terça-feira, 4 de julho de 2017

. CRÓNICAS DO VALE cap. 7

(este capítulo foi revisto e corrigido)

José Maragato vai vender a sua casa e abandonar o Vale do Pito

Quem bate à janela? Será chuva, será vento, neve não é certamente. Já vou! Senhor Presidente, que grata surpresa. Creio que é a primeira vez que se chegou a este canto e bateu à porta. Seja bem vindo, faça o favor de se sentar e proponho que bebamos um copo de reserva para celebrar esta ocasião especial. A que devo esta sua visita, caso existe algum motivo, pois que de cortesia seria uma dupla surpresa?

Nada de especial, Amigo Maragato, só que ontem deixou-me com o bebé nos braços, com todos os presentes aguardando que lhes desse novidades. E não tenho as suas capacidades para cativar os ouvintes. Não se lamente, Senhor Presidente, cada um amanha-se conforme pode e sabe. Se os seus amigos de partido, aqueles que o colocaram na cabeça de lista, não lhe proporcionaram um cursozinho de oratória e dialéctica deve ter sido porque consideraram que, para lidar com os seus fregueses, não era necessário gastar muita pólvora.

Não seja mau, Amigo Maragato. Sabe que a malta aguardava outro projecto, que aliás tinha anunciado com algum avanço. 

Mas eu dei-lhe todas as linhas gerais do programa de gastronomia à base de frangos criados à antiga. E até lhe deixei umas frases de publicidade. A partir dali eram vocês que deviam manobrar o barco, e até juntar algumas iguarias já pouco habituais mas que as pessoas mais velhas ainda recordam com saudade. E antes de que me tente convencer é bom que pense que eu dou espectáculo quando me apetece, e como não recebo pagamento tenho total liberdade para desaparecer do palco. Os valerianos ou pitéus, pois não sei como devem ser identificados estes vizinhos, são adultos, capazes de dar uma sacholada na cabeça de um vizinho quando as coisas se torcem, e daí que seja absurdo que esperem sempre ser guiados à semelhança das crianças do jardim-escola quando as levam a passear.

Sabe perfeitamente que sem a sua orientação não haverá semana gastronómica, nem qualquer outra actividade que altere a vida de pasmaceira desta gente. O máximo em que se metem, com entusiasmo, é as festas do santo padroeiro e os bailes com quermesse e febras grelhadas a céu aberto, dantes regadas com tinto carrascão, mas onde agora primam as cervejas, vinho engarrafado e muitos refrigerantes carregados de açúcar, por mais que se avise à população em geral dos perigos, comprovados, dos excessos de sal e açúcar. Mas eu vinha por outro motivo.

É sabido que nesta pequena aldeia, e sucede  a mesma coisa nas outras, incluindo vilas e pequenas cidades, nada acontece que não seja visto e comentado por todos, ou quase todos. Sendo assim não deve ser surpresa para si que comentem ter tido, ultimamente, visitas que não pernoitam nem lhes são servidas refeições (até os peidos são notícia!) e que chegam, seguindo o seu carro, em viaturas de topo de gama, o que não é habitual se ver entre nós. Direi que dá ideia ser de índole profissional. O pessoal está muito curioso. E a mim deixa-me com a mosca atrás da orelha. Alguma coisa traz em seus planos o Amigo Maragato. E se não for um abuso da minha parte, ou um segredo de estado, apoiando-me na confiança, e até alguma colaboração, que me tem dado nestas semanas mais recentes, gostaria de saber por si, directamente, em vez de aguardar pelas vias informais.

Afinal quando está encarreirado num assunto mostra ter oratória q.b. Pois bem, vou satisfazer a sua curiosidade, não totalmente mas o suficiente para o tranquilizar -por assim dizer- pois que referir ser simples curiosidade pode interpretar-se como agressivo, e longe de mim tal pretensão. Como sabe herdei a casa onde resido neste Vale, com a morte prematura da minha amada mulher. Os filhos cedo foram enviados para crescer e estudar em casa de familiares na capital, pois aqui teriam um horizonte mais limitado do que aquele que desejava lhes poder oferecer. Quando vinham de férias, só se agradavam caso viessem acompanhados de uma numerosa tribo de citadinos, que se comportavam mais como selvagens do que como gente educada. É sempre assim. Entretanto os filhos cresceram, como é normal, e deixaram de se interessar com esta aldeia e com a casa. Preferiram viajar à boleia, no interrail e agora em aviões a preço de saldo. Ver lugares e pessoas mais exóticas, a ser possível, do que os habitantes do Portugal profundo. Que faço eu nesta casa?


Por outro lado, e imaginando que todos sabem, tenho um escritório, quase sempre fechado na Vila, e também mantenho, desde uns anos a esta parte, uma amizade, que inclui o carnal, com uma senhora respeitável. Agora vamos fazer um pequeno intervalo, sem publicidade, para poder reabastecer os copos e eu tratar de encontrar alguma coisa para picar. Pode ser umas lascas de jamón serrano, autêntico? É de etiqueta negra. Juntarei umas avelãs torradas, também do lado de lá, daquelas que largam a casca e que por aqui não sabem como as preparar. O ter uns mililitros de sangue espanhol ajuda-me na pesquisa de petiscos, e como é corrente na vox populi as fronteiras nunca me incomodaram, antes pelo contrário. É um hábito familiar.



SEGUE NUM PRÓXIMO CAPÍTULO oitavo

VAI VENDER A MANSÃO?


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