não desvalorizamos que um
sector importante da população está na pobreza ou nos limites. Que
os impostos, seja Iva ou Profissional, que não se cobram de
imediato, virão depois ter à tesouraria através do consumo. E que
os pobres já não amealham como antigamente, são adeptos, por
pressão do mercado, ao conhecido chapa
ganha chapa gasta, de
onde já abrirá os cordões à bolsa quando se abastecer no super ou
hiper, mesmo no caso de que nestes locais exista algum alçapão,
coisa que desconheço mas que não me admiraria. Pior do que o não
amealhar é que são induzidos a pedir créditos bancários para
diversos propósitos, desde a compra de casa até carros ou férias.
Ficam presos pelo pescoço, como numa coleira, e estarão sempre com
o credo na boca.
Por
outro lado podemos perguntar quem pressiona a ASAE para travar o
comércio de contrafeitos, sejam têxteis, malas ou sapatos? É
evidente que devem ser as grandes marcas, as da publicidade dirigida
a quem dispõe de um poder de compra que não está ao nível do
todos os que frequentam as feiras. Mas quem é que tem pena das
grandes marcas? E deixemos de lado, apesar de não ignorar, a invasão
de produtos fabricados no oriente, em especial na China, depois desta
quase que liquidar o Japão no pequeno e grande comércio.
E
será que os feirantes não sabem, com antecedência, que serão
visitados? Não só pelos inspectores da dita ASAE, sempre
acompanhados por membros da PSP da terra onde se realiza o mercado. E será que na esquadra ninguém é “amigo” dos ciganos e os avisa
a tempo e horas? E que os feirantes, colocam material com pouca venda
nas bancas para que os inspectores encham sacas e sacas? E depois
façam uns magníficos relatórios?
- E
tu tens a certeza do que tens estado a contar? Quem é que te deu
estas indicações?
- Ninguém.
Podes estar certa. Todos se fecham em copas. Mas as coisas funcionam,
à vista de toda a gente. Nunca te perguntaste como podia ser isso,
tantos descuidos, tanta boa vontade? É uma questão de bom senso. E
admito que ficaram mais algumas coisas por referir. Isabel, este
mundo, como dizem os italianos, é um mondo
cane, mundo
cão em português, mas eu encontro um sabor especial ao italiano.
Na
Itália. Especialmente no sul, o mundo do contrabando e das
falsificações de todo género, além de muitos outros negócios,
como o das obras públicas de grande porte, consta que está nas mãos
das máfias, que tanto se podem chamar de camorra
em
Nápoles e arredores, como cosa
nostra na
Sicília. Diferem no nome e nos chefes, capos,
na
sua língua. Sabias que quando os aliados, nomeadamente os
americanos, decidiram desembarcar na Itália encarregaram-se de
estabelecer e garantir o apoio da subterrânea máfia, através dos
seus mafiosos residentes? E que foram os mafiosos radicados nos USA
que, com promessas de liberdade e imunidade, se encarregaram dos
contactos com os seus primos latinos?
- E
será que estas entradas de mafiosos do leste Europeu prenunciam um
domínio estrangeiro dos negócios escuros e perigosos na nossa
terra? O que aconteceu no Vale deve levar-nos a pensar. Eles andam
por aí. Pelo menos é o que noticiam os tabloides nacionais.
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