A
caldeirada já foi
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Então Amigo Maragato, que me diz desta caldeirada à Montemor? Não
é necessário que me diga que em vez de moreia ou safio encontrou
enguias. Mas e o resto, e o tempero?
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Confesso que jamais na vida me passaria pela cabeça vir comer uma
caldeirada de peixe aqui. Habitualmente. Além de alguns tascos
célebres de Aveiro, eu iria até Buarcos, onde conheço excelentes
cozinheiros e cozinheiras. Mais elas do que eles, que sem desmerecer
dos homens com avental, no computo geral as mulheres levam a palma.
Também tenho que admitir que a sua previsão acerca de que dois bons
garfos não conseguiríamos dar cabo da caldeirada, estava certa.
Mesmo assim não me sinto perdedor, pois captei que o Ortega já
bateu esta praça, e muitas outras, desde anos atrás e, por isso,
joga sempre em casa, o seu terreno.
Também
deixo as sobremesas à sua escolha, embora sem desprezar a prova dos
doces não dispenso uma talhada de melão, casca de carvalho se o
tiverem e seja bom. E atrevo-me a pedir que, enquanto moemos o prato
principal, entremos na segunda parte da conversa, e assim reclamar da
promessa.
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Há bastante que contar e aquilo que hoje não ficar totalmente claro
teremos outras ocasiões para entrar em detalhes. Indo ao que mais
importa. Por boca de contactos individuais, com elementos do pessoal
menor, que sempre sabem muito mais do que os chefes imaginam,
soubemos que, de facto, os organizadores contrataram para serviço de
segurança quatro elementos da máfia internacional, cujas
identificações coincidiam com as que apurou a PJ. Simplesmente não
se conseguiu apurar nada concreto para os incriminar. Não admira,
pois são malta batida e sabem que tinham as costas quentes. Os
testemunhos que os viram a festa e na mata eram coincidentes, mas
segundo a polícia, inúteis para conseguir uma condena. O único
caminho que restava era o de agir com as mesmas armas dos mafiosos, e
para isso o Dr. Cardoso afirmava que nas famílias ciganas havia
elementos mais capazes do que nos membros das ditas forças da ordem.
Em
princípio aceitamos vigiar e seguir a caça, evitando que nos
fugisse da mão. O aplicar justiça por conta alheia não é coisa
que se possa admitir sem uma profunda justificação. Sugeri ao
Doutor que, usando elementos de saias, podíamos conseguir alguma
desunião entre os membros daquele exército tão complexo, com
tantas nacionalidades e costumes. Temos mulheres e raparigas muito
capazes de dar a volta a qualquer macho, e no rescaldo levar a fortes
ciumeiras entre candidatos a comer o doce. Uma vez que,
subterrâneamente, se conseguisse quebrar o aço daquela fortaleza,
sendo eles fortes de músculo e gatilho, eram com certeza fracos em
perspicácia. A muito de um lado corresponde pouco de outro.
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E esta táctica deu resultado?
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Não sei ao certo. Sei que a Lola, uma mulher jovem, experiente, das
que enganam turistas fingindo que sabem ler a sina, enfeitiçou um
romeno e um croata, duas bestas de volume considerável; só
músculos. Foram vistos a discutir por palavras e gestos. O romeno
querendo ter ascendente porque, afirmava convicto, que ele também
era de etnia cigana e por esta razão reclamava o direito de
conquista da Lola. Como evoluiu esta quezília não sei, mas passados
uns dias encontraram o corpo do croata nas rochas do Cabo Carvoeiro.
Já só restavam três. E eu dei ordem para que a Lola fosse viajar,
rapidamente, até casa duns parentes que moram em Granada. Ninguém,
mesmo ninguém, entre os meus fez a mínima referência ao falso
namoro desta sacrificada Lola. Que levou um envelope bem cheio com
euros para compensar o seu esforço.
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Ortega. Antes que continuemos e este capítulo se perca, faço
questão para ser da minha bolsa que se deve liquidar esta
gratificação. E não quero conversas ao contrário. Amigos são
amigos e responsabilidades são de cada um.
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Já falaremos disso com calma. Já disse que ficavam três malandros
a punir. Conversando, sempre sem testemunhas nem gravadores, com o
Dr. Cardoso pensamos em se lhes poderíamos armar uma ratoeira que
levasse a uma cena de tiros onde “os nossos”, da união
inexistente, tivessem boas hipóteses de apanhar algum deste peixe.
Sugeri fingir que na feira de gado de Viseu se fizessem umas grandes
vendas, como sempre a dinheiro. Tanto vendedores como compradores
seriam gente “da casa”, e portanto seria a dinheiro vivo
(aparentemente, pois que
misturar folhas de jornal com notas para fazer maços e uma das
nossas habilidades. Temos treino constante!) A minha gente
não entraria com armas de fogo, mas sempre existem navalhas que bem
trabalhadas podem enviar para os anjinhos o mais astuto dos paios.
Armas de fogo e os melhores atiradores disponíveis na polícia
ficariam de atalaia, aguardando os nossos sinais.
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E conseguiram caça?
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Nem tudo. Dois foram abatidos no local, o romeno e um outro que não
esteve no Vale. Da tropa de elite só houve um ferido sem gravidade.
E restaram dois dos quatro que o incomodaram.
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Em tão pouco tempo conseguiram, as forças conjuntas, mas sempre com
o importante contributo dos elementos do grupo do Ortega, uma
verdadeira proeza, pois não podemos esquecer que aquela malta não
são propriamente meninos do coro. É pena que ficassem dois.
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Não se lamente antes de tempo. Parece que aquele forasteiros
entraram em crise e que se sentiram demasiado vigiados nesta zona. As
bulhas continuaram, por motivos e razões que desconhecemos, mas dias
antes do vosso regresso encontraram um corpo, nu e de mãos e pés
atados, precisamente no local que anteriormente profanaram. Foi
identificado pela Interpol como um dos membros do gangue, e por cá
viu-se que era mais um do quarteto. Restava um. Comentou-se de que
çhes cheirou existirem represálias pelo atrevimento de colocar
vítimas deles no vosso terreno. É possível que com este sacrifício
pretendessem conseguir uma espécie de armistício.
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Não me diga que também liquidaram este último?
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Não, nada disso, nem do terceiro tivemos ou a PJ a mínima
ingerência. A vigilância continuou e no dia do vosso regresso
passaram três carros cheios de indivíduos mal encarados por Vilar
Formoso, rumo a Espanha e possivelmente a países europeus que não
tivessem memória visual da sua estadia em Portugal. Dr. Cardoso me
informou de que entrou em contacto imediato coma Interpol, e
directamente com a delegação em Espanha e a Francesa para que os
vigiassem.
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O Amigo Ortega tirou-me uma grande preocupação de cima, e estou
ansioso para poder contar estas novidades à minha mulher. Bem me
anunciou que trazia boas novas, mas nunca imaginei que seriam tão
completas, mesmo que, por enquanto, Ainda um deles ande a monte, como
quem diz. Deixe-me pagar este almoço, e espero que quando tiver
tempo livre em Aveiro me avise para ter mais uma conversa.
Venha
este abraço, bem à vista de todos. E agradeço, de todo coração,
os esforços de vigilância que os seus amigos, não só do seu clã
mas também de outras famílias desta grande etnia portuguesa.
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Maragato, não exagere. Sei bem como é a minha gente, e nem todos
são iguais, tal como acontece com os paios. Para já, desde muito
novos trazem visco nos dedos e a noção de propriedade privada,pelo
menos no que respeita aos não ciganos, lhes é bastante
indefinida,por dizer de alguma forma menos agressiva. Mas são amigos
fieis de quem decidem podem situar neste cacifo. Os outros... o
melhor é não esclarecer. Boa viagem e cumprimente a dona Isabel de
minha parte. É uma boa companheira para si.
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