Não
só é percetível que a cidadania deste Portugal, tão mal tratado
pelos seus irresponsáveis, já se encontra no mesmo estado anímico
daquele que foi sujeito a maus tratos desde a mais tenra infância.
Ficou tão calejado que mais pancada ou menos pancada pouco o
incomoda.
Apesar
do alarido, do impacto visual e do sentimento de impotência junto à
solidariedade, o facto de que TODOS OS ANOS, se assista à mesma cena
e se oiçam não só choros e lamentos, relatos de terror e morte,
mas também alguns comentários coerentes e sensatos com a situação
sócio-económica e, por reflexo, de abandono dos campos, que se
instalou, como uma praga, que de facto é, no Pais. O mais triste, se
avaliarmos o futuro imediato, é que pouco (ou, se calhar, nada) se
fez para retirar a espada que pende sobre as cabeças, e seus bens,
dos que ainda estão radicados nas zonas “florestais” que restam.
É
unânime, entre aqueles que não estão comprometidos com os “altos
interesses da Nação” que a plantação intensiva de
árvores com interesse industrial -para as celuloses- constitui um
perigo não só potencial como efectivo para as populações e o País
em geral. Disso creio que os cidadãos estão todos cientes e clamam,
nem que se mantenham calados, como é costume, no sentido de que se
deveriam tomar medidas efectivas e não só retóricas.
Insisto
em que este sentimento está restrito aos que não estão
comprometidos, pois estes fazem ouvidos moucos e só tentam compensar
com reacções pontuais, mais visitas de condolências, abraços,
beijinhos a granel (dos quais, dada a sua profusão constante já
deixaram de ser valorizados) e regressar para os seus ninhos, com o
sentimento de terem cumprido o seu dever cívico, ou mais
propriamente cínico.
Mas
olhemos para o lado dos afectados:
O
interior do País, que hoje começa numa paralela afastada do mar a
poucas dezenas de quilómetros, está já practicamente desabitado, a
não ser os núcleos urbanos com alguma importância. Em muitos casos
só resistem idosos ou famílias que conseguiram criar algum
rendimento que lhes permita insistir na teimosia de não abandonar
aquele terreno, que é seu!
Mas
aqui entra a bruxa má do conto de Branca de Neves (e
os quarenta ladrões de outra história. Se bem que são muitos mais
do que as quatro dezenas) Desta
feita o visitante, com artes de convicção, não vem mascarado de
bruxa de nariz ganchudo e verruga preta no topo deste pedúnculo.
Habitualmente
é alguém que está ligado com
a indústria da celulose,
e que apresentando-se aos residentes isolados, com as boas maneiras
de preceito, lhes diz que
traz o maná,
pois ele entende as suas necessidade e verifica ser uma lástima
terem aqueles terrenos em pousio, improdutivos, abandonados, ermos.
Ele pode “ajuda-los”, sem custos, para poderem ter um rendimento
periódico, quase que perpétuo (?), se aceitarem que ali se plantem
eucaliptos. E mais o blá-blá-blá que trazem engatilhado. E quem
diz eucaliptos pode dizer pinheiros bravos, pois o que interessa é
garantir madeira como matéria prima.
De
nada vale que os estudiosos insistam nos malefícios destas duas
culturas florestais intensivas. Podem esganiçar-se, escrever,
apresentar estudos académicos, ouvem mas viram a cara, e a cabeça,
para outro lado. O único efeito visível ó o de lhes mostrarem
caras sisudas, querendo demonstrar que os entendem e que lhes querem
dar todo o apoio que merecem. Mas nada de positivo. Nem sequer os
comovem os relatórios de que o eucalipto não deixa crescer a flora
baixa normal das florestas, que “envenena” as terras, além de
que seca os aquíferos, pois não se cresce com aquela rapidez sem
consumir água, que, com as suas raízes, procurará ansiosamente.
Até os caçadores sabem que estas florestas não acolhem animais
selvagens. Nada disso interessa.
Então
pergunta-se: Se todos estão cientes destes perigos, porque se
insiste, impunemente, em deixar não só plantar estas espécies de
risco, como em as promover descaradamente?
É
fácil de entender.
Por
um lado o proprietário decide optar pela promessa de rendimento por
não ter outra alternativa, e menos com apoio. Mas a razão
principal está nos grupos de pressão, sumamente efectivos, que
estão instalados nos departamentos oficiais que podem travar esta
invasão e não o fazem. Se formos beatíficos e carregados de boa
vontade, aceitaremos o argumento, sempre presente, de que esta
indústria da
celulose
é uma das que proporciona maiores ingressos ao tesouro público; que
é um exportador de primeira ordem, e que tem
que ser protegida, promovida,
nem que seja de uma forma pouco clara, PARA
BEM DA NAÇÃO.
Quem
for excessivamente maldoso é capaz de imaginar a existência de
compensações pessoais que justifiquem esta continuidade. Longe de
mim pensar estas velhacarias, nunca provadas.
E
para o ano haverá mais incêndios, caso ao longo de 2017 não tenham
queimado o resto. Mais vítimas, mais desgraças e mais beijinhos e
abraços, nem que seja por outras motivações. Estamos numa de
carinhos.
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