sábado, 1 de julho de 2017

CRÓNICAS DO VALE cap. 4

(já revisto e corrigido)

Da conversa amena

Pois, amigo Maragato, vamos então para este intervalo mediático de café falado ou dialogado, pois que estou curioso para saber o que me quer referir, e que suponho deve estar ligado à sua ideia de criar, neste canto ignorado, um evento bastante inusitado e que levantou alguma poeira.

Se não se importa, Senhor Presidente, recordo que existe a ideia, emanada das altas esferas, de que entre o povo tudo anda sobre esferas, no melhor deste mundo. E sabemos que a realidade não é bem esta. Que se aproveitam dos horizontes limitados destas gentes. Cidadãos que só são procurados e afagados quando se deseja o seu voto nas urnas. Após a contagem voltam a ser vistos e considerados como a carneirada.

Já estamos a entrar em temas que não se podem comentar em via aberta, expostos à coscuvilhice local. Por isso era conveniente nos situar num local recatado. Eu até sugeri o seu gabinete. Não ali as paredes tem muitos ouvidos. Não se pode soltar um traque sem que de imediato seja do conhecimento de toda a aldeia. Temos que encontrar um sitio, sendo possível em terreno neutro onde, sem estar escondidos, fiquemos longe das orelhas curiosas.

Óptimo. Por mim estou de acordo, se bem que nada do que pretendia conversar, a nível de amizade ou fraternidade, como preferir, é desconhecido pelos que andam neste mundo sem exclusivamente pastar. E se nos instalássemos no topo da reduzida bancada que se levantou num dos laterais do campo “poli-desportivo”? Certo. Não creio que possa ter escolhido melhor localização. E a estas horas fica à sombra dos altos eucaliptos. Diga da sua sentença, Senhor Maragato.

Antes de mais testemunhar que, com os poucos meios económicos e humanos de que dispõe. o nosso Presidente da Junta, tem procurado elevar o nível cultural e ambiental da aldeia, com o bizarro nome de Vale do Pito. Não vou fazer um inventário ao estilo das campanhas de promoção nas eleições, mas quero destacar a sua decisão de nos oferecer uma rede de accesso à internet, gratuita para o utente mas certamente que com custos para a Junta.

Obrigado Amigo. Esta iniciativa foi tomada, como disse nas entrelinhas, com o propósito de, paulatinamente, abrir as janelas do mundo actual, e futuro, aos residentes. Sei que os efeitos positivos, ultrapassando a fase badalhoca e da irresistível exposição pessoal desmedida, terminará por dar frutos. E para que tal aconteça confio nas novas gerações, que quase instantaneamente sabem tirar proveito das capacidades deste sistema e dos outros que correm paralelamente.

Antes de que, ao bater palmas, nos esqueçamos do importante, pelo menos a meu entender, é retirar conclusões depois do aborto da tal escandalosa proposta de um Festival da Chuva Dourada. Tinha a noção de que, entre os mais crescidos, ou adultos, para não lhes chamar idosos ou velhos, que hoje tem um carácter quase ofensivo, eram muitos os que ignoravam esta, digamos variante, faceta do erotismo “selvagem”. Pelo menos ao propor esta fantasia dei uma pedrada no charco.

E que pedrada Maragato! As ondas de choque chegaram longe. Até se diz, e não acredito, que depois de bater à porta do Patriarcado, as apresentaram na Santa Se!

Ora, já estamos na onda. Para já, de entrada, e admitindo a realidade de que a proposta não tinha cabimento nesta aldeia, é bom referir que certames bem mais escandalosos já se tornaram habituais, pelo menos numa periodicidade anual, em Lisboa e Porto, sem que a Cúria, tão zeladora dos bons costumes, tenha conseguido travar esta evolução.

Entre nós, e não sendo eu propriamente um timorato e saiba que Em toda a casa há roupa suja, entendo que uma dose de boas maneiras não causam dano algum. E, caso não reparasse, no meu discurso não referi, por ser sumamente abjecta, ofensiva e humilhante para as mulheres, que devemos respeitar uma vez que todos fomos engendrados num corpo feminino, é a da variante na tal chuva dourada em que o homem despeja a sua bexiga no corpo, e preferentemente na boca, de uma dama, seja ela nova, crescida ou já socialmente degradada.

Mas, se me for permitido, e voltando ao tema, esta diferença de trato entre as duas capitais de Portugal e as restantes cidades, vilas e aldeias, ficou bem explícita nas pressões que lhe foram transmitidas e que o empurraram a agir obedecendo aos superiores designios. Como se tal reacção fosse necessária, uma vez que aquilo não passava de ser uma provocação que deu seus frutos. Um deles foi ver como estes mandantes engoliram o anzol, com fio, cana e carrete, tal como os aldeões que eles desprezam. Esta é mais uma prova, que parece não ter importância, mas que a tem subjectivamente, de como os poderosos querem manter, a todo o custo, o povo sem capacidade de agir nem protestar. Como nos entendemos e coincidimos, Amigo Maragato!

Não quero deixar de referir o cinismo e duplicidade de comportamento da Igreja, pelo menos de demasiados membros da sua tropa, em todos os seus graus estatutários, sem esquecer os desmandos sexuais de muitos Papas e Cardeais que a história nos mostrou não respeitarem o seu celibato, que sempre insistiram em que deve ser respeitado pelos outros. Alguns cometeram inclusive incesto com suas filhas ou irmãs, sem serem as da caridade, que estas merecem outro estudo. Sabe, Senhor Presidente, que esta aldeia nunca teve um padre residente. Sempre foi servida por um a tempo partilhado, quase que um itinerante, e mais recentemente com a ajuda de algum diácono, que depois de uma preparação ao estilo das tais novas profissões, ficou encartado para poder exercer alguns, que não todos -por enquanto- os mesteres da “profissão”. Pois tal carência de uma presença física permanente não impediu a que as almas que se arvoram em defensoras da fé e dos bons costumes denunciassem, sem esperar o que é que aquilo (não) podia dar.



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