(este capítulo já foi revisto e corrigido)
UM ENCONTRO CASUAL
Quando
já o ar estava numa temperatura aceitável, José Maragato
dirigiu-se, calmamente, até o café da Casa do Povo na ideia de
beber uma cerveja fresca e ter uns dedos de conversa com os
paroquianos habituais. Bem vindo Zé!, clamaram em uníssono. E logo
arrancaram lamentando-se, quase que com lágrimas nos olhos, de que o
prometido festival da chuva doirada não se realizasse. Olhem, tem
que pedir responsabilidades do vosso desânimo aos beatos e beatas,
vossos vizinhos e amigos, que fizeram queixinhas, afirmando que havia
quem pretendesse fazer desta aldeia uma nova Sodoma ou Gomorra.
Os
desocupados que estavam amarrados ao balcão ou sentados nas cadeiras
que, em conjunto com seis mesinhas, enfeitavam a sala, olharam-se
interrogativos, mas mudos, até que o Pedro se atreveu a perguntar: o
que é isso de Sodoma e Gomorra? É uma história da Bíblia, do
Antigo Testamento, uma das muitas em que se refere que o Deus Pai
não tinha, jamais, dó nem piedade para quem não alinhasse com as
suas ideias. Não cumprir com as suas manias era a garantia de morte
súbita e cruel, com requintes de malvadez, tal como aqueles que
morrem de gozo quando ejaculam a nove, espasmódicamente. Podem morrer
de gozo, mas morrem e só lhes fica o triste consolo de ver, desde os
ares como um drone, as lágrimas de crocodilo de quem o tinha enfiado
entre as suas pernas bem abertas.
Pedro
não se deu por vencido: As pessoas com coração fraco deviam saber
que não podem entrar em desportos violentos. Mas o Zé acabou de
referir uma situação que já ouvi noutras ocasiões, mas que ainda
não entendi. O que querem dizem com isto de
andar a nove? É coisa de
Lisboa e das cidades que tinham carros eléctricos. Quando o
condutor pedia a máxima velocidade ao veículo, colocava o manípulo
do reóstato no ponto 9. Equivale ao termo que deve ser mais vosso
conhecido de “correr na
ponta da unha” Mais uma
que ouvi em muitas ocasiões e cujo significado me escapa. Tenho
pena, companheiro Pedro, neste caso, que atribuo a ser pouco observador daquilo que os seus olhos veem, mas que a cabeça não analisa. A frase refere que
quando uma montada, preferentemente um cavalo, corre desalmadamente,
deixa no chão só a marca da ponta do casco, pois é ali onde se apoia e faz
força para impulsar o corpo, só deixa marca do casco completo quando anda devagar.
Manuel
quis entrar na conversa dizendo que não era de admirar que os beatos
dessem as novidades, infelizmente não realizadas, ainda mal tinham
sido pronunciadas na sala. Ora, amigo Zé, aqui sabe-se tudo
no momento. Só se desconhecem os cornos da própria cabeça. O que
acontece, com os temas que metem pintelhos, é tentar que fiquem
guardados em cada casa, menos quando os encontros se dão num
palheiro, no meio do campo ou, modernamente, no interior dos carros.
E nas carrinhas e “fragonetes”! ajuntou o Ernesto. Sei de um que dentro da
caixa fechada traz um colchão de espuma, bem enrolado, cortado à
medida para ali poder fornicar valentemente sem ficar com dores nas costas.
Se
eu tivesse uma nota de cinquenta “aéreos” por cada foda extra e
alguma outra nota para quem recebeu na cara a mija da sua namorada,
mulher ou amante casada com outro, já não me choraria da miserável
reforma, que sei a quem devo agradecer. Aos socialistas que nunca
votamos, acrescentou o João moleiro, cujo moinho está parado desde décadas. Não votamos porque o cura nos
mete medo com os esquerdistas, dizendo que eles nos tirariam as
terras. Para quê quereriam eles estes ermos? Disse em sentença o
André ruço. E acrescentou, ele que era de poucas falas: o
presidente da junta nos contou da sua nova proposta de festejos,
desta vez no ramos das comidas, ou gastronomia
como dizem os mais educados. A novidade é que, aproveitando mais uma
vez o nome deste lugar, excitou a malandrice com umas palavras
de ordem. È assim que se diz, amigo Zé? Perfeito. O André
surpreendeu-me, pois sempre o vi entrar mudo e sair calado, ou
vice-versa.
O
que eu gostaria é que o Zé Maragato -uma vez que já não nos
atrevemos a dizer Maravilhas, que foi uma alcunha ganha com mérito
dadas as histórias sempre interessantes que nos foi contando ao
longo dos anos- nos desse mais pormenores da sua ideia, pois,
mesmo que não se venha a realizar, que é o mais certo, sempre nos
alegrará nestes dias de pasmaceira. Faça a fineza de nos explicar
tudo de forma que nós entendamos, sem o interromper.
Senhor
André. E dirijo-me a si em particular porque foi quem me desafiou.
Se bem imagino que o André falou em representação de vós todos. O
que não impede a que, uma vez que já expliquei a táctica imaginada
ao vosso presidente da junta, que seja ele, que vos conhece melhor do
que eu, quem vos de notícia com um vocabulário que não vos deixe
desorientados. E olhem quem entra agora!
Boa
tarde, Senhor Presidente, estávamos agora mesmo a falar na sua
pessoa. Mal, com certeza. Nada disso, antes pelo contrário. Acontece
que eu tenho que vos deixar devido a um compromisso já marcado com
antecedência. Tenho à minha espera um potencial cliente, interessado em comprar uma residência
de campo, precisamente neste vale do Pito. Antes de vos deixar gostaria que o Senhor Presidente, aqui presente, vos desse alguns pormenores acerca da minha proposta
de instaurar uma semana gastronómica centrada no excelente paladar
do frango criado no campo, à antiga, mesmo que já hajam poucas
bostas de boi pelos caminhos e terrenos onde possam debicar,
afoitamente, os galináceos.
Meus
estimados companheiros. Vos deixo bem entregues ao vosso Presidente
eleito
Próximo
capítulo, séptimo
José
Maragato vai vender a sua casa e abandonar o Vale do Pito
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