quinta-feira, 1 de junho de 2017

CLAUSTROFOBIA


Poucos dias atrás, num escrito com o cabeçalho de TEIMOSO, referi a intensa e inesperada amizade que se estabeleceu entre nós, casal Virella, e um outro casal, um pouco mais idoso e com percurso de vida muito diferente do nosso. Uma amizade, aberta e profunda, que teve início numa situação, anómala, mas que serviu para ambos casais abrirem as suas portas com uma franqueza que, pelo que me foi dado sentir na sociedade onde estou inserido, anómala. A morte, sempre inesperada, dos nossos amigos deixou-nos mais solitários, mas permanecem recordações indeléveis.

Uma das facetas que sempre valorizei foi a de que os dois lados da mesa aceitassem, sem mostras de desagrado, as querenças, costumes e opções do outro casal. Por exemplo: eram devotos, que ouviam a missa dominical, coisa que nós já deixamos (a minha mulher decidiu deixar este hábito, apesar de insistir em que ela fosse à liturgia, sempre e tanto que eu pudesse ficar isento) Nas primeiras vezes os acompanhei, e portei-me com as atitudes de preceito, mas sem convicção. Entendi que, no fundo, cometia uma falta de respeito, tanto para a cerimónia e seu significado, como para os presentes nela, nomeadamente os amigos. A partir daí ficava de fora, passeava pelas redondezas, e depois tudo continuava como dantes.

Viajamos sempre, num grupo restrito aos dois casais, em várias ocasiões e para destinos diversos. Poucos dias antes de falecer, numa visita que fiz ao companheiro já muito depauperado, dizia-me é pena que não tivéssemos feito mais passeios juntos.

Não quer isso dizer que o entusiasmo fosse sempre o mesmo entre os quatro. Sou um bicho desinquieto e que tenho que fazer um esforço de contenção para não estragar o bem-estar dos companheiros. Recordo, entre outras vivências, algumas secas inesquecíveis: Uma delas foi o passeio fluvial pelo Douro. Depois de ver as povoações ribeirinhas, as encosta de vinhas e a visão dos solares, sempre com aquela lentidão que hoje está fora dos nossos hábitos, fazia com que desejasse ter um botão de comando com o qual pudesse acelerar as imagens, como num de vídeo. Nem sequer as eclusas, com o seu jogo de comportas, encher e vazar, que permitem a navegação por águas tranquilas, constituíram novidade, vista uma, vistas todas. Uma seca tremenda! Mas que tentamos amenizar com conversas de explanada no convés da nave “altaneira”.

Mas aquela frase golpeou-me na mente. Ainda hoje me pesa na consciência Especialmente porque senti que podia referir-se, mesmo que sem ser propositadamente, ao dia em que não alinhei numa das suas propostas. E que depois soube eles tampouco fizeram o que ansiavam. Sinto-me, ainda hoje, culpado. Tratava-se de fazer o percurso no comboio do túnel sob o Canal da Mancha pouco depois de ter sido aberto o trânsito.

Não me atrevi, na altura e até hoje, a referir a razão principal da nossa nega. Porque nem sequer era minha. Resume-se a que a minha mulher sofre, desde sempre, de claustrofobia. Não aprecia meter-se em elevadores, viajar no metropolitano clássico (que não é o caso do Porto) é um sacrifício, que vence com esforço. Pior é o mudar de linha por escadas e corredores onde não se vê o ar livre. Neste sector o metro de Londres causava-lhe pavor, que eu avaliava mas ela esforçava-se em disfarçar. Imaginar uma viagem, que deve durar bastantes minutos, fechada e não só num subterrâneo mas ainda com um mar por cima, seria quase tão amedrontador como uma queda livre na montanha russa.

A esta desmotivação juntava, eu, o conceito de que, apesar de dar o merecido valor à ingente obra de engenharia, não considerava que justificasse a viagem. É óbvio que depois haveria outros motivos de interesse a juntar ao pacote. Mas na altura da decisão pesou mais a claustrofobia. Fiz mal, e arrependi-me bastante, sem que propusesse uma mudança de decisão atendendo ao desejo do amigo. Deixei que as nossas adversões se sobrepusessem. Penalizo-me por isso.

Não quero terminar sem vos deixar uma porta aberta para me elucidar.


Não sofro de claustrofobia. Dei muitas voltas em claustros, desde o dos Jerónimos, o Museu do Azulejo no Beato, os Mosteiros de Alcobaça e Batalha, e outros muitos que visitei com interesse. Especialmente os do românico, quando me documentava sobre as figuras grotescas que existem em muitos capitéis e gárgulas. Se na minha mão caíssem tantas notas de 100 euros quantos claustros visitei sem sofrer de claustrofobia, podia gastar sem problemas durante uma semanas.

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