Conversa ao serão
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Deves estar fatigado e com a garganta seca depois de me relatares,
com tantos pormenores, o que te contaram neste dia tão intenso.
Especialmente o que descreveu o Rei Rafael Ortega. Não vou dizer
que fiquei admirada pela reserva do Inspector Cardoso, pois o que
escapava da normalidade era a inesperada confiança que te ofereceu
este membro da practicamente “secreta”. Se calhar o que queria
era meter-te os dedos na boca para verificar se tu estavas, nem que
fosse desde nua posição secundária, metido naquelas deposiçoes de
cadáveres. Sejam quais forem as razões que o levarem a ser mais
fechado, o mais provável é que tenha encontrado um muro de silêncio
e oposição interna, oficial ou oficiosa pois para o caso vai dar ao
mesmo, no que se refere a identificar quem contratou os assassinos,
apesar de que inicialmente se tratassem de seguranças (?).
Igualmente deve estar na pasta do reservado, saber acerca dos
estatutos tinham não só os organizadores da orgia como os selectos
convidados. Vamos dar tempo ao tempo, pois nem que seja por vias
travessas alguma coisa chegará aos nossos ouvidos.
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Tens razão no que dizes. Como quase sempre. Pronto, não faças
caretas! Rectifico para SEMPRE! O que agora quero é saber das
fofoquices dos salões, que pelo avanço que me deixaste, não
incluem mortes, mas algum sangue sim que foi derramado.
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Afinal tomaste sentido no que disse antes da tua longa dissertação.
Pois aí vai disto! Recordas que semanas atrás contei que constava
que a mulher do Presidente da Câmara do Vale era uma ninfomaníaca,
ou seja que tinha um intenso calor uterino, quase que fogo ardente? E
que, com todo o desplante, recebia os seus variados amantes na
própria casa, e certamente que no leito conjugal? E que uma vez
combinados os encontros, indicava quando o terreno estava
desimpedido, colocando um lenço estampado em cores vivas numa
janela?
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Até aqui tenho estes elementos no meu arquivo. Mas depois disto nada
mais contaste e eu, por respeito e prudência, não tentei sondagens
noutras fontes. Estas pesquisas dão melhores frutos quando feitas
através das astutas fêmeas. E estou curioso em saber o que guardas
sobre este múltiplo adultério.
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Dizem, por relatos caseiros entre lençóis de casais em que um dos
membros está instalado na Câmara, que as piadas sobre maridos
enganados, cornos mais completos do que os dos veados e dos extremos
com que alguns cornúpetos aceitavam a situação, que era impossível
que, nem que fosse propositadamente, não chegassem aos ouvidos do
infeliz “enganado”. Por isso quando se viu que, repentinamente e
largando os seus compromissos oficiais, coisa que nunca tinha feito,
o presidente saiu pela porta fora, entrou no carro, dispensando o
motorista, e se dirigiu em velocidade acelerada para a sua
residência, foi uma corrida para as janelas e telefones para ver o
que estava para suceder. Aquilo cheirava a esturro.
O
consentido entrou em casa, sem barulho, e uma vez dentro só se ouviu
um disparo e, sem demora, saiu pela porta um fulano -que
alguns dos mirones identificaram- correndo aos saltos
enquanto mantinha uma mão, ensanguentada, apertando uma nádega, a
esquerda se não estou enganada. Para onde foi não sei, mas
certamente que algum médico ou enfermeiro lhe teve que retirar o
projectil e dar uns pontos de sutura, além de alguma pica para
evitar infecções, e mais outros para as dores, pois se dizem que o
rabo não tem sentimentos, até os beliscões de amizade e assédio
doem, quanto mais um tiro bem dado.
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E a esposa? Ficou na cama como a Vénus do milho, mas com os braços
em activo? Ou será que o marido, entrou no campo mesmo que
enlameado?
- Esta
pergunta a sentiram por igual os mirones e coscuvilheiras locais.
Continuaram à espreita. Até ver, passado pouco tempo, como saiu o
casal carro o casal, com ar carrancudo e sem os cumprimentos
habituais aos que encontraram. Seguiram em direcção desconhecida,
mas pela estrada a nascente. Ninguém se atreveu a seguir a viatura,
por mais curiosidade que sentissem. Decidiram dar tempo ao tempo,
esperar que se soubesse.
No
dia seguinte, alguma cliente do salão, deu a novidade, que ela
considerava certa, de que o marido a entregou aos pais “da noiva”,
que já devem ter bastante idade e não sabemos como aguentaram este
golpe social. Que, nem sequer se pode considerar inédito, pois de
cornos ignorados e dos consentidos estão as ruas cheias. E
actualmente, com tantas mulheres trabalhando fora de casa,
principalmente em escritórios, convivendo com elementos do sexo
oposto dizem que isto é mais do que corrente. E mesmo com colegas do
mesmo sexo, pois se sempre existiram lesbianas agora, que se
habituaram ao nome fino de safistas, já se sentem com o direito de
surgir ao sol, abraçarem-se, apalparem-se e beijarem-se em público,
além de inclusive casarem pelo registo e insistirem em procriar com
sémen de anónimos. Já sabes como o ambiente social mudou!
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Eu gostaria de trocar impressões contigo acerca de umas ideias que
me tem andado às voltas pela mioleira. Não é que corresponda a
algum relato recente. Nem sequer me deram dicas para isso, mas atando
fios de um lado e de outro, cheguei à conclusão de que devia ter
prestado mais atenção, ou curiosidade, ao facto do porque as
famílias ciganas podem ter um estatuto tão especial, concretamente
quanto ao não cumprir as regras que, aparentemente, deviam seguir.
Dito com outras palavras. Se pelos acontecimentos do Vale nos foi
dado saber da existência, factual mas não escrita no Diário da
República, de um entendimento com décadas de vigência, entre estes
de uma etnia específica e as autoridades nacionais de controle
económico, criminal e social.
Mas
esta palestra a temos que guardar para mais adiante. Talvez ao serão
desta noite, pois agora tenho que sair para tratar dos meus negócios,
que não só de conversa se pode manter a nossa vida. Entendes? Pelo
teu acenar de cabeça sinto que assim é. Em princípio devo tratar
num só dia, mas pode ser que tenha que prolongar a viagem para
amanhã. Na previsão já preparei um rodinhas com umas mudas de
roupa interior e camisas, e mais o equipamento de asseio. Seja como
for eu irei dando notícia pelo telelé.
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