segunda-feira, 3 de julho de 2017

CRÓNICAS DO VALE cap 6

(este capítulo já foi revisto e corrigido)

UM ENCONTRO CASUAL

Quando já o ar estava numa temperatura aceitável, José Maragato dirigiu-se, calmamente, até o café da Casa do Povo na ideia de beber uma cerveja fresca e ter uns dedos de conversa com os paroquianos habituais. Bem vindo Zé!, clamaram em uníssono. E logo arrancaram lamentando-se, quase que com lágrimas nos olhos, de que o prometido festival da chuva doirada não se realizasse. Olhem, tem que pedir responsabilidades do vosso desânimo aos beatos e beatas, vossos vizinhos e amigos, que fizeram queixinhas, afirmando que havia quem pretendesse fazer desta aldeia uma nova Sodoma ou Gomorra.

Os desocupados que estavam amarrados ao balcão ou sentados nas cadeiras que, em conjunto com seis mesinhas, enfeitavam a sala, olharam-se interrogativos, mas mudos, até que o Pedro se atreveu a perguntar: o que é isso de Sodoma e Gomorra? É uma história da Bíblia, do Antigo Testamento, uma das muitas em que se refere que o Deus Pai não tinha, jamais, dó nem piedade para quem não alinhasse com as suas ideias. Não cumprir com as suas manias era a garantia de morte súbita e cruel, com requintes de malvadez, tal como aqueles que morrem de gozo quando ejaculam a nove, espasmódicamente. Podem morrer de gozo, mas morrem e só lhes fica o triste consolo de ver, desde os ares como um drone, as lágrimas de crocodilo de quem o tinha enfiado entre as suas pernas bem abertas.

Pedro não se deu por vencido: As pessoas com coração fraco deviam saber que não podem entrar em desportos violentos. Mas o Zé acabou de referir uma situação que já ouvi noutras ocasiões, mas que ainda não entendi. O que querem dizem com isto de andar a nove? É coisa de Lisboa e das cidades que tinham carros eléctricos. Quando o condutor pedia a máxima velocidade ao veículo, colocava o manípulo do reóstato no ponto 9. Equivale ao termo que deve ser mais vosso conhecido de “correr na ponta da unha” Mais uma que ouvi em muitas ocasiões e cujo significado me escapa. Tenho pena, companheiro Pedro, neste caso, que atribuo a ser pouco observador daquilo que os seus olhos veem, mas que a cabeça não analisa. A frase refere que quando uma montada, preferentemente um cavalo, corre desalmadamente, deixa no chão só a marca da ponta do casco, pois é ali onde se apoia e faz força para impulsar o corpo, só deixa marca do casco completo quando anda devagar.

Manuel quis entrar na conversa dizendo que não era de admirar que os beatos dessem as novidades, infelizmente não realizadas, ainda mal tinham sido pronunciadas na sala. Ora, amigo Zé, aqui sabe-se tudo no momento. Só se desconhecem os cornos da própria cabeça. O que acontece, com os temas que metem pintelhos, é tentar que fiquem guardados em cada casa, menos quando os encontros se dão num palheiro, no meio do campo ou, modernamente, no interior dos carros. E nas carrinhas e “fragonetes”! ajuntou o Ernesto. Sei de um que dentro da caixa fechada traz um colchão de espuma, bem enrolado, cortado à medida para ali poder fornicar valentemente sem ficar com dores nas costas.

Se eu tivesse uma nota de cinquenta “aéreos” por cada foda extra e alguma outra nota para quem recebeu na cara a mija da sua namorada, mulher ou amante casada com outro, já não me choraria da miserável reforma, que sei a quem devo agradecer. Aos socialistas que nunca votamos, acrescentou o João moleiro, cujo moinho está parado desde décadas. Não votamos porque o cura nos mete medo com os esquerdistas, dizendo que eles nos tirariam as terras. Para quê quereriam eles estes ermos? Disse em sentença o André ruço. E acrescentou, ele que era de poucas falas: o presidente da junta nos contou da sua nova proposta de festejos, desta vez no ramos das comidas, ou gastronomia como dizem os mais educados. A novidade é que, aproveitando mais uma vez o nome deste lugar, excitou a malandrice com umas palavras de ordem. È assim que se diz, amigo Zé? Perfeito. O André surpreendeu-me, pois sempre o vi entrar mudo e sair calado, ou vice-versa.

O que eu gostaria é que o Zé Maragato -uma vez que já não nos atrevemos a dizer Maravilhas, que foi uma alcunha ganha com mérito dadas as histórias sempre interessantes que nos foi contando ao longo dos anos- nos desse mais pormenores da sua ideia, pois, mesmo que não se venha a realizar, que é o mais certo, sempre nos alegrará nestes dias de pasmaceira. Faça a fineza de nos explicar tudo de forma que nós entendamos, sem o interromper.

Senhor André. E dirijo-me a si em particular porque foi quem me desafiou. Se bem imagino que o André falou em representação de vós todos. O que não impede a que, uma vez que já expliquei a táctica imaginada ao vosso presidente da junta, que seja ele, que vos conhece melhor do que eu, quem vos de notícia com um vocabulário que não vos deixe desorientados. E olhem quem entra agora!

Boa tarde, Senhor Presidente, estávamos agora mesmo a falar na sua pessoa. Mal, com certeza. Nada disso, antes pelo contrário. Acontece que eu tenho que vos deixar devido a um compromisso já marcado com antecedência. Tenho à minha espera um potencial cliente, interessado em comprar uma residência de campo, precisamente neste vale do Pito. Antes de vos deixar gostaria que o Senhor Presidente, aqui presente, vos desse alguns pormenores acerca da minha proposta de instaurar uma semana gastronómica centrada no excelente paladar do frango criado no campo, à antiga, mesmo que já hajam poucas bostas de boi pelos caminhos e terrenos onde possam debicar, afoitamente, os galináceos.

Meus estimados companheiros. Vos deixo bem entregues ao vosso Presidente eleito

Próximo capítulo, séptimo

José Maragato vai vender a sua casa e abandonar o Vale do Pito



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