segunda-feira, 17 de julho de 2017

CRÓNICAS DO VALE -cap. 16



Chegada ao hotel, Queca rápida e saída para compromissos. O CADÁVER CHEIRA MUITO MAL, A ESTURRO.

Cá estamos, vou-me apresentar ao concierge – sentem-se muito importantes com este tratamento. 

Boa tarde, sou José Maragato e fiz uma reserva específica para um quarto. -- - - Está tudo como o Doutor pediu, cá tem a chave e depois tratei da vossa ficha, pois certamente que quer receber a bagagem e descansar. -
- Será sol de pouca dura pois temos coisas a tratar nesta Lusa Atenas. Agradeço a sua atenção -e passei uma nota que já levava dobrada na mão.

Era este o quarto que desejavas? 

- Nem mais. Já cá estive em duas ou três ocasiões com uma amiga 

- (pois, uma amiga... Diz-me dessas e arrisca a pores o teu dedo na minha boca. Pode ser que eu morda o dedo e cuspa no anzol. E pensas que eu não conheço este ninho? Este jogo entre homens e mulheres carece de bom humor e descontracção

- Desculpa um momento. Estou aflita e quero refrescar-me. É um instante. E cá estou novamente. Gostas? Estas peças são de estreia e não foram compradas no chinês. 

- Se me der um badagaio no meio da luta corpo-a-corpo terás que chamar o 115! Tenho que vazar a água das azeitonas, quanto antes, pois que se o armamento estiver pronto a disparar é muito mais difícil despejar lastro.

Pois despacha-te, que desta vez quero duas seguidas e sem desencavar. Esta vestimenta deixou-me uma fera. Se assim me vês por fora nem sabes como estou por dentro. Até já sinto escorrer! Não são só os homens que deliram com a lingerie. 

- Pois. Por muito que gostasse, e gostei, foi além de uma imprudência, um material gasto antes de tempo. 
- Não sejas parvo, lembra que até o lavar dos cestos é vindima, e nem sequer se colheram metade das uvas. 

- O que eu te digo é que colocaste tanto saber e desejo neste teu corpo que deixaste-me arrasado em menos de dez minutos. ASSIM NÃO VALE!!

Agora, se me deixasse cair no relaxo ficaria a dormir até o sol posto, e sabes que não pode ser. Temos muito que fazer ainda esta tarde. Vou tomar um duche bem quente e vestir roupa lavada. Eu desço primeiro para tratar da papelada e arrumar o carro. Espero por ti na recepção. Não te demores. Repito que temos algumas coisas a tratar hoje, sem falta.

Antes de tudo, e como te disse, vamos ao notariado. Conheço o notário desde muitos anos e sei que tratará de tudo sem problemas. Boa tarde. Tenho entrevista marcada com o Senhor Doutor Macário Almeida. Pode anunciar que José Maragato já chegou? Com certeza Doutor. O Doutor notário vos aguarda. Façam o favor de entrar. 

- Então Zé? Dá cá um abraço! E esta senhora, tão formosa deve ser a noiva, se acredito no que os olhos me dizem e no que me falaste ao telefone. 

- Pois é isso mesmo, amigo Macário. Estamos decididos a juntar os trapinhos com a legalidade pertinente. E quanto antes. Daí que seria bom que um teu funcionário, de confiança, nos trate da papelada sob a tua revisão. Quando entenderes que temos que cá vir só tens que me ligar a este número. Uma pergunta. É necessário trazer testemunhas? 

- Bem, fica mais correcto, pois os dois não são uns refugiados sem familiares nem amigos em Portugal. 

- Está certo, eu, para não dar justificações da brevidade aos filhos, e porque a noiva, que eu saiba, não está à espera de criança, darei, ou pedirei, este lugar a um outro amigo da juventude académica. 

- Pois eu, se não te importas, gostaria de ter ao meu lado o irmão Óscar. - -- ((Tenho que mudar o decidido. Amanhã quero almoçar com os meus filhos em Lisboa e dar-lhes a novidade, mesmo que seja na última hora ))

- Vou chamar o Cristóvão para que colha os elementos necessários, faça fotocópia dos vossos documentos de identidade e veja em que data poderei vos fazer marido e mulher. Mais alguma coisa hoje? 

- Neste momento mais nada. Vou precisar da tua ajuda profissional mais adiante, mas, por enquanto limito-me ao presente.

- Por vezes dizes coisas que me dá vontade de te dar um valente pontapé nas canelas. Gostas de ser bruto, especialmente quando encontras colegas da ramboia. Não te esqueças que passaram mais de vinte anos, e todos já são pessoas respeitáveis. 

- Não entendes nada, menina e moça. Quando estamos entre antigos colegas, dos que fazíamos serenatas e nos embebedávamos em grupo, dá-nos um gozo especial fingir que voltamos ao passado. É a nossa forma de matar as saudades, de voltar a nos sentir jovens e irresponsáveis. É só um teatro inofensivo. Não ligues. É um hábito paralelo ao de nos tratarem por doutor.

- Antes do encontro com os dois colegas advogados de que te falei, quero entrar, contigo, no estabelecimento do meu amigo Moreira, que tem a melhor joalharia de Coimbra. Senhor Moreira, dê cá um abraço. Como vai do seu reumático? 

- Nem me fale nisso; hoje nem sequer está dos dias piores, mas quando entra a humidade pelo Mondego, o bazófias como vocês lhe chamam, mal posso dobrar os joelhos. Mas o que o traz por cá? 

- Uma dupla, como no totobola. Queremos alianças, à medida certa, para nos casar em breve, a data a gravar só a posso dar quando a conhecer no notário. E também preciso, embora um pouco atrasado, um anel de pedido para a noiva aqui presente. Mas não um anel de rapaz para rapariga, mais propriamente ao jeito de uma celebração de aniversário de boda, considerando que o tempo de mancebia conta. Os dois somos um pouco, bastante, anarquistas nestas coisas. Mas chegou o momento de sossegar e viver comprometidos a sério. 

- Esta lebre também está corrida. Como o que escolheste a teu gosto serve no dedo, sem ajustes, já o vais poder levar “calçado” a partir de agora. E dentro de pouco tempo já espetaremos os dedos para que vejam que trazemos aliança.

Para o programa de hoje falta me encontrar com o Vítor Meneses e o 3R, ou seja, o Raul Reis Rodrigues, para que me contem do que souberam daquele cadáver. Segundo me adiantaram há coisas a relatar, que sem serem uma novidade, raramente se noticiam ao público em geral. Avisaram-me de que não é provável que se expliquem muitos pormenores, pois cheira a esturro e nos corredores fala-se num grupo “festivo” de elementos da elite bem situada, que tudo farão para que o caso fique fechado a sete chaves.

Ficas livre durante coisa de uma hora. Poder fazer as tuas compras e, se não te incomodar, gostaria que procurasses numa boa livraria algum livro de “jardinagem rústica”; não de flores e canteiros, mas de arbustos apropriados para embelezar um espaço, ao jeito dos ingleses. Quando tiveres dado as tuas voltas creio que o melhor será entrares numa pastelaria com mesas e tomares um café, um chá ou um bagaço! 

- Estás cada vez pior. Isto de andares por Coimbra deixa-te transtornado!

- Esquece. Ou podes aguardar no hotel. Seja como for eu telefono para saber donde estás, e combinar donde jantaremos.Até já. Vá! da-me uma beijoca!

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