segunda-feira, 19 de junho de 2017

JÁ NOS HABITUAMOS



Não só é percetível que a cidadania deste Portugal, tão mal tratado pelos seus irresponsáveis, já se encontra no mesmo estado anímico daquele que foi sujeito a maus tratos desde a mais tenra infância. Ficou tão calejado que mais pancada ou menos pancada pouco o incomoda.

Apesar do alarido, do impacto visual e do sentimento de impotência junto à solidariedade, o facto de que TODOS OS ANOS, se assista à mesma cena e se oiçam não só choros e lamentos, relatos de terror e morte, mas também alguns comentários coerentes e sensatos com a situação sócio-económica e, por reflexo, de abandono dos campos, que se instalou, como uma praga, que de facto é, no Pais. O mais triste, se avaliarmos o futuro imediato, é que pouco (ou, se calhar, nada) se fez para retirar a espada que pende sobre as cabeças, e seus bens, dos que ainda estão radicados nas zonas “florestais” que restam.

É unânime, entre aqueles que não estão comprometidos com os “altos interesses da Nação” que a plantação intensiva de árvores com interesse industrial -para as celuloses- constitui um perigo não só potencial como efectivo para as populações e o País em geral. Disso creio que os cidadãos estão todos cientes e clamam, nem que se mantenham calados, como é costume, no sentido de que se deveriam tomar medidas efectivas e não só retóricas.

Insisto em que este sentimento está restrito aos que não estão comprometidos, pois estes fazem ouvidos moucos e só tentam compensar com reacções pontuais, mais visitas de condolências, abraços, beijinhos a granel (dos quais, dada a sua profusão constante já deixaram de ser valorizados) e regressar para os seus ninhos, com o sentimento de terem cumprido o seu dever cívico, ou mais propriamente cínico.

Mas olhemos para o lado dos afectados:

O interior do País, que hoje começa numa paralela afastada do mar a poucas dezenas de quilómetros, está já practicamente desabitado, a não ser os núcleos urbanos com alguma importância. Em muitos casos só resistem idosos ou famílias que conseguiram criar algum rendimento que lhes permita insistir na teimosia de não abandonar aquele terreno, que é seu!

Mas aqui entra a bruxa má do conto de Branca de Neves (e os quarenta ladrões de outra história. Se bem que são muitos mais do que as quatro dezenas) Desta feita o visitante, com artes de convicção, não vem mascarado de bruxa de nariz ganchudo e verruga preta no topo deste pedúnculo.

Habitualmente é alguém que está ligado com a indústria da celulose, e que apresentando-se aos residentes isolados, com as boas maneiras de preceito, lhes diz que traz o maná, pois ele entende as suas necessidade e verifica ser uma lástima terem aqueles terrenos em pousio, improdutivos, abandonados, ermos. Ele pode “ajuda-los”, sem custos, para poderem ter um rendimento periódico, quase que perpétuo (?), se aceitarem que ali se plantem eucaliptos. E mais o blá-blá-blá que trazem engatilhado. E quem diz eucaliptos pode dizer pinheiros bravos, pois o que interessa é garantir madeira como matéria prima.

De nada vale que os estudiosos insistam nos malefícios destas duas culturas florestais intensivas. Podem esganiçar-se, escrever, apresentar estudos académicos, ouvem mas viram a cara, e a cabeça, para outro lado. O único efeito visível ó o de lhes mostrarem caras sisudas, querendo demonstrar que os entendem e que lhes querem dar todo o apoio que merecem. Mas nada de positivo. Nem sequer os comovem os relatórios de que o eucalipto não deixa crescer a flora baixa normal das florestas, que “envenena” as terras, além de que seca os aquíferos, pois não se cresce com aquela rapidez sem consumir água, que, com as suas raízes, procurará ansiosamente. Até os caçadores sabem que estas florestas não acolhem animais selvagens. Nada disso interessa.

Então pergunta-se: Se todos estão cientes destes perigos, porque se insiste, impunemente, em deixar não só plantar estas espécies de risco, como em as promover descaradamente?

É fácil de entender.

Por um lado o proprietário decide optar pela promessa de rendimento por não ter outra alternativa, e menos com apoio. Mas a razão principal está nos grupos de pressão, sumamente efectivos, que estão instalados nos departamentos oficiais que podem travar esta invasão e não o fazem. Se formos beatíficos e carregados de boa vontade, aceitaremos o argumento, sempre presente, de que esta indústria da celulose é uma das que proporciona maiores ingressos ao tesouro público; que é um exportador de primeira ordem, e que tem que ser protegida, promovida, nem que seja de uma forma pouco clara, PARA BEM DA NAÇÃO.

Quem for excessivamente maldoso é capaz de imaginar a existência de compensações pessoais que justifiquem esta continuidade. Longe de mim pensar estas velhacarias, nunca provadas.


E para o ano haverá mais incêndios, caso ao longo de 2017 não tenham queimado o resto. Mais vítimas, mais desgraças e mais beijinhos e abraços, nem que seja por outras motivações. Estamos numa de carinhos.

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