Quem seria a pessoa que habitou naquele corpo morto ?
Já
passaram practicamente dois dias após a descoberta do corpo
abandonado nos limites do meu terreno. Da minha parte só agi em
função das circunstância actuais, que sem ser com espaventos
limitavam os meus movimentos Era uma decisão inevitável avisar aos
que estavam decididos a vir até Vale do Pito, assim como aos que
por mim foram ou como é o caso dos meus filhos, dizendo que tudo
ficava em suspenso, pelo menos até que as investigações em curso
me notificarem que posso continuar, sem reservas, com os meus
projectos. De imediato ao alarme, e antes de que me viessem com
“ordens superiores” enviei o meu feitor Ernesto Garapato, com a
sua equipa, para o lado oposto do local que os levou aos restos
mortais.
Dos
noticiários televisivos, que, tal como o jornal que dizem ser o que
detêm a maior tiragem neste País, e que partilha, inclusive com um
canal próprio, a distribuição de fofoquices, pouco ou nada pude
saber que sirva para avançar nesta situação, insólita por aqui.
Pelo que se subentende os organismos policiais e de investigação
ainda não colocaram muita coisa em cima da mesa para que os
necrófagos se alimentem. Mas tal não tardará, se procederem como
lhes é habitual, a dar uma dicas por baixo da mesa e com isso
incitar aos possíveis conhecedores de factos relevantes a que
mostrem o seu desejo de ser ouvidos e conhecidos. É um esquema
velho, embora obrigue a um trabalho exaustivo para poder separar
aquilo que pode ser relevante das simples conjeturas de mentes
fervilhantes.
Fartei-me
de rir, a sós e sem enviar gargalhadas para o ar, ao recordar o ar
maroto e, simultaneamente de desprezo, com que o chefe do grupo de
investigadores se despediu de mim. Sem me dizer na cara que eu
pensava ser mais astuto e conhecedor do que eles, e ter mostrado a
intenção de explicar a missa ao vigário. Levei-os
ao canto que queria. A partir daquele momento era provável que me
deixassem tranquilo. Por enquanto ainda andam por aí, tirando mais
fotografias e esperando o momento de chegar à conclusão de que
naquele lugar não há mais nada que pescar, E só então tirarão as
fitas, tão bonitas, que nos colocam numa ribalta de popularidade.
Os
polícias da judiciária, que se converteram em donos exclusivos
deste assunto, andaram pelas casas da aldeia, principalmente nos
cafés e outros estabelecimentos comerciais, fazendo as perguntas
óbvias, mas sem jamais se descaírem a responder caso se atrevessem
a perguntar. Até agora deixaram sair, sempre através dos meios de
comunicação social, que se tratava de um homem, com idade entre os
25 e 35 anos, e que pelos sinais encontrados nos despojos admite-se
que foi alvo de crime violento.
A
Isabel tem estado muito nervosa com esta novidade, e insiste em que
chegou o momento de nos assumir
como namorados. Não
fala em casar, e menos de véu e grinalda pois ela é respeitadora do
simbolismo que sempre esteve anexo a uma noiva vestida de branco.
- E com estes temas de índole pessoal já esquecia de te contar que, tal vez uma hora antes de chegares, apareceram dois sujeitos que se identificaram como sendo da judiciária -andam sempre aos pares como os Hélder?- e, sem serem demasiado inconvenientes, fizeram algumas perguntas, a teu respeito, das que sabiam as respostas. Só te digo que sabem mais das nossas vidas do que imaginamos.
- Não te apoquentes. A polícia é assim, e só te digo que para evitar que metam demasiado o nariz temos que ser mais vividos e manhosos do que eles. A receita eficaz é dar “milho aos pombos”, ou seja, muitas banalidades com aspecto de serem coisas importantes mas que, no fundo, como dizemos na contabilidade, é deixar alguma palha para se entreterem, e com isso atafulhar o processo individual. Ficam satisfeitos e até pode ser que soltem sonoros arrotos.
- Não consegues tratar esta língua? Deves estar convencido de que ainda es un estudante estroina lá nas Coimbras, que tantas saudades te deixaram.
- E com estes temas de índole pessoal já esquecia de te contar que, tal vez uma hora antes de chegares, apareceram dois sujeitos que se identificaram como sendo da judiciária -andam sempre aos pares como os Hélder?- e, sem serem demasiado inconvenientes, fizeram algumas perguntas, a teu respeito, das que sabiam as respostas. Só te digo que sabem mais das nossas vidas do que imaginamos.
- Não te apoquentes. A polícia é assim, e só te digo que para evitar que metam demasiado o nariz temos que ser mais vividos e manhosos do que eles. A receita eficaz é dar “milho aos pombos”, ou seja, muitas banalidades com aspecto de serem coisas importantes mas que, no fundo, como dizemos na contabilidade, é deixar alguma palha para se entreterem, e com isso atafulhar o processo individual. Ficam satisfeitos e até pode ser que soltem sonoros arrotos.
- Não consegues tratar esta língua? Deves estar convencido de que ainda es un estudante estroina lá nas Coimbras, que tantas saudades te deixaram.
De
positivo a Isabel propôs, com ar de não ser discutível, que desta
feita me acompanharia à casa de Vale do Pito, e ficarmos ali durante
uns dias, pelo menos ao longo desta semana. Sem me deixar respirar
acrescentou que já tinha distribuído as marcações das clientes, e
recordar as tarefas a cumprir entre as suas funcionárias, deixando a
Ivone -que conheço-, como encarregada geral, com autorização de telefonar sempre que entender que carece da sua opinião para
decidir. E terminou afirmando que já tinha o seu rodinhas preparado.
Aquele com que me acompanhou a Lançarote, nas Canárias, na fase em
que estava encaprichada em ver os locais por donde andou o célebre
e mal encarado Saramago, de
alcunha ou pseudónimo por ele escolhido.
Nestes
dias de descanso eu já fui preparando, sem a escrever, a minha linha
de investigação pessoal. Tenho um palpite de que será, ou seria, o
morto que me ofereceram sem passar cartão na entrega. Quero esperar
a que os serviços técnicos da PJ nos anunciem que, graças aos seus
especialistas, já identificaram, pela ficha dental, de quem se trata. Ou seja, aqueles restos já não serão de um desconhecido. Falta descobrirem o resto. Eu, atando algumas pontas soltas, creio que sei de quem se trata, pelo menos de nome, pois que não reordo de o ter visto e menos de ter falado com ele. Mas posso estar enganadao e ter o tal, cujo nome ianda não transpirou, no meu arquivo morto, à espera de uma faisca que o traga aos meus olhos interiores, numa visão.
É quase certo que terei que dar uma saltada a Coimbra e conversar com antigos colegas e companheiros de viagem no intuito de me confirmarem, ou não, aquilo que eu magiquei. Entretanto não me escapo de aceitar a companhia, imposta, de Isabel até a mansão que não conhece. Vai ser uma surpresa, fingida por quase todos, pois que o desporto geral de especular na vida de cada um já deve ter colocado, na fila de espera, o facto inevitável de que eu apareça com a estrela dos salões de beleza.
Sem comentários:
Enviar um comentário