sexta-feira, 30 de junho de 2017

CRÓNICAS DO VALE cap 3

(este capítulo já foi corrigido)

Onde se referem os arrazoados de uma convocatória

Ainda não eram dez horas da manhã e o funcionário da Junta andava pela aldeia à procura do Zé Maravilhas. Trazia na mão um papelinho, dobrado e metido num envelope de cor amarelo velho, que o Senhor Presidente lhe incumbiu que entregasse, pessoalmente, em mão própria, a quem estava endereçado.

Localizou o indagado na sua horta, já finalizando a rega recomendada para refrescar as hortaliças que sempre cuidou com esmero. Ao abrir o sobrescrito viu que só continha uma linha de texto: Solicita-se ao Senhor JOSÉ SOUSA MARAGATO para se apresentar, logo que possível, no gabinete do Senhor Presidente da Junta de Freguesia. Nada mais.

Vendo que, desde que o Zé tem memória, o ser referido pelo seu nome oficial raramente, por não dizer nunca, era corrente na aldeia, pensou, sem hesitar, que já tinha rebentado a bomba que tão detalhadamente preparara. Uma daquelas premonições que os que gastam mentes pensantes recebem, como se enviadas pelo Santíssimo. Salvo seja!

Este encontro, que certamente não será para me pedir em casamento pois que as mais recentes modas levam décadas a chegar nestes lugares recônditos do Portugalito profundo, e eu não estou afim de me juntar a um macho. Dando o benefício da dúvida à masculinidade de presidente, a falta de sintomas que me levassem a duvidar. Entendo que me devo fardar com requintes de malvadez. Não sendo eu membro de nada que implique ter uma vestimenta oficial, seja pelo menos de bombeiro ou músico da banda, vou envergar o fato dos enterros. Nada mais indicado, pois prevejo um funeral mandado, como os bailes mandados.

Posso entrar? Estava à sua espera, senhor Maragato. Se me permite, o seu cuidado para desta vez não se me dirigir pela alcunha com que sempre me tratou, e procurar o nome na minha ficha, que sendo um apelido nada frequênte, antes muito estranho, por estes lados, sinto-me incitado a lhe esclarecer que não passa, tal como o adquirido de Maravilhas, de ser também uma alcunha, herdada do meu avô Paco, com o meu pai Ricardo de intermediário. O meu avô chegou a Portugal já crescido, viajando desde o Reino de Leão das Espanhas (uma classificação de Reino que só fica nalguns documentos oficiais e nos livros de história). Mas, ainda hoje, existe uma zona que se chama de Maragateria e os seus naturais são, todos, maragatos.

Peço desculpa por esta intromissão mixta de história e linguagem, e que difícilmente lhe pode interessar. Não resisti! « Então, Senhor Presidente, qual é a novidade tão urgente?

De entrada digo que gostei de saber de onde vem o seu apelido, coisa que desconhecia por completo (não admira, sendo ele burro encartado!). Tenho o propósito, a partir de hoje, de esquecer a merecida alcunha de Maravilhas, apesar de reconhecer que da sua voz surgem, com frequência, mostras de conhecimento que não são habituais entre esta gente pacata e laboriosa (o homem quer ficar de boa imagem com estes louvores gerais aos seus rústicos súbditos) Mas ontem, já noite cerrada, quase coincidindo com as badaladas da meia, chamou para casa o Presidente da Câmara (agora deveria acrescentar: Que Deus o guarde de saúde por muitos anos) com nervosismo evidente, ordenando que travasse de imediato o seu projecto, irreverente, ignominioso e provocador, ofensivo dos bons costumes. 

Deu a entender que teve pressões desde a cúpula partidária, eclesiástica, com o secretário do Bispo da diocese incluído, que referiu o insulto ter chegado ao Patriarcado! E até do comando provincial da GNR. Todos eles em consonância no sentido de matar esta iniciativa antes que se tornasse conhecida nos tabloides que educam, no melhor e no pior, a nossa fiel população.

Pode acreditar, Senhor Maragato, que eu estava encantado com a sua proposta, apesar de que encontrei a minha senhora estava feita uma fera, quando eu cheguei a casa depois da última reunião na junta. Não sei como ela soube tão depressa. Ali ouve bufos. Eu não! (pois não, seu velhaco. Imagino que mal nos viste sair pela porta fora fostes meter tudo no cu do Presidente da Câmara. Quem não te conheça, que te compre!) Mas juro que lamento ter que lhe transmitir estas ordens superiores. (tu o que sonhavas era em poder ver muitas vaginas e poder saborear alguma chuva doirada! Ficaste com as ganas! Ou pensavas que aquilo ia pelo sério?)

Senhor Presidente, não se apoquente, pois eu de si sei que não tenho razões de queixa e que ouviu atentamente aquilo que ia expondo, e até vi que ia tomando apontamentos (Toma e engole, pensavas que, estando eu virado para a assistência, não reparei? Eram para fazer o relatóri que enviastes aos teus chefes e apoiantes. Tu, que és o bufo maior desta terrinha de caca, graças ao teu empenho em nos manter no fim da fila) Agora, que já cumpriu com as ordens emanadas lá de cima, se tiver tempo para me ouvir, gostaria de fazer uns comentários à situação. Mas mesmo que tenha que ser um diálogo reservado, de preferência neste seu gabinete, penso que seria pertinente que os dois, sem ser de braço dado pois não é coisa para exageros, fossemos tomar um café ali no bar em frente e dar azo a que a clientela veja, e depois distribua, que não andamos à pancada. O que lhe parece, Senhor Presidente? 

Estou perfeitamente de acordo com a sua proposta, Senhor Maragato. Vou deixar recado, pelo telefone interno, à secretaria de que estarei ausente por um bocado e que não me demoro. Vamos? (podes ser, e és, velhaco, mas sou mais astuto do que tu. É mais fácil dar-te a volta do que ao meu neto que mal sabe falar. A minha filha diz que quem sai aos seus não é de Genebra!)


Continuará? Só o bracarense é que deu ânimos.

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