sexta-feira, 7 de julho de 2017

CRÓNICAS DO VALE cap 10



Temos máquina. E alguma correspondência.

E UMA NOTÍCIA ALARMANTE !!

Bom dia patrão Maragato. Temos novidades, e espero que boas, acerca da máquina trituradora. Ontem indicaram-me um sujeito deste concelho que tem um equipamento destes e que o aluga a quem necessitar. Falei com ele e não quis ajustar preço antes de fazer uma demonstração na sua propriedade. Mais disse que a sua máquina come tanto e tão depressa que é difícil ter material preparado para ela. O costume é fazer o trabalho possível e partir para outro cliente. Volta quando o avisarmos, e assim anda de um lado para outro. Não cobra as deslocações; mas deve incluir no preço da hora trabalhada, se não ia à falência. Dada a urgência disse-lhe que, caso fosse possível convinha que viesse esta tarde.

Entretanto avançaremos no trabalho de desmatagem e corte das árvores mais perigosas. Já me esquecia. Disse-me que habitualmente os seus clientes depois de feito o trabalho de trituração, espalham aquilo pelo terreno a fim de adubar e evitar que as terras não seqem tanto ao sol de verão. Com as chuvas integram-se na terra e é muito favorável. Creio que é tudo.

Excelente senhor Ernesto. Eu não conseguiria fazer melhor. Aguardaremos para ver como se comporta esta máquina tão voraz. Enquanto continuem no trabalho em curso. Eu vou tratar de alguma correspondência.

Ainda bem que o “primo” Leonardo teve a ocorrência de me dar o seu endereço de correio electrónico, pois que as coisas se complicaram no sentido de ter o local apresentável, mas por outro lado parece que estamos num bom caminho. E antes deste encontro tenho que falar, desta vez a sério, com a Luísa e o Bruno, nossos filhos.

Primo Leonardo. Desde ontem a situação na residência de Vale do Pito alterou-se. A brigada de trabalhadores, que para os meus adentros chamo de Brigada Victor Jara, compareceu em força e já estão com as mãos na massa na desmatagem rasteira e no corte das árvores que cresceram demasiado perto do caminho de entrada para a propriedade, e à volta da casa. Não imaginam a barulheira e poeirada que existe neste sitio. E ainda não é nada do que se espera, pois deve estar a chegar uma máquina trituradora, montada sobre uma camioneta, que vai transformar matos e ramagens em pequenas aparas biodegradáveis, que servirão para adubar as terras e refrear a erosão que as chuvas causam quando o terreno está nu.

Por isso tenho que vos pedir uns dias de espera até ser mais conveniente e o ambiente mais sossegado para vos poder receber condignamente. Todo o processo de venda da propriedade ficará congelado, para todos os pretendentes, e antes de tomar qualquer decisão vos ouvirei atentamente e com agrado. Evidentemente a família tem prioridade.

Um abraço do Primo José Maragato

E agora para vós, filhos:

Queridos Luísa e Bruno.

Desde muitos anos atrás que ambos vos manifestastes pouco, ou nada, interessados em vir a receber este casarão. Entendo, sem problemas, que a vossa vida foi orientada noutros hábitos e necessidades. E se tivésseis a noção do que custa manter esta casa e seu terreno envolvente, o mais provável é que gritásseis, bem alto, livre-se deste ogre devorador! E não conheceis da missa a metade.

Entre as despesas caseiras, de manutenção, de um mínimo de pessoal, que fica resumido a uma senhora, já com meio século às costas, que se encarrega da cozinha, mesmo que a maior parte das refeições as faça fora, de tratar das minhas roupas e de uma limpeza sumária nas divisões que habitualmente ocupo, que são menos da décima parte do total. Está disposto que duas vezes por ano, a fim de que tudo não apodreça, tenha a ajuda de duas raparigas para dar uma volta geral. Tenho, a nosso encargo, um caseiro a tempo inteiro. Todos eles descontando, eu, para a segurança social.

Juntem a isso o IMI, o IRS, os seguros de acidentes do pessoal, de incêndios e catástrofes, a electricidade e as botijas de gás, mais os materiais consumíveis do dia-a-dia e as reparações que o caseiro não pode resolver, e despesas imprevistas que sempre surgem, e então os vossos olhos se abririam de pasmo. Por isso fiz uma sondagem de mercado para ver se esta propriedade teria aceitação no mercado dito imobiliário. E apareceram interessados, entre eles um grupo de primos da vossa falecida mãe, que pretendem criar uma espécie de sociedade par comprar isto. (Nem imaginam no vespeiro em que se meteriam) Querem visitar a casa e a propriedade, possivelmente dentro de 8 a 15 dias. Junto cópia da carta que lhes enviei hoje mesmo. Até agora foram só conversas telefónicas.

Preciso de saber a vossa opinião para poder avançar ou recuar. E até gostaria que no dia da “visita de estudo” da família Sousa, pudesse vos ter ao meu lado. Não me sentiria como esbanjador dos bens familiares. E seria uma oportunidade de reverem os dias da vossa infância.

Beijos do pai

A missiva segue para os vossos, dois, endereços de correio electrónico.


NOTÍCIA DE ÚLTIMA HORA

As duas horas que antecedem este anexo tem sido, inesperadamente, insólitas, alarmantes e exaustivas. Neste momento só posso dizer que nos trabalhos de desmatagem, e já nos limites do nosso terreno, encontraram um corpo, practicamente desprovisto de roupas, abandonado numa pequena cova e dando mostras de ter sido pasto de animais necrófagos, desde corvos a cães abandonados e raposas. A GNR estabeleceu um perímetro de segurança e aguardam os peritos forenses e agentes da Judiciária.





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